Garoto de 10 anos forçado a amadurecer em meio a adultos disfuncionais é o centro do drama ‘Softie’

Longa-metragem do jovem diretor francês Samuel Theis conta a história de Johnny, cercado por adultos sem rumo, levado a lidar com situações que extrapolam os de uma criança comum; leia crítica

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Foto do author Matheus Mans

Johnny (Aliocha Reinert) é um garoto que não se encaixa, não se entende. Filho de uma família disfuncional, ele se vê quase o tempo todo sozinho – não tem muitos amigos de sua idade e, como as colegas da mãe falam, parece que tem muito mais do que 10 anos. É maduro demais pra idade. Fala sobre coisas com as quais não deveria estar se preocupando, pensa em temas espinhosos e, no fim, também se apaixona antes da hora.

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Softie, apenas o segundo crédito de Samuel Theis como diretor, acompanha justamente a história desse garotinho. Ele vive entre dois mundos: o da infância e o da adolescência. Amigos na escola ainda estão pensando em brincadeiras, enquanto ele pensa em como vai sobreviver no próximo mês. Ele não tem contato com o pai. A mãe, ainda que seja próxima do garoto, pula de namoro a namoro sem nunca se firmar.

É nesse cenário, com Johnny sendo moldado em aço, que ele também começa a descobrir sua sexualidade. Descobre o desejo e, acima de tudo, passa a se compreender como uma pessoa da comunidade LGBT+. Softie, porém, não está necessariamente preocupado em armar uma discussão sobre crianças que fazem parte da comunidade, como é o caso de Um Garoto como Jake ou Pequena Garota.

Johnny não se apaixona por um colega de classe ou vizinho, como seria esperado nesse caso. Não. Johnny sente que está apaixonado pela única pessoa que realmente lhe dá atenção: o professor Jean (Antoine Reinartz). É ele que vê potencial no protagonista desta história e, acima disso, impulsiona Johnny enquanto o mundo o puxa para trás. Assim, o rapaz não consegue distinguir os sentimentos.

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Aliocha Reinert é Johnny em 'Softie', do diretor francês Samuel Theis Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Uma análise biográfica

Essa história toda, que tem ares autobiográficos de Theis, tenta jogar luz exatamente nessas crianças que, sozinhas e sem estímulos, crescem mais rápido do que devem, mas que continuam com a imaginação à flor da pele. A paixão pelo professor é o elemento que causa discórdia e caos. No entanto, o cineasta compra o lado do menino e nunca parte para uma acusação. É como se fosse o avesso direto de A Caça, o excelente filme dinamarquês.

Há cuidado em não espetacularizar a criação de Johnny. Theis privilegia o pequeno, o discreto, o sensível. As coisas podem sair do controle ao redor do personagem, mas continuamos seguindo sua visão de um mundo ligeiramente sem cor e sem acreditar que pode estar causando um grande problema para o professor que admira. Acha, pela falta de sentimento, que é recíproco - o que, óbvio, não é o caso. O desejo do professor é inexistente e o filme passa longe da pedofilia.

Reinert, aliás, é outro ponto de atenção aqui. O menino exala tristeza e solidão em cena. Quando, no final, confronta o professor, em uma cena que poderia ser chocante nas mãos de um diretor mais voltado à extravagância, mostra maturidade em cena – ou será que está emulando isso também, como construção de Johnny? Ele ajuda a deixar o filme potente, enquanto Theis reduz o ritmo e a intensidade.

O ator e diretor francês Samuel Theis, que lança 'Softie' nos cinemas brasileiros. CRÉDITO: Pandora Filmes/Divulgação Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Softie, assim, é um filme francês ousado e corajoso. Foge do sensacionalismo para deixar o caos narrativo de lado, enquanto somos privilegiados por um exame minucioso de sentimentos de um garotinho que nunca teve contato com emoções tão intensas – ainda mais no ambiente que vive. E quando temos um filme que valoriza sentimentos em detrimento da narrativa, algo raro no cinema de hoje, devemos sentar, assistir e aprender.

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