VENEZA - Foi o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira quem fez chegar às mãos do diretor francês Olivier Assayas, por meio de seu produtor francês, Charles Gillibert, o livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais, sobre um grupo de cubanos infiltrados nos movimentos anticastristas em Miami. “Eu acho que ele me procurou por causa de Carlos, o Chacal”, disse Assayas ao Estado durante o Festival de Veneza, onde o filme Wasp Network fez sua estreia mundial, em competição – o longa abre a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, para convidados, no dia 16, com presença do cineasta e dos atores Édgar Ramirez e Leonardo Sbaraglia, além de Wagner Moura. “Eu achei o material extraordinário, mas muito difícil de adaptar.”
O livro conta a história completa dos chamados Cinco de Cuba, que, depois de presos pelas autoridades americanas, recusaram acordos e cumpriram longas penas por suas atividades. Assayas achou melhor focar em alguns dos personagens, especificamente em René González (o venezuelano Édgar Ramírez), que parte para os Estados Unidos sem deixar nem bilhete para sua mulher Olga (a espanhola Penélope Cruz) e os filhos. Em tese, foi tentar uma vida melhor – mas, na verdade, se infiltra em organizações que tentam derrubar o governo de Fidel e depois o do seu irmão Raul Castro, inclusive explodindo hotéis em Havana. Vive como um imigrante comum, com dificuldade financeiras. “Eles eram espiões proletários”, contou Assayas. “É difícil entender o que faz uma pessoa aceitar abandonar a família, mas, no fim, eles eram soldados. Acho que eles foram os últimos de uma geração que estava disposta a morrer por seus ideais.”
Outro personagem importante é Juan Pablo Roque (Wagner Moura), tenente-coronel das Forças Aéreas Cubanas, que nada sete horas até a base de Guantánamo para pedir asilo ao governo americano. Ele também se infiltra na Wasp Network (“rede de vespas”, na tradução), mas vira agente duplo para o FBI. Torna-se celebridade local ao fazer uma cerimônia de casamento espetacular com Ana Margarita Fernandez (a cubana Ana de Armas, de Blade Runner 2049), que depois abandona ao retornar a Cuba.
O elenco ainda conta com o mexicano Gael García Bernal, como o chefe da rede, e o argentino Leonardo Sbaraglia (de Dor e Glória, o último filme de Pedro Almodóvar), como o líder de um dos grupos anticastristas. É quase um dream team da América Latina. “Minha intenção era ser autêntico e usar apenas atores cubanos”, disse Assayas. “Mas eu vi que não dá para escrever um roteiro que custa mais do que seus filmes independentes e usar só atores desconhecidos. Então pensei: Por que não ir atrás dos melhores?” O cineasta já tinha trabalhado com Édgar Ramírez, que fez o personagem-título da minissérie Carlos, o Chacal, mas não conhecia Wagner Moura. “Eu o adorei assim que conheci. É uma das coisas que o cinema proporciona: não apenas ele era o homem certo para o papel, mas também para ser meu amigo”, disse Assayas. Para o diretor, trabalhar fora da França é uma oportunidade “de conhecer atores de outras culturas, que falam outra língua, o que abre meu mundo e também renova meu prazer em fazer filmes”.
Rodar em Cuba foi uma caixinha de surpresas. “Não tivemos tantas restrições quanto eu pensava. Eles nos deixaram filmar coisas que não imaginei que iam permitir”, disse o diretor. Por exemplo, o lobby de um dos hotéis que sofreu atentado de um grupo anticastrista, mas também uma base aérea, com três caças MiG no ar. “As coisas mudaram no meio do caminho, porque as tensões políticas com os Estados Unidos acabaram afetando.” Édgar Ramírez contou que as regras eram alteradas o tempo todo. “Algumas permissões eram retiradas. Era toda uma burocracia, o que não é surpreendente nem estranho para mim, que venho da Venezuela. É um lugar complicado. Sou jornalista e faço muitas perguntas. Algumas pessoas estavam dispostas a responder, e outras, não, o que diz muito sobre o estado de coisas.”
Assayas disse que tinha uma visão errônea sobre a ilha, uma coisa mais turística, com os carros antigos e as casas coloridas. “Mas os cubanos levam uma vida muito difícil. É deprimente ver tanta pobreza no centro de Havana”, disse. “Para nós, era estranho porque ficávamos numa Cuba que tem seu próprio dinheiro, em que há restaurantes caros. Claro que vemos esse contraste em outros países, mas ali a população não tem acesso à internet, é um país sem democracia. A sensação é a de que não vai durar muito. Mudanças vão acontecer.”
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