Começa com a protagonista gritando impropérios e batendo, literalmente, com a cabeça na porta. Prossegue com ela dando cabeçadas por Paris. Jeune Femme, Jovem Mulher, o longa de Leónor Serraille com Laetitia Dosch, venceu a Caméra d’Or, a Palma de Ouro para diretor(a) estreante no Festival de Cannes do ano passado. Da sua primeira cabeçada, Laetitia retém, ao longo do filme, a marca de uma cicatriz, ou de um sangue coagulado. Mas a mulher que termina o longa de Léonor Serraille, é diferente da que começou. Jovem Mulher, ou o itinerário de uma transformação.
De cara, logo após a (auto)agressão que abre o filme, Paula – é o nome da personagem – desabafa para o médico que a atende, contando sua história. Ela voltou a Paris atrás do namorado, que não quer mais saber dela – daí a porta fechada. Seu mundo desmorona, ela esbraveja, revolta-se. O tempo todo – o tempo do filme –, Paula está em movimento no bairro de Montparnasse. À procura de quê, exatamente? De si mesma. Seu discurso é incoerente, as ações são impensadas. Paula estende sua revolta a todo o mundo, ao mundo.
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É fácil, mas não acurado, dizer que o filme – a diretora – toma partido da autopiedade e do miserabilismo de Paula. Porque, na verdade, o que Léonor Serraille propõe é o retrato de uma balzaquiana (a mulher de 30) que começa à deriva e, face à hostilidade do mundo, termina por se reinventar. O mais curioso é que um júri eminentemente masculino – cinco homens, duas mulheres, incluindo a presidente, atriz e diretora Sandrine Kiberlain – avalizou o retrato, às vezes exasperado, sempre intenso, dessa ‘emancipação’ coroada com a câmera de ouro
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