Filmes sobre o Holocausto podem voltar a ser reveladores? Três cineastas dizem que sim

As narrativas trágicas são comuns e vistas como ‘iscas de Oscar’. Jonathan Glazer, Ava DuVernay e Steve McQueen, de ‘Zona de interesse’, ‘Origin’ e ‘Occupied City’, se recusam a deixar que isso fique no passado

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Por Esther Zuckerman

THE NEW YORK TIMES - Na comédia britânica Extras, Kate Winslet, que aparece como uma versão de si mesma, interpreta uma freira em um filme sobre o Holocausto. Quando elogiada por usar sua plataforma para chamar a atenção para as atrocidades, ela responde, insensivelmente: “Não é por isso que estou aqui. Acho que não precisamos de mais um filme de Holocausto, né?”. Ela explica que aceitou o papel porque fazer um filme sobre o Holocausto “é Oscar garantido”.

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A perspectiva da Winslet fictícia sobre os filmes de Holocausto, embora fosse obviamente uma piada no contexto daquele episódio de 2005, virou uma espécie de opinião predominante. Desde que A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, ganhou o prêmio de melhor filme e seis outros prêmios da Academia, quase trinta anos atrás, os filmes de Holocausto – de A Vida é Bela (1998) a Jojo Rabbit (2019) – têm sido vistos como iscas de Oscar. Bem intencionados ou não, eles são considerados o tipo de cinema que você deveria ver, ainda que não necessariamente queira ver, feito para tocar o coração e ganhar prêmios.

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Na verdade, a própria Winslet provou que essa teoria estava correta quando ganhou o Oscar de melhor atriz em 2009 por O Leitor, no qual interpretou uma mulher que trabalhara como guarda da SS em Auschwitz. Na cerimônia, o apresentador, Hugh Jackman, fez um número musical em torno do fato de não ter visto O Leitor, uma piada que arrancou gargalhadas do público: filmes sobre o Holocausto são importantes, sim, mas dá para pular.

Christian Friedel como Rudolf Höss, comandante de Auschwitz, em 'Zona de Interesse' Foto: A24/Divulgação

Mas talvez a noção sobre os filmes de Holocausto esteja mudando. Neste ano, em particular, três filmes procuram desafiar a ideia do que o gênero pode e deve ser. Todos eles lançam um olhar analítico sobre o tema, ligando os horrores do passado ao presente, fazendo com que o assunto pareça tão perturbador quanto sempre.

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Em Zona de Interesse [estreia em 2 de fevereiro de 2024, no Brasil], o diretor britânico Jonathan Glazer adapta livremente um romance de Martin Amis para oferecer um retrato da vida cotidiana de Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante de Auschwitz; sua esposa, Edwiges (Sandra Hüller); e seus filhos.

Quase sem enredo, o filme mal entra no campo e se fixa no mundo visualmente idílico que o casal cria para a família enquanto Höss planeja o extermínio dos judeus presos do outro lado do muro. Depois que Hedwig despacha o marido para o trabalho – um homem com o uniforme listrado dos prisioneiros de Auschwitz segura as rédeas do cavalo de Rudolf – ela murmura para o bebê: “Você quer sentir o cheiro de uma rosa?”. Com certeza é mais agradável do que sentir cheiro de corpos queimados.

Quando você começa a achar que Zona de Interesse pode ficar insuportável demais com seu foco impenitente no mal, Glazer muda para a perspectiva de uma garota polonesa e o ato de bondade dela. Ele filma a garota, baseada em uma pessoa real, em imagens térmicas, de modo que ela fica quase obscurecida enquanto deixa frutas para os prisioneiros – seu gesto vem com a trilha das notas dissonantes da partitura de Mica Levi, que soa como um zumbido. Esse pouco de esperança parece distante e pouco inspirador.

