Indiana Jones e a Relíquia do Destino é o primeiro filme de Indiana Jones sem Steven Spielberg atrás das câmeras. Depois de anos de desenvolvimento, Spielberg e a Lucasfilm decidiram passar o bastão para James Mangold, o cineasta de Ford vs. Ferrari, que tinha 18 anos quando assistiu Os Caçadores da Arca Perdida em um cinema do Vale do Hudson no dia da estreia, em 1981.
O antigo diretor mal conseguia acreditar quando as luzes se acenderam após a exibição de estreia do filme no Festival de Cinema de Cannes, em maio deste ano. “Puxa”, Spielberg disse. “Achei que eu era o único que sabia como fazer esses filmes!”
Mangold estava sendo encarregado não apenas de restaurar o brilho de uma das franquias mais amadas do cinema após um quarto filme decepcionante em 2008, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, mas também de dar a Harrison Ford uma despedida comovente na última atuação como o personagem.
“Quando superei a hesitação inicial de só ficar dizendo ‘caramba, é um desafio gigante assumir o posto de Steven Spielberg’, ficou difícil resistir à oportunidade de colaborar e aprender e ter as ferramentas e os recursos para jogar neste nível”, disse Mangold.
Embora ninguém disesse na ocasião que A Relíquia do Destino esteja à altura de Os Caçadores da Arca Perdida, o consenso em Cannes foi que ele supera Caveira de Cristal por ampla margem. Mangold com certeza tem o aval de Ford.
“Ele cumpriu muito bem a missão”, disse Ford aos repórteres. “A meu ver, fez um belo filme”.
Ainda em Cannes, antes de A Relíquia do Destino estrear nos cinemas em 30 de junho, Mangold falou sobre os desafios de pegar a tradição de Indiana Jones e levá-la adiante. Depois de uma abertura ambientada na década de 1940 com um Ford rejuvenescido, o filme avança para os anos 60 e encontra um Jones velho e cansado, à beira da aposentadoria. A corrida espacial fez dele relíquia de uma época passada.
E a dúvida sobre quem Indiana – herói forjado na clareza moral da Segunda Guerra Mundial – seria em uma época mais complicada, sem a vivacidade da juventude, tomou o pensamento de Mangold em A Relíquia do Destino. As respostas foram levemente editadas para dar mais clareza e brevidade.
Como você reagiu quando pintou essa oportunidade?
Quando Harrison, Kathy (Kennedy) e Steven me procuraram... estamos falando aqui de heróis da minha vida. Jorge Lucas. John Willians também. É quase inacreditável a ideia de ser convidado não apenas para ver um jogo dessas estrelas, mas também para entrar em campo com a braçadeira de capitão. Aí pulamos para o momento em que assumo a cadeira do diretor, e é uma chance de levar adiante o que sinto que aprendi durante toda a minha vida com o trabalho de Steven. E ao mesmo tempo carregar minha própria voz, mas querendo muito trabalhar dentro do mesmo tipo de vernáculo da Era de Ouro em que ele está operando. É uma pressão, porque você não pode errar quando tem uma multidão inebriante de estrelas ao seu redor. Ou você está à altura da ocasião ou não está.
Você ficou surpreso ao saber que a vaga de emprego ainda estava aberta? Durante o longo desenvolvimento do filme, parecia que o próprio Spielberg iria dirigir.
Não acho que dirigir um filme de Indiana Jones seja um emprego. É um compromisso para a vida inteira. Tem muita coisa envolvida, muitas estrelas. Quando eles me procuraram, estavam muito focados em mim. A ideia era que eu pudesse reescrever o roteiro. E eu queria mesmo reformular o roteiro de um jeito meio agressivo, mudar quase tudo. Mas, quando eles me procuraram da primeira vez, foi um choque absoluto. Fiquei nas nuvens. Mas também não sou novo nesse negócio. Dentro de mim tem uma criança que sai pulando de alegria – é meu lado romântico. Mas também tem um adulto racional que sobreviveu na indústria até aqui e sabe como fazer um filme desses.
Muito do que define Indiana Jones é a engenhosidade da filmagem: as revelações inteligentes, as tramas inventivas.
São cartas de amor ao cinema da Era de Ouro. São filmes sobre personagens que precisam parecer de verdade, mas também filmes sobre o espetáculo de fazer filmes. A forma como as cenas se desenvolvem, a forma como as sequências são construídas, a forma como você vai tirando as camadas da cebola para fazer uma revelação. Todas essas coisas são inspiradas nos clássicos.
Você falou sobre o desejo de fazer o “crepúsculo do herói” em A Relíquia do Destino. Qual é a relação entre a idade e suas ideias para o filme?
Quando eles me procuraram, logo me veio a ideia de fazer um Indiana Jones com um herói na casa dos 70 anos. Não tem como evitar o fato de que o público vai pensar na idade de Harrison. As pessoas vão ver o homem que viam na infância, agora envelhecido. Não posso negar que isso vai ser um fator importante na cabeça do público.
Então, embora você comece com um Indiana envelhecido, você queria abraçar quem Ford é hoje, aos 80 anos de idade.
O filme fala exatamente daquilo que é inegável. Como é ser herói, ser fanfarrão, sarcástico, durão, destemido, mas também estar com medo? O que pensei, mesmo em relação a algumas das dificuldades que eles tiveram com Caveira de Cristal, foi que é muito desafiador carregar uma espécie de personagem da Era de Ouro para além da linha divisória após a chegada do modernismo. O otimismo e a clareza de propósito com que os personagens operavam nos anos 30 ou 40 não são o mesmo ambiente em que eles operavam nos anos 50, 60 e 70. A chegada do modernismo trouxe a realpolitik e uma espécie de falta de clareza sobre quem são os inimigos e quem são os heróis – o que trouxe um certo cinismo sobre os heróis fáceis. A ciência substituiu o misticismo, e estamos pousando na lua, com armas nucleares por todo lado.
Foi emocionante filmar a última cena de Ford como Indiana?
Fizemos seu último take e todo mundo aplaudiu e tomou champanhe. Foi muito emocionante. Mas passamos quase um ano juntos fazendo o filme. Para fazer um bom trabalho nesse tipo de filme, você não pode se afundar completamente nesse modo de pensar. Porque senão você se perde no simbolismo de cada momento. Indiana Jones é uma parte de Harrison, então, de certa forma, não acho que ele vá dizer adeus ao personagem, porque ele carrega o personagem. É muito parecido com quem ele é.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.