Opinião | Golpe de Estado na Coreia do Sul é revisitado em eficaz drama militar que reacende debate nacional

‘12.12: O Dia’, filme escolhido para representar a Coreia do Sul no Oscar 2025, chega aos cinemas em 24 de abril; leia crítica

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Atualização:

O cinema da Coreia do Sul é um tesouro mundial, capaz de contar histórias que são ao mesmo tempo profundamente locais e universais – habilidade proveniente da rica tradição cultural do país, aliada a um investimento significativo na indústria cinematográfica da região.

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Filmes como Memórias de um Assassino (2003) e Parasita (2019), de Bong Joon-ho, ou Oldboy (2003) e Decisão de Partir (2022), de Park Chan-wook, são exemplos de trabalhos que cristalizam uma mistura de gêneros a narrativas que exploram profundas questões sociais enraizadas na memória daquela nação.

Um tema incrustrado no imaginário coreano, porém, ainda não tinha sido investigado de maneira adequada: o famigerado Golpe de Estado de 1979, um dos episódios mais traumático da história asiática.

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'12.12: O Dia' remonta o golpe militar de 1979 na Coreia do Sul Foto: Divulgação/Sato Comunicação

O evento marcante foi revisitado pela primeira vez na ficção em 12.12: O Dia, filme dirigido por Kim Sung-su (A Gripe) escolhido para representar a Coreia do Sul no Oscar 2025 e que chega aos cinemas brasileiros em 24 de abril, após enfrentar uma série de adiamentos.

O longa-metragem recria a noite fria de 12 de dezembro de 1979, quando o assassinato do presidente Park Chung-hee, no comando por 18 anos, levou à declaração de Lei Marcial (estado temporário em que o controle das autoridades civis é substituído ou limitado pelas autoridades militares) e desencadeou um golpe militar.

De um lado, o general/ditador Chun Doo-hwang (Hwang Jung-min, excelente, sob maquiagem impecável), motivado por sua ambição desenfreada, lidera um grupo de oficiais em uma tentativa de tomar o poder. Do outro lado, o comandante Lee Tae-shin (vivido por Jung Woo-sung) tenta impedir que o exército seja usado para fins políticos.

Não à toa este eficaz thriller político-militar se tornou o 6º filme de maior bilheteria de todos os tempos na Coreia do Sul (quase US$ 100 milhões). Apesar de cobrir uma série de acontecimentos complexos, 12.12 é acessível até mesmo para aqueles com pouco conhecimento da política coreana.

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Ao pintar dois lados claramente opostos e dedicar esforços para caracterizar Chun e Lee com personalidades contrastantes – o primeiro agressivo e ávido por poder, o último sereno e heroico – o filme emoldura o golpe de Estado em termos de “bem contra o mal”, estratégia que permite ao público leigo facilmente se conectar.

Uma das dúvidas que podem surgir ao espectador é se em algum momento a Coreia do Norte tentou se aproveitar da instabilidade e invadir o país vizinho: a resposta é não. A hipótese é até mencionada em algum momento, mas Chun deixa claro que é seu ego que está conduzindo o espetáculo.

General Chun Doo, de pé, é retratado no filme '12.12: O Dia' Foto: Divulgação/Sato Comunicação

O sucesso doméstico reascendeu o debate nacional sobre como as forças malignas podem tirar vantagem súbita de momentos de incerteza. Coincidentemente, 12.12 começa a ser divulgado no Brasil enquanto um clima de tensão permeia a Coreia do Sul. A população aguarda o desfecho da situação envolvendo o presidente Yoon Suk-Yeol, preso após ter tentado aplicar Lei Marcial em dezembro do ano passado.

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A recriação de época em 12.12 é certeira. A maioria dos homens que vemos são fumantes compulsivos, fato que confere um ar pesado à fotografia, assim como a neblina que se espalhava por Seul na época. Isso dá ao filme uma aparência muito bela e distinta. Dentre os diversos rostos conhecidos do cinema coreano no elenco, chama atenção a participação especial do jovem Jung Hae-in, astro dos chamados k-dramas, como a série O Amor Mora ao Lado, da Netflix.

O título original do filme em coreano é “Primavera em Seul”, porque após a morte de Park, esperava-se que uma verdadeira democracia florescesse. Todavia, não há nada que indique qualquer gota de otimismo ao longo das 2h21 de projeção. Pelo contrário: desde os primeiros minutos temos ideia de que o pior está por vir.

Opinião por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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