Gianfranco Rosi identifica em Flaherty a paternidade de 'Fogo no Mar'

Filme chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira

PUBLICIDADE

Leão de Ouro em Veneza por Sacro Gra, Urso de Ouro em Berlim por Fuocoammare, Fogo no Mar, que estreia nesta quinta-feira, 28, nos cinemas brasileiros. Só falta a Palma de Ouro em Cannes para que o italiano Gianfranco Rosi, de 51 anos - nasceu em 1964 -, detenha a tríplice coroa do cinema mundial, vencendo os três maiores festivais. Pode ser que Cannes permaneça para sempre inexpugnável para ele. Na entrevista que deu ao Estado, na abertura do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, Rosi disse que pretende fazer apenas mais um filme. Depois, vai parar, para lecionar - que é seu sonho. Cannes, de qualquer maneira, lhe estende o tapete vermelho e, em pouco mais de dez dias, na 69.ª edição do festival - que começa dia 11 -, Rosi comandará o júri que vai outorgar a Palma de Ouro do documentário, o chamado Olho de Ouro/L’ Oeil d’Or. Só para completar - Amir Labaki, criador do É Tudo Verdade, estará no júri com ele. Gianfranco tem ideias muito precisas sobre documentário. Pode até surpreender, dizendo que Michael Moore - que venceu em Cannes, cortesia do júri de Quentin Tarantino, com Fahrenheit 11 de Setembro - matou o documentário. Gianfranco Rosi defende que o documentário não deve ser explicativo. Peça-lhe para citar um mestre e ele não vacila - Robert Flaherty. Para o diretor, o documentário e o espectador já têm informação demais. O que é preciso agora é mais cinema, mais poesia, mais emoção. Tudo isso se encontra na obra de Flaherty, em filmes que se tornaram clássicos como Nanuk o Esquimó, O Homem de Aran e Louisiana Story. No último, impedido pelas ‘irmãs’, as grandes companhias, de contar a verdadeira história do petróleo, ele fez poesia filmando a extração pelos olhos de um garoto. Rosi também aborda um grande tema em Fuocoammare - a tragédia dos imigrantes -, mas o faz pelos olhos de outro menino.

PUBLICIDADE

Em Berlim, e depois na entrevista que deu ao Estado, na abertura do É Tudo Verdade, Rosi contou a gênese de seu filme. Em outubro de 2014, ocorreu uma grande tragédia nas proximidades da ilha de Lampedusa, a meio caminho entre África e a Sicília. Quase 300 pessoas morreram afogadas no naufrágio de uma embarcação que levava imigrantes clandestinos. O Instituto Luce lhe encomendou um curta de dez minutos. Como sempre faz, Rosi partiu ao enco0ntro de seu tema. O exército de um homem só. Ele fotografa, dirige, capta o som, monta. Na ilha, ele descobriu a extensão do problema. Um curta jamais daria conta da tragédia.

Ele começou a filmar - sem entrevistas, como gosta de fazer. Escolhia personagens, os seguia com a câmera. O médico, Dr. Bartolo, foi o primeiro. A população, as crianças. Quase um ano foi consumido assim. Depois, o mundo além dos limites da ilha - os imigrantes. “Minha grande diferença em relação a Louisiana Story é que Flaherty tinha um roteiro, e eu não”, confessou Rosi. Mesmo as cenas em que o garoto brinca de guerra, ele jura, não foram encenadas. O menino precisa de óculos. É uma metáfora? Rosi está querendo dizer que o mundo também precisa focar na tragédia dos imigrantes? Diante da questão proposta pelo repórter, o diretor foi sucinto - “Se é assim que você vê...”. Rosi admite que Fogo no Mar foi feito numa corrida contra o tempo. “Em Sacro Gra, tinha mais personagens, mais material e mais tempo para a montagem. Tudo foi menos desta vez, mas não creio que tenha afetado a qualidade.” Pelo contrário, a pressão da urgência foi estimulante. “Cada projeto tem seu tempo, sua história. Não creio que Fogo no Mar tivesse saído melhor de outra maneira”, reflete o diretor.

De ascendência italiana, Gianfranco Rosi nasceu em Asmara, na Eritreia, durante a guerra civil pela independência da nação africana. Ao repórter, disse que o cinema só surgiu em sua vida quando já tinha 18 anos. Aos 13, abandonou a África num avião militar. Seus pais permaneceram. Será por isso que Rosi tem essa percepção tão humanista do sofrimento? Aos 18, ele queria salvar a humanidade tornando-se médico. Virou cineasta. Não tem certeza de que o cinema possa mudar o mundo, e menos ainda salvar vidas. Mas o engajamento humanitário persiste. Em Berlim, ao agradecer o Urso de Ouro atribuído pelo júri presidido pela atriz Meryl Streep, fez uma dedicatória linda. Ao povo de Lampedusa. “Como pescadores, estão acostumados a receber o que o mar lhes oferece, sejam peixes ou imigrantes. Lampedusa é só um lugar de passagem, mas o povo, como o menino, tem um coração grande.”  

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.