Sandra Hüller como uma mulher que vive ao lado de Auschwitz em 'Zona de Interesse', dirigido por Jonathan Glazer Foto: A24/Divulgação

Em muitos aspectos, Zona de Interesse parece fazer um par com Occupied City, o documentário de Steve McQueen e da escritora Bianca Stigter, que será lançado em 25 de dezembro nos EUA [ainda sem data de estreia no Brasil]. (Assistir às 4 horas e 22 minutos de duração do filme pode deixar o fim de semana bem pesado, para dizer o mínimo).

Assim como Zona de Interesse, Occupied City remove conscientemente a emoção da narrativa, que se baseia no livro de Stigter Atlas of an Occupied City: Amsterdam 1940-1945. No decorrer de seu longo e às vezes cansativo tempo de execução, viajamos pelas ruas de Amsterdã enquanto uma narradora (Melanie Hyams) explica o que aconteceu durante a ocupação nazista em cada endereço que visitamos.

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As histórias são fascinantes – pequenas sagas de perseverança, resistência e crueldade que poderiam servir de base para filmes inteiros – mas Hyams as narra sem paixão. Embora eu tenha tentado fazer anotações, no final do filme tive dificuldade em me lembrar de todos os detalhes que queria. Tudo ficou avassalador e começou a se misturar enquanto eu tentava assimilar a história e as imagens novas que McQueen oferece de uma série de eventos: do lockdown da covid e um protesto pró-Palestina às horríveis tradições de blackface da época de Natal na cidade.

Em 'Occupied City', cenas do confinamento da covid são inseridas na narrativa da Segunda Guerra Mundial Foto: A24/Divulgação

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Essa conversa entre aquela época e agora também pode ser encontrada no mais recente filme de Ava DuVernay, Origin [ainda sem data de estreia no Brasil], um drama baseado no best-seller de não-ficção de Isabel Wilkerson, Casta: As origens de nosso mal-estar. DuVernay segue Wilkerson, interpretada por Aunjanue Ellis-Taylor, enquanto ela pesquisa aquilo que se tornará seu livro.

Ela compara o tratamento dispensado aos judeus na Alemanha nazista à condição dos negros nos Estados Unidos e dos dalits na Índia, concluindo que, em última análise, é tudo resultado de sistemas de castas, com grupos odiosos aprendendo a subjugar uns aos outros.

Mas DuVernay não evita a emoção como Glazer, McQueen e Stigter. Na sequência mais importante, que dramatiza o processo de escrita de Wilkerson, a diretora cria uma montagem para descrever a desumanização com imagens de corpos negros brutalizados em navios negreiros, de judeus sendo levados para campos de concentração e de dalits limpando esgoto, com os corpos cobertos de excrementos. As cenas sem dúvida são mais emocionantes do que qualquer coisa em Zona de Interesse ou Occupied City.

E, ainda assim, os três filmes compartilham a recusa em deixar o Holocausto viver só no passado.

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Aunjanue Ellis-Taylor como a autora Isabel Wilkerson, fazendo conexões entre o Holocausto e outros exemplos de sofrimento Foto: Atsushi Nishijima/Neon

Zona de Interesse é o mais radical. Pede que você passe um tempo com os perpetradores do terror, veja suas qualidades humanas e, mesmo assim, não desenvolva nenhuma empatia por eles. Já vimos filmes sobre nazistas ganhando coração e aprendendo a ver a humanidade nos judeus: Jojo Rabbit, de Taika Waititi, é um exemplo bem recente e fala sobre um garotinho nazista que se apaixona pela garota judia escondida em sua casa. Ainda assim, fui mais profundamente afetada por Zona do que por qualquer obra de arte sobre o Holocausto na memória recente.

O filme força você a imaginar o que acontece quando permitimos que essas histórias fiquem comuns, virem entretenimento comercial corriqueiro – o tipo de produto que atores oportunistas querem fazer para ganhar o Oscar. A morte se torna um ruído de fundo, como acontece com os Hösses.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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