Para o diretor Walter Salles, Jia Zhang-ke (autor de obras como Plataforma, O Mundo, Em Busca da Vida, Um Toque de Pecado, etc.) é o cineasta mais importante da atualidade. Premiadíssimo em âmbito internacional, Jia apresenta agora um filme sobre o amor tempestuoso entre um mafioso, Bin (Fan Liao), e uma dançarina, Qiao (Thao Zhao). Para proteger o amante, ela aceita ir para a prisão em seu lugar.
Amor Até as Cinzas seria pelo enredo um drama amoroso, quase um melodrama, mas, à maneira da proposta geral do cineasta, também acompanha as transformações da China ao longo dos últimos anos. É, igualmente à sua maneira, uma obra profundamente feminista. A personagem Qiao domina a história de uma ponta a outra, e revela como é extraordinária essa atriz, Thao Zhao, com sua força serena em cena.
Ela é quem passa encarcerada cinco anos, acusada de porte ilegal de arma, e assume o crime para não comprometer Bing. Sua recompensa? Bem, isso o espectador verá. Assim como acompanhará toda a trajetória dessa mulher que não se rende jamais e tenta reencontrar caminho na vida sob as mais variadas formas s e usando de expedientes às vezes tão criativos quanto pouco ortodoxos.
Na luta pela sobrevivência em ambiente hostil, vale tudo. Ou quase tudo. Ainda mais para quem se origina de um meio um tanto marginal, designado no filme pela palavra “jianghu”, de difícil tradução. Designa esses grupos formados em torno de moral e leis próprias, cuja regra máxima é a lealdade entre seus membros. Código de honra, como nas máfias de várias tendências e latitudes.
Em meio a essa honra fluida, garantida pela violência dos mais fortes, Qiao busca reencontrar seu lugar no mundo. Como pano de fundo, vemos uma China em rápida mutação, na qual antigos valores são esquecidos ou reciclados aos novos tempos. O filme é articulado de maneira despojada, com ritmo e imagens de rara beleza. É quase inacreditável de tão bom.
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