O cinema americano sempre mostrou não precisar da ajuda de ninguém para ser o que é: uma indústria extremamente forte, de alta exportação para todo o mundo. Mas isso pode deixar de acontecer logo depois do próximo Dia Internacional do Trabalho, no dia 2 de maio. É para quando está marcada a greve dos sindicatos americanos de roteiristas. Eles buscam um acordo salarial que abrace todos os meios nos quais suas obras possam ser veiculadas além de cinema e televisão (leia-se Internet, vídeo e DVD, principalmente). Os contratos existentes atualmente - com expiração no dia da greve - são falhos nessas questões. Se as negociações não derem certo e a paralisação acontecer, é grande a chance da indústria americana de cinema e TV amargar grandes prejuízos. A não ser que eles recorram a outros núcleos de boa atividade cinematográfica, e se forem nichos emergentes e ambiciosos, como o Brasil, a Argentina e o México, melhor ainda. "Comenta-se que a greve pode até beneficiar a produção latino-americana, porque muito produtor vai procurar roteiro estrangeiro, vai procurar cineasta estrangeiro, que não são filiados a nenhum guild (sindicato) americano", diz Steve Solot, vice-presidente de operações na América Latina da Motion Picture Association (MPA), órgão que representa os interesses da Columbia Tri-Star, MGM, Fox, Universal, Warner Bros, Buena Vista e Paramount, os maiores estúdios americanos. As opções deles se estreitam, uma vez que o cinema asiático guarda barreiras culturais e, na Europa, um estigma de excelência artística separa a produção local do "mercadão" americano. Fica à parte a Inglaterra, cujo intercâmbio de produções com os EUA sempre foi bom, e mais recentemente a Austrália, que tem atraído filiais dos grandes estúdios americanos. O Canadá, que também mantinha bons relacionamentos com Hollywood, também ameaça fazer greve. Há quem resista a enxergar na greve um atalho entre a produção americana e latina. Em entrevista à Agência Estado, por e-mail, a diretora executiva assistente do sindicato americano de roteiristas e escritores Cheryl Rhoden raciocina que, como são as grandes companhias que comandam toda a distribuição em cinema e televisão, a greve não deve mexer no mapa da produção hollywoodiana (leia entrevista na íntegra). Mas, interesses à parte, a entrada da América Latina nesse seleto grupo de co-produção já tem sido anunciada. São exemplos recentes o mexicano Santitos, que teve co-produtores do porte de John Sayles e Ron Kastner, e Bossa Nova, que contou com apoio da Columbia Pictures e co-produção de Jaime A. Schwartz. Eu Tu Eles foi outra parceria de sucesso, que teve roteiro aperfeiçoado em oficinas do Sundance Institute e contou com distribuição da Sony Classics. E Bruno Barreto, depois de americanizar sua bossa, vai entrar com tudo em 2001 numa produção 100% americana, da Miramax, A View From the Top, estrelada por Gwyneth Paltrow. O braço direto dos grandes estúdios por aqui é a sucursal da MPA, que regularmente promove workshops no Brasil. "As empresas filiadas à MPA estão sempre procurando roteiros e projetos bons e novos. Hoje em dia há uma procura, dentro da tendência de globalização, de projetos de produtos locais", diz Solot. "Os workshops sobre produção, direção, roteiro e história do cinema é uma demonstração da nossa confiança em fortalecer as relações entre as indústrias de cinema americana e latina. Estamos orgulhosos por estarmos associados a este projeto", atestou em nota oficial, em novembro, o presidente geral da MPA, Jack Valenti. O workshop a que se refere foi aplicado em São Paulo para estudantes de cinema e cineastas amadores, durante a última Mostra Internacional. Contou com a presença de três americanos especialistas em roteiro, produção e história do cinema, mais Tata Amaral (de Através da Janela) no quesito direção. Logo depois, o mesmo pacote seguiu para Buenos Aires, com o diretor Juan Bautista Stagnaro (de O Amador) no lugar de Tata. "Em 2001 será novamente no México - um workshop no interior do país, não mais na Cidade do México, que está saturada. Vamos procurar coisas novas nas escolas de cinema do interior", anuncia Solot. Esses trunfos, discretamente guardados na manga da MPA, devem ser usados após março. Até lá, os estúdios americanos estarão a todo vapor, tentando concluir os projetos já iniciados e programados para serem lançados no segundo semestre. Qualquer projeto que estiver em produção durante esse período sofre o risco de adiamento por falta de profissionais. Se as greves realmente acontecerem, principalmente as de roteiristas e diretores, o toque latino em Hollywood deve despontar lá para o final desse ano e começo de 2002. No entanto, apesar de crescer, os latinos não devem desbancar o cinema estrangeiro de língua inglesa nem a produção independente americana, sinuosamente paralela à rigidez de Hollywood. Alguns nomes já levantados pela imprensa especializada mostram a linha que o mercado deve seguir. Aparecem nomes de atores como Johnny Knoxville, revelado por Spike Jonze em Quero Ser John Malkovich, e o irlandês Colin Farrell, que Joel Schumacher já escalou como coadjuvante. Para direção, Alison MacLean, cujo O Filho de Jesus compareceu na 24ª Mostra Internacional de São Paulo, e a bosniana Jasmin Dizdar, diretora do ótimo Beautiful People (de 97), são nomes bastante lembrados. Roteiristas de filmes independentes também são abundantes, embora bastante alternativos. É o caso de Mike White, que além de atuar escreveu o longa Chuck and Buck, ainda inédito aqui (considerado pela revista Entertainment Weekly o melhor filme de 2000, ao lado de Dançando no Escuro). Mas o espaço a ser preenchido parece ser grande. Principalmente se os atores, representados pelo Screen Actors Guild e pela American Federation of Television and Radio Artists, também participarem do movimento, uma vez que foram eles mesmos que começaram. "A demanda de produto é grande. Se há um multiplex, por exemplo, com 12, 15 salas, fica difícil encher tudo aquilo com filmes. Mesmo o produto americano é insuficiente. Então, sempre se busca produto novo e variado, pois o público é variado. E também por causa da demanda que vem das produtoras, dos estúdios, dos canais de televisão, etc.", explica Solot. Segundo ele, estes são motivos que reforçam a necessidade de formar alianças independentemente das greves. "As majors estão fazendo campanha", diz.
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