THE WASHINGTON POST - Juliette Binoche já estava contratada há um ano e meio para o suntuoso filme de culinária francês O Sabor da Vida, enquanto vários atores desistiam do projeto, quando o diretor Tran Anh Hung lhe perguntou como ela se sentia sobre atuar ao lado de Benoît Magimel. Era uma pergunta preocupante, mas talvez cheia de esperança e cura.
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O filme é uma história de amor gastronômica e tranquila sobre uma cozinheira, Eugénie (Binoche), que há 20 anos prepara belas refeições para um gourmet, Dodin, e às vezes abre a porta de seu quarto para ele, mas sempre recusa suas propostas de casamento. Tran sabia que Magimel, um ator aclamado na França (vencedor de três prêmios César e também de melhor ator em Cannes em 2001 por A Professora de Piano, de Michael Haneke), seria perfeito para o papel, mas o artista de 49 anos e Binoche, de 59, tinham uma história conhecida e amarga.
Em 1999, Magimel e Binoche se conheceram interpretando os amantes e ícones literários George Sand e Alfred de Musset em Os Filhos do Século. O fato de se apaixonarem um pelo outro no set foi uma surpresa, mas duas semanas após o término das filmagens ele foi morar com ela. Eles viveram juntos por cinco anos e têm uma filha, Hana, de 24 anos, que também é atriz. No entanto, nos 20 anos que se seguiram à separação, eles se afastaram e não voltaram a atuar juntos.
“Nós conversamos. É claro que nos falamos. Temos uma filha. Mas não nos víamos muito”, diz Binoche em entrevista por Zoom, de Paris. “E eu gostaria que tivéssemos nos visto. Teria sido mais fácil, mas foi assim que aconteceu.”
Binoche havia dado a Tran (o diretor franco-vietnamita de O Cheiro do Papaia Verde e Entre a Inocência e o Crime) sua bênção para entrar em contato - sem seu Dodin, o filme estaria morto - pensando que Magimel certamente diria não. Para sua surpresa, ele concordou.
E então, um dia, eles se viram na cozinha de um chalé rural em Anjou, no oeste do Vale do Loire, que em 1889 estaria a mundos de distância da construção da Torre Eiffel em Paris naquele mesmo ano, vivendo a vida alternativa de um casal que eles poderiam ter sido, coabitando e trabalhando em harmonia ao longo de todos os anos que eles mesmos perderam.
“Eu estava com Benoît nessa cozinha, e, por dentro, eu estava rindo e sorrindo de alegria, de satisfação por finalmente podermos ficar no mesmo cômodo e isso é bom”, diz Binoche. “E podemos trabalhar juntos e até mesmo expressar sentimentos. Fiquei muito emocionada com isso. E fiquei ainda mais emocionada quando minha filha viu o filme. [Tínhamos] senso de humor, e isso não acontecia muito na vida. Então, finalmente, isso estava acontecendo no filme. É um absurdo.”
O Sabor da Vida
Se você já ouviu falar de O Sabor da Vida, que será lançado em 11 de abril, provavelmente foi no contexto do Oscar. De forma um tanto controversa, a França escolheu esse filme em vez de Anatomia de uma Queda para concorrer na categoria de melhor filme internacional, sua grande esperança de ganhar o prêmio pela primeira vez em 30 anos. No final das contas, O Sabor não foi selecionado nessa categoria única, enquanto Anatomia recebeu cinco indicações, incluindo melhor diretor e melhor filme.
Reduzir o filme a uma mera disputa por aclamação, no entanto, é negar a alquimia do que acontece na tela: a criação sensual de pratos franceses elaborados, que lembram o papel de Binoche em Chocolat e até mesmo a série The Bear, combinada com a eletricidade entre dois atores talentosos que conseguem evocar o amor e a intimidade do passado e torná-los palpáveis. Quando digo a Binoche que um amigo meu, um crítico, disse que é possível perceber que Magimel ainda está apaixonado por ela, ela ri.
Acho que existe amor porque penso que quando você ama alguém uma vez, você ama a pessoa para sempre, mesmo que haja tempestades, tormentas e ondas. O sentimento é profundo e vai além de viver ou estar junto. É algo mais profundo.
Juliette Binoche
Um filme sobre comida
A cena de abertura é uma sequência de 30 minutos quase sem palavras de Eugénie preparando um banquete extraordinário. Não há cortes entre o ato de criar e o produto final milagrosamente perfeito. E tudo está mergulhado no silêncio realista de uma cozinha em funcionamento. Não há trilha sonora; apenas os sons da manteiga chiando, do metal batendo no metal, da madeira crepitando no fogo.
“Decidi não fazer o que sempre vi em filmes sobre comida”, diz Tran em uma entrevista por telefone. “Por isso, cortei do filme tudo o que chamo de ‘cenas de beleza’ da comida. Quero tudo em movimento para que possamos ver os pratos sendo feitos pelos atores, seus corpos, suas mãos, seus rostos.”
