Hong Sang-soo: ‘Uso preto e branco não por pretensão, mas por reminiscências afetivas’

Um dos mais prolíficos realizadores do mundo, diretor sul-coreano explica ao ‘Estadão’ sua dinâmica pra rodar e lançar dois longas por ano, como ‘O Filme da Escritora’, exibido nesta segunda, 31, na Mostra de Cinema de São Paulo

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Por Rodrigo Fonseca

Artesão da palavra, referendado por 61 prêmios conquistados a partir de sua estreia, em 1996, com O Dia em Que o Porco Caiu no Poço, o diretor sul-coreano Hong Sang-soo escancara toda a sua conexão afetiva com a literatura em O Filme da Escritora, que a 46° Mostra de São Paulo agendou para esta segunda-feira, às 14h, no Cinesesc.

Uma livraria é o ponto de encontro de mulheres ligadas às artes em 'O Filme da Escritora' de Hong Sangsoo Foto: Reprodução

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É o segundo longa-metragem que o realizador de 62 anos lança em 2022. Aliás, dois por ano vem sendo sua média. Uma média sempre coroada por láureas internacionais e espaço nobre na seleção competitiva dos grandes festivais do planeta. Em setembro, ele foi ao Festival de San Sebastián, no norte da Espanha, à caça da Concha de Ouro com Walk Up, exibido no último Festival do Rio. Antes, em fevereiro, brigou pelo Urso de Ouro da Berlinale com a produção que a Mostra apresenta esta tarde, e saiu do evento alemão com o Grande Prêmio do Júri. Lá, ele já é de casa... e sempre ganha um Urso prateado para chamar de seu: ganhou o troféu de Melhor Direção em 2020, por A Mulher Que Fugiu, entregue a ele pelo diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho (integrante do júri daquele ano); e recebeu o troféu de Melhor Roteiro, em 2021, por Encontros. Ambos foram lançados no Brasil este ano.

Ainda sem data anunciada por aqui, O Filme da Escritora (So-Seol-Ga-Ui Yeong-Hwa), em seus ágeis 92 minutos, em preto e branco, acompanha as aventuras afetivas de uma escritora que, ao visitar uma livraria administrada por uma amiga mais jovem, com quem perdeu contato, trava uma relação com um diretor de cinema e sua esposa e, depois com uma atriz, a quem tenta convencer a fazer um filme.

Durante a passagem de Walk Up por San Sebastián, Sang-soo conversou com o Estadão sobre seu “método” de criação.

Qual é a sua fórmula para filmar tanto, tão rápido e em tão pouco tempo?

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Hong Sang-soo: Minha produtora é a minha companheira, Kim Min-hee, o que já garante que o processo de pensar um set fique mais próximo. Eu uso, no máximo, sete diárias por filmagem. Eu cuido da fotografia e da edição. O elenco é um grupo de atrizes e atores muito queridos que aceitam trabalhar comigo por uma ninharia. O custo que tenho com equipe se resume a ter um bom operador de áudio, para captar o som. Com isso, filmo barato.   

Mas nesse esquema quase doméstico, qual é a proposta estética que lhe move?

Hong Sang-soo: Seja lá o que signifique o ideal de “belo” que a Estética sugere, meu olhar é movido pela certeza de que uma imagem por expressar mais sentidos do que nossa percepção possa descrever. E é para isso que existe o cinema: para capturar momentos e transformá-los em imagens. No começo da minha carreira, eu buscava um distanciamento racional da vida. Hoje, qualquer coisa que me aconteceu ontem pode virar um diálogo na filmagem que rodarei hoje. Mas não significa que meu cinema seja autobiográfico. Não significa que eu replique a minha vida em meus personagens. A minha honestidade, como artista, processa-se na maneira como eu abro a minha intimidade, ou seja, a minha visão de mundo, e não os fatos da minha vida. E essa visão de mundo trabalha a partir do que eu ouço nas ruas. Quando fui fazer A Mulher Que Fugiu, percebi um galinheiro perto de uma das locações. Aquilo chamou minha atenção e entrou no filme. Não há um sentido causal para aquele galinheiro no filme. Existe apenas a percepção de que ele faz parte do mundo. E eu queria trazer o mundo pra cena.    

O senhor vem depurando cada vez mais a sua relação com a imagem a partir do preto e branco, mas sem abrir mão de fazer filmes em que a palavra é soberana. Fala-se muito em seus filmes, sempre. O que a palavra significa para o cinema? O que o P&B lhe oferece?

Hong Sang-soo: Cresci vendo clássicos do cinema e eles eram em P&B, então, filmar nesse registro me aproxima de filmes de que gosto. Mas a armadilha do preto e branco é não cair na tendência de empregar esse registro cromático como um indício de que seu longa-metragem é um “filme de arte”, algo intelectualizado, menos popular. Eu uso o P&B por reminiscências afetivas, não por pretensão. Sobre as palavras... Uma conversa é um rito social que revela muito sobre uma pessoa, sobretudo se você a observa num registro condensado, progressivo, ou seja, no tempo real daquele papo. Ali, as pessoas se revelam.

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Hong Sangsoo e sua mulher, a atriz e produtora Kim Minhee. Jens Koch - Berlinale Foto: Jens Koch - Berlinale

Mas há alguma relação consciente com a Literatura na maneira como o senhor escreve? O que o senhor lê e que entra de referência nos seus roteiros?

Hong Sang-soo: A chave de um roteiro é saber o quanto cada diálogo se ajusta ao perfil de seus personagens. Eu sou do tipo de leitor que consegue manter dez, às vezes 20 livros abertos, ao mesmo tempo, sobre a mesa, quando leio. Abro um; leio um trecho; guardo; tomo notas; fecho; passo ao livro seguinte. Daí, faço a mesma coisa. Às vezes, fisco algo que leio. E leio muito. Passei a ler com mais seriedade quando cheguei aos 20 anos. Passeei por Hemingway, Sartre, Dostoiévski, Nietrzsche. Alguns deles ficaram comigo.  

Mas e a relação com a cinéfila, entre esses livros todos? Como se deu sua formação?

Hong Sang-soo: Os filmes ditos “importantes” da História eu vi quando jovem. Depois, passei a ver a vida.

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