Holocausto: Jonathan Glazer exibe tenebroso e arrepiante filme sobre vida do outro lado de Auschwitz

‘The Zone of Interest’, exibido em Cannes, retrata o dia a dia da família de comandante do campo de concentração: ‘Até que ponto somos como eles’?, questiona o diretor

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Por Rana Moussaoui e Jrdi Zamora
Atualização:

AFP - Armado com um bisturi, o diretor britânico Jonathan Glazer mostra com o filme The Zone of Interest a banalidade diária dos encarregados pelo campo de extermínio de Auschwitz, um longa-metragem arrepiante apresentado, nesta sexta-feira, 19, no 76º Festival de Cannes.

O filme, que disputa a Palma de Ouro, retrata a vida do comandante do campo de concentração, Rudolf Hoss, e de sua família, em uma confortável casa com um enorme jardim bem ao lado de Auschwitz.

Do outro lado do muro podem ser vistas colunas de fumaça e, ao fundo, ouvem-se tiros, às vezes, gritos e insultos.

O diretor britânico Jonathan Glazer, durante entrevista no Festival de Cannes; ele concorre à Palma de Ouro com o filme 'The Zone Of Interest' Foto: Pascal Le Segretain/EFE

Hoss trabalha demais, enquanto sua esposa cuida da casa e de seu belo jardim.

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As crianças, vestidas em algumas ocasiões como membros da Juventude Hitlerista, brincam com soldadinhos de chumbo e, em alguns momentos, com dentes humanos.

Na obra cinematográfica, não há sequer um plano de violência. Tudo é indireto, sugerido, mas não por isso menos tenebroso.

Ewa Puszczynska, Sandra Huller, Jonathan Glazer, Christian Friedel e James Wilson no Festival de Cannes, onde apresentaram 'The Zone of Interest' Foto: Vianney Le Caer/Invision/AP

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A “zona de interesse” era a maneira como os nazistas denominavam a área de aproximadamente 40 km² ao redor do enorme complexo de Auschwitz.

O filme é inspirado em um romance do britânico Martin Amis, A Zona de Interesse, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. No mesmo dia em que o filme era exibido em Cannes, Martin Amis morria na Flórida. Sua morte foi anunciada pela família neste sábado, 20.

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O filme

The Zone of Interest foi rodado em alemão. Destaca-se a esposa do comandante, interpretada pela atriz Sandra Huller (Toni Erdmann).

Quando Hoss é convocado pelo estado-maior alemão para assumir maiores responsabilidades, sua esposa prefere ficar com as crianças nessa casa de ambiente esquizofrênico, em cujas janelas se refletem, às vezes, as chamas do enorme crematório, funcionando dia e noite.

Jonathan Glazer é judeu e explicou à AFP que há anos queria explorar essa “banalidade do mal”, um termo que a filósofa e escritora Hannah Arendt tornou conhecido.

“Como conseguia dormir? O que acontece se fechar as cortinas e colocar tampões nos ouvidos? Tudo tinha que ser minuciosamente calculado”, explicou na entrevista.

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Glazer colheu boas críticas com o filme Sob a Pele (2013), com Scarlett Johansson no papel de uma mulher extraterrestre implacável com os homens.

Outro filme seu, Reencarnação, com Nicole Kidman (2004), desestabilizava o telespectador com a história de uma mulher que acredita que seu marido morto reencarnou em um menino.

Glazer é conhecido por ter o seu próprio tempo para rodar um longa.

“Medito muito. Reflito muito sobre o que vou fazer, seja bom ou mau. Há muito ruído lá fora, não me interessa contribuir para isso”, explica.

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“Esse tema em particular é um assunto vasto, profundo, e muito sensível por muitas razões, e não podia abordá-lo de forma casual”, acrescentou.

Um dos mais famosos filmes de ficção sobre o Holocausto é a Lista de Schindler. Foi rodado pelo também judeu Steven Spielberg, que levou décadas para enfrentar o tema.

No caso de Glazer, o catalizador foi o romance de Amis. “Permitiu-me ganhar a distância necessária, diante do fato de estar na mesma casa que o perpetrador” do genocídio, relata.

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Após o livro, precisou de dois anos de pesquisas para escrever o roteiro.

“O que motivava essas pessoas eram coisas familiares. Casas bonitas, belos jardins, filhos saudáveis, viver em um lugar bonito”, comenta.

“Até que ponto somos como eles? Seria terrível admitir isso. O que nos dá tanto medo de entender?”, reflete.

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