Lições e memórias de Morricone sobre quando o cinema vira música estão em documentário

Autor de trilhas memoráveis, ele é tema de ‘Ennio, o Maestro’, filme de Giuseppe Tornatore que entra em cartaz nesta quinta

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ESPECIAL PARA O ESTADO - Bernard Herrmann criou partituras para Orson Welles, mas é lembrado principalmente pela parceria com Alfred Hitchcock. Memoráveis exercícios de suspense do mestre não seriam tão angustiantes sem o acompanhamento musical do grande compositor. Da mesma forma, o trabalho conjunto de Nino Rota e Federico Fellini tende a ofuscar a parceria do músico com Luchino Visconti, incluindo a obra-prima Rocco e Seus Irmãos. E o que dizer de Ennio Morricone e Sergio Leone? As cavalgadas naquele Velho Oeste de mentira - foram filmadas em Almería, na Espanha - marcaram para sempre o imaginário dos cinéfilos e deram sua carta de nobreza ao spaghetti western. O cinema de Leone, a trilogia do Estranho Sem Nome, com Clint Eastwood, e Era Uma vez no Oeste, tem alguma coisa a ver com o tempo, e o tempo da música - de Morricone - deu-lhe sua grandiosidade.

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Tudo isso é verdade, mas não se podem subestimar as belíssimas partituras que Morricone criou para outro destacado diretor. Cinema Paradiso dificilmente seria tão pungente - as lembranças de Totó - sem aquela trilha. E o que dizer de Malena? Morricone não foi apenas “o” compositor preferido de Giuseppe Tornatore. Foram grandes amigos.

Tornatore escreveu um livro sobre suas conversas com o compositor, à maneira daquele que François Truffaut concebeu sobre o mestre do suspense. Ennio - O Maestro foi lançado em inglês pela HarperCollins. Tem, quase ao pé da capa, a palavra “conversazione”. Uma conversa inesquecível para quem ama o cinema.

Cena do documentário 'Ennio, o Maestro', sobre Ennio Morricone, dirigido por Giuseppe Tornatore. Foto: Piano B Produzioni

Documentário

Tornatore fez também um documentário que, nesta quinta, 29, estreia nos cinemas. O livro foi celebrado como unanimidade: “Uma grande lição de cinema, mas também uma lição de história”, diz um crítico. Mas Ennio, o Maestro, o filme, recebeu algumas críticas. Seria muito longo. Há controvérsia, porque Tornatore costura depoimentos - de grandes artistas e do próprio compositor - com as cenas de filmes.

Um dos mais animados é Quentin Tarantino e, por uma questão de temperamento, tende a ser exagerado. Morricone, vale lembrar, ganhou um Oscar especial e na sequência ganhou outro prêmio da Academia, dessa vez por um filme de Tarantino, Os Oito Odiados, de 2016. Ennio, o Maestro é atravessado pelo que Morricone diz a Tornatore no primeiro capítulo do livro. A inspiração não existe. Compor, por mais que se contem as histórias de Mozart menino, exige trabalho, dedicação.

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“Se existe um segredo na composição musical”, diz Morricone, “deve ser procurado no silêncio. Porque o silêncio é música. Cada som é apenas a pausa de um silêncio. Minha música parte disso, Peppuccio” - como Morricone, carinhosamente, chamava Tornatore. “Parte do silêncio e da minha admiração por dois gigantes, Johann Sebastian Bach e Igor Stravinski.”

Grande amor

A música estava no DNA. O pai, Mario, tocava trompete e trabalhava em diversas orquestras. Ennio tinha problemas com o instrumento e talvez com o próprio pai, um músico menor. Escreveu cerca de 400 partituras para cinema e TV, além de arranjos para canções de artistas como Gianni Morandi, e mais 100 peças clássicas. Fazia distinção entre a música de amor e a que chamava de absoluta, suas composições mais experimentais.

Seu grande amor, o livro e o filme testemunham, podia ser a música - em termos -, mas também era a mulher, Maria, com quem se casou em 1956. Permaneceram unidos até a morte dele, em 2020. Embora a mulher não reclamasse, ele achava que tinha passado mais tempo em estúdios do que com ela, em casa. E justamente o filho, em entrevista ao Estadão, disse que a pandemia dificultou a criação de um instituto com o nome do pai, mas preservar seu legado não é só uma questão familiar. É de Estado, pelo muito que Morricone representou da Itália para o mundo.

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