Tran escreveu o roteiro com base no romance gastronômico La Vie et la Passion de Dodin-Bouffant, Gourmet, de Marcel Rouff, mas não sabia como filmá-lo até chegar ao set com seu consultor culinário, o chef três estrelas Pierre Gagnaire, que criou todas as receitas que vemos na tela. Depois que Gagnaire explicou que os pratos precisariam ser servidos de cinco a dez minutos após serem preparados, Tran optou por uma única câmera e movimentos altamente coreografados, como um balé.
Ao entrar nesse processo, tanto Binoche quanto Magimel eram cozinheiros amadores talentosos, e Gagnaire diz que Binoche lhe disse que era importante para ela fazer esse pequeno filme “para agradecer à nossa cultura francesa, ao campo, à horta e ao trabalho de cozinhar”.
Mas, apesar da insistência de Tran em dizer que precisavam de uma semana de ensaios, os atores lhe deram apenas meio dia. E foi um dia tenso, a primeira vez que eles tiveram uma interação significativa em décadas. (Magimel agora é casado com a roteirista Margot Pelletier. Binoche foi pedida em casamento três vezes, diz ela, mas somente no final dos relacionamentos, o que lhe pareceu uma bobagem. “Era apenas uma forma de me manter”, diz ela. “Por que perguntar no final? Por que não no início, quando tudo era tão maravilhoso?”
O fato de eles terem sido um casal há 20 anos foi um pouco assustador para mim, porque eu sabia que eles não se davam bem quando se separaram, então era bastante arriscado tê-los juntos.
Tran Anh Hung
O início foi difícil. Na primeira cena extensa, Eugénie está cozinhando para Dodin e seus amigos e precisa de mais ajuda na cozinha. Magimel se encarregou de todos os tipos de tarefas, mas Binoche disse que ele precisava fazer menos - caso contrário, o público não entenderia que Eugénie é a cozinheira de Dodin e que Dodin é o mestre dos pratos.
“E Benoît levou isso muito a sério. Eu pensei: ‘Esse filme vai ser um desastre!’”, diz Binoche. “Mas, na verdade, ele se derreteu. Começamos a comer uma omelete juntos na primeira cena e, no final do dia, pensei: ‘Vai dar tudo certo’”.
A maior parte da preparação e do cozimento dos pratos prontos foi feita pelo chef braço direito de Gagnaire há 40 anos, Michel Nave, que ficou fora do quadro dando instruções verbais aos atores para que fossem mais rápidos ou passassem para a próxima etapa. Em seguida, Tran retirou a voz de Nave da trilha sonora. O diretor contratou dublês de mão, mas nunca os usou porque Binoche e Magimel estavam muito ansiosos para fazer a montagem da comida por conta própria.
“Os atores comeram muito e gostaram bastante, porque quando eu dizia ‘corta’, eles continuavam comendo”, diz Tran. Eles até levavam as sobras para casa. Sua mulher, Nu Yên-Khê Tran, estava fazendo os figurinos, e ela sempre tinha que abrir as costuras porque todos continuavam ganhando peso - exceto Binoche, que perdeu peso porque estava se preparando para interpretar Coco Chanel em The New Look, que estreou em 14 de fevereiro no Apple TV +.
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Pelo menos enquanto estavam filmando, Binoche e Magimel chegaram a uma harmonia. O ato de fingir que estavam cozinhando juntos naquela cozinha aconchegante se tornou um canal para expressar tudo o que precisavam um para o outro. “Às vezes você acha que a vida está fazendo isso por você quando você não consegue fazer”, diz Binoche. “Para mim, foi muito parecido com isso. O filme estava permitindo que fôssemos capazes de ser humanos.”
O longa inteiro conduz à preparação de um único prato, o pot-au-feu, um ensopado de carne tipicamente francês, conhecido como um prato camponês e servido em casas de todo o país, com variações regionais. “É o bibimbap francês. É a pizza francesa”, diz Gagnaire.
No filme, é a maneira de Dodin expressar seu amor por Eugénie. Ver seus pais se reconciliarem e viverem uma vida juntos no filme foi avassalador para Hana, que se escondeu em um banheiro após assistir ao filme e depois chorou nos braços da mãe contando a ela sobre a experiência. “Ela ficou chocada com a quantidade de emoções que sentiu”, diz Binoche. Ela não esperava que fosse curativo.
As coisas entre Binoche e Magimel no mundo real, no entanto, não descongelaram de repente. “Não, tudo voltou ao que era antes!”, diz Binoche, rindo. “Não está nem um pouco ruim. É que nós não nos comunicamos. Então nos comunicamos quando fazemos entrevistas juntos. Isso é tudo. No momento, é assim que as coisas são.”
Ela parece esperar que isso seja apenas um interlúdio no caminho deles para um final melhor. “Tenho de aceitar que todo mundo é diferente”, diz ela. “Pelo menos temos esse filme. Ele é lindo. Estou feliz por isso.”
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Correções
A previsão de estreia no Brasil mudou. O filme deve chegar aos cinemas no dia 11 de abril, e não mais em 26 de fevereiro, como informado anteriormente
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