Impactante história de ‘Holocausto Brasileiro’ vira filme de ficção; conheça Ninguém Sai Vivo Daqui’

Livro de Daniela Arbex sobre o Hospital Colônia de Barbacena ganhou uma primeira adaptação ficcional por André Ristum na série ‘Colônia’. O filme que estreia agora nasceu da série e é mergulho ainda mais intenso na chocante história sobre saúde mental e exclusão

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Atualização:

Holocausto Brasileiro, livro em que Daniela Arbex conta como 60 mil pessoas pereceram no Hospital Colônia de Barbacena, provoca choque e horror desde seu lançamento em 2013. O livro reportagem vendeu cerca de 300 mil cópias, virou documentário, codirigido pela própria Daniela e Armando Mendz, e inspirou a série ficcional Colônia, de André Ristum, lançada em 2021. Agora, essa série vira filme - Ninguém Sai Vivo Daqui estreia nesta quinta-feira, 11.

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“Eu não imaginava e não idealizava que o livro iria tão longe. Holocausto Brasileiro foi um divisor de águas na minha carreira”, disse Daniela Arbex em entrevista ao Estadão. Após o sucesso, a jornalista escreveu, entre outros, Todo Dia a Mesma Noite, sobre o incêndio na boate Kiss, Arrastados, sobre a tragédia em Brumadinho, e Longe do Ninho, sobre o incêndio que vitimou dez atletas de base do Flamengo.

Para ela, a explicação para a permanência do livro é sua relevância. O Hospital Colônia, fundado em 1903, era uma instituição, em tese, para tratamento de doenças mentais, com utilização frequente de métodos cruéis, como exposição ao frio e eletrochoques.

“A saúde mental continua sendo um tema extremamente atual e urgente, porque, no Brasil, a saúde mental permanece em disputa”, disse. “O racismo continua sendo a base da lógica manicomial brasileira, então o tempo todo parece que não estamos falando de ontem, mas de hoje e talvez até do amanhã. Um dos principais papéis do jornalismo é construir a memória coletiva do Brasil para que estejamos sempre alertas sobre esses riscos permanentes de retrocesso. Quando esquecemos e negamos a história, repetimos os erros do passado.”

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Três versões - e contando

André Ristum só soube do Hospital Colônia de Barbacena graças ao trabalho de Daniela Arbex. Perguntou a pessoas próximas, e ninguém conhecia, a não ser quem tinha lido a obra. “Enxerguei ali uma história muito potente. Triste, dura, mas necessária de ser contada. Entendi que, por meio do audiovisual, poderíamos acessar outro público, mesmo que o livro tenha sido um best-seller, e somar olhares sobre esse tema.”

Com a ficção, era possível fazer uma releitura da obra e colocar o espectador dentro da instituição, na pele dos personagens criados por ele, inspirados pelo livro de Arbex.

O que mais chamou a sua atenção foi justamente a história dos indesejados sociais. “Mais de 70% das pessoas internadas no Colônia e em estruturas similares no Brasil não tinham nenhum diagnóstico psiquiátrico”, disse Ristum. “Eles eram indesejados de alguma maneira, excluídos da sociedade, que é algo que vemos se repetir na história do Brasil de várias maneiras, em diversas situações e contextos. Por exemplo, acaba a escravidão, joga os escravos na rua, cria uma favela que exclui. Então essa história me tocou muito e decidi contá-la por meio de arquétipos.”

Viviane Monteiro, Arlindo Lopes e Fernanda Marques em 'Ninguém Sai Vivo Daqui', inspirado em 'Holocausto Brasileiro'. Foto: Marina de Almeida Prado/Divulgação

A série Colônia mostra a chegada de Elisa (Fernanda Marques), uma jovem mandada pelo pai fazendeiro para o Colônia por ter engravidado do namorado, nos anos 1970. Lá, ela conhece outros internados à força que não têm nenhuma questão de saúde mental, como Valeska (Andreia Horta), amante do prefeito, Wanda (Rejane Faria), que chegou ao hospital em condições parecidas com as de Elisa, e Gilberto (Arlindo Lopes), enviado pela família por ser gay.

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Ninguém Sai Vivo Daqui é uma versão mais concentrada na história de Elisa. “Colônia é uma sequência de mergulhos até você ir para o fundo, enquanto o filme é um pulo só, lá da plataforma de 10 metros. Acaba sendo mais intenso”, disse André Ristum.

O diretor sentiu uma ligação pessoal com a história de mulheres como Elisa. “Antes de eu nascer, minha mãe também engravidou e foi obrigada a abortar, pois não era aceita a possibilidade de ela ter um filho sem estar casada. Encontrei na personagem Elisa um caminho para contar a história do Colônia.”

Daniela Arbex se emocionou ao falar do protagonismo feminino da história criada por André Ristum. “Ele não está falando só de Elisa, mas de todas nós.” A atriz Fernanda Marques, que interpreta Elisa, concordou. “Desde que o mundo é mundo as pessoas se sentem donas dos corpos das mulheres. Acho que este filme ainda vai ser atual por um bom tempo. Estamos caminhando a passos curtos, mas ainda está distante.”

Fernanda Marques é Elisa no filme 'Ninguém Sai Vivo Daqui', inspirado em 'Holocausto Brasileiro'. Foto: Marina de Almeida Prado/Divulgação

A conexão de André Ristum permanece. No próximo mês, ele começa as filmagens da segunda temporada de Colônia, com cinco episódios que misturam suspense, terror e ação e continuam contando a história de Elisa.

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A segunda temporada terá consultoria de Daniela Arbex. “A ficção provoca emoções e faz as pessoas pensarem em coisas que não tinham considerado antes”, disse a jornalista. “Quando o contexto é relevante, ele vai ser necessário em qualquer plataforma. Fico feliz de ter essa história contada para um número maior de pessoas.”

Para Arbex, é preciso seguir falando dos assuntos incômodos do passado levantados por Holocausto Brasileiro para discutir o presente, da violência contra a mulher à reinvenção do higienismo, com propostas de internação à força para combater abuso de álcool e outras drogas. “Precisa falar, relembrar, trazer esses temas sob novas formas e pensar em outro projeto de sociedade”, disse ela.

É justamente a vontade de André Ristum. “Meu objetivo principal era jogar uma sementinha. Se der para atingir cinco ou dez pessoas, fazendo com que elas modifiquem um pouco seu modo de pensar, tendo um olhar mais inclusivo e humano sobre a vida em sociedade, já é uma grande conquista.”

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