Garra de Ferro, que estreia nesta quinta-feira, 7, nos cinemas brasileiros, é uma história real com ares de tragédia grega – só que norte-americana. O filme, dirigido por Sean Durkin e que traz um Zac Efron surpreendente, bem poderia estar na lista de indicados ao Oscar deste ano.
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“É inacreditável”, disse Efron em entrevista à imprensa internacional, por videoconferência, sobre a saga da família Von Erich, famosa nos circuitos de luta livre nos anos 1960 a 1980. O pai, Fritz, interpretado por Holt McCallany (Mindhunter), é severo e acredita que os filhos precisam ser durões, enquanto à mãe, Doris (Maura Tierney, de The Affair), cabe apenas a tarefa de fazer os rapazes irem à igreja.
No filme, eles são quatro: Kevin (Zac Efron), David (Harris Dickinson, de Triângulo da Tristeza), Kerry (Jeremy Allen White, de O Urso) e Mike (Stanley Simons). O filme mostra também que havia um quinto irmão, Jack, que morreu ainda criança, afogado na neve depois de levar um choque, mas omite o sexto, Chris, morto em 1991.
Durkin explicou que precisou tomar a decisão de retirar alguns fatos porque não era possível incluir tudo. “Foi muito complicado, porque acontecem coisas demais com essa família”, disse ele. “Passei anos decidindo o que ia incluir e o que não ia incluir. No fim, resolvi focar no Kevin e na sobrevivência de Kevin.”
Ele é o filho mais velho e visto como o herdeiro natural do pai no ringue. David também luta e é mais desinibido, destacando-se na hora de falar com a imprensa e provocar os adversários, o que faz parte do show da luta livre. Kerry está fora de casa, mas volta depois de ter seu sonho olímpico como lançador de disco destruído pelo boicote dos Estados Unidos à Olimpíada de Moscou, em 1980. E o caçula Mike é uma alma gentil que gostaria mesmo de se dedicar à música.
No Texas e nos Estados Unidos, muita gente achava que os Von Erich eram amaldiçoados, inclusive o próprio Kevin, que expõe essa crença assim que conhece sua futura mulher, Pam (Lily James, de Em Ritmo de Fuga). “É coisa demais para acontecer com uma pessoa só ou uma única família”, disse Efron.
O fato de ser real foi o que me atraiu. Para mim, não se trata tanto de um filme sobre luta livre e sim de uma obra sobre família e perda. E sobre a capacidade de Kevin de superar essa ‘maldição’ e seu pai.
Zac Efron
Mesmo que no fundo, no fundo, Garra de Ferro não seja exatamente um filme sobre luta livre, ele surgiu a partir da paixão de Sean Durkin pelo esporte. Nascido no Canadá e criado parcialmente na Inglaterra, o diretor assistia às lutas na televisão.
“Eu me apaixonei pela energia das lutas, parecia diferente de tudo o que eu via na televisão. Para um garoto quieto e tímido como eu, parecia que eu tinha encontrado minha voz”, disse Durkin. E foi assim que conheceu os Von Erich, em uma fita VHS antiga com apresentações que os irmãos faziam juntos.
Ao saber de uma das tragédias da família, Durkin se conectou imediatamente, porque seu pai tinha perdido um irmão recentemente. Mas só muitos anos mais tarde, em uma reunião com a produtora Tessa Ross, ele expressou o desejo de contar a história dos Von Erich. “Nunca tinha visto um grande filme sobre luta livre”, disse Durkin.
Para viver esses lutadores, Efron, Allen e Dickinson tiveram de treinar um bocado. Foram quatro meses de preparação física e de trabalho com Chavo, um lutador profissional. Esse processo aproximou os atores, tornando-os amigos instantâneos.
“Sempre tento montar meus elencos pensando em pessoas que vão se dar bem, mas, claro, nunca se sabe e nem sempre escolho certo”, disse Durkin. “Aqui, foi bem fofo, eles ficaram amigos e logo estavam levantando pesos e dividindo banheiras de gelo após os treinos.”
Chavo ajudou a tornar as lutas mais realistas. Elas foram todas filmadas do começo ao fim, da entrada no ringue à saída dele. “Foi ótimo porque realmente parecia real, podíamos mapear os combates e permanecer no personagem”, disse Efron. Todas foram registradas de uma só vez, em dias sequenciais.
Em certas cenas, os atores ficaram apreensivos, como quando Efron precisa se equilibrar na corda mais alta cercando o ringue e pular sobre o adversário. “Esses momentos são todos coreografados, mas também há muito improviso, porque é isso o que acontece na luta livre também”, contou o ator.
Os segundos entre um golpe e outro são preenchidos com o lado showman de cada lutador – não por acaso, muitos deixaram os ringues para se tornarem atores, como Dwayne Johnson, Dave Bautista e John Cena.
Sean Durkin não esconde sua admiração por esse universo, pela comunidade, pela camaradagem entre os irmãos. Mas ele também mostra o que toda essa cultura, tão texana, tão fundamentalmente norte-americana, pode exacerbar, com sua busca desmedida pelo sucesso, pelo primeiro lugar, por ser forte e macho.
“Algo que eu vi nos Von Erich e na minha própria família é que, especialmente nessa geração, o pai era duro e queria que seus filhos também fossem para sobreviver no mundo. Para ele, era essa a forma de amá-los”, disse.
Sem palavras e gestos explícitos de carinho, nem da mãe nem do pai, os rapazes tentam se provar o tempo todo e se encaixar no sonho de Fritz. É um ambiente tóxico que abala os Von Erich fisicamente e mentalmente, abrindo caminho para boa parte de sua própria tragédia.
Garra de Ferro fala sobre um universo específico, da luta livre, mas poderia ser estendido, como Durkin sugeriu, para toda uma geração nascida entre a Primeira Guerra e a Grande Depressão, conservadora, rigorosa e que dificuldades de oferecer colo e ouvido para seus filhos, nascidos nas décadas de 1950 e 1960.
Mas esse jeito de educar, de homem não chora, faça o que estou mandando, ainda reverbera. E a maneira de escapar da tragédia é, pelo menos para Kevin, afastar-se desses espaços de opressão, de várias maneiras. “Eu o conheci. Ele é tão feliz, quase um guru, o tipo de cara que me dá esperança no futuro”, disse Efron.
O bonito de Garra de Ferro é apontar que há caminhos para a masculinidade que não passam apenas pela competição, pela força, pelo sucesso a qualquer preço. Que o verdadeiro vencedor não é aquele que tem isso tudo, mas quem se abre para ser vulnerável, amoroso, disposto a ouvir e a ser amado de volta.
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