Quando Barack Obama fez uma referência ao tamanho do... público de Donald Trump durante seu discurso na Convenção Nacional Democrata na semana passada, ele trouxe as piadas obscenas para o centro do mainstream. Esse feito improvável deve muito a Adam Sandler, que vem se dedicando a essa arte pelo menos desde que escreveu uma rima suja no anuário do ensino médio de um colega de classe.
Hoje com 57 anos, Sandler ainda está na ativa e, a julgar por seu novo especial, Love You, não perdeu o ritmo. Antes de virar uma grande estrela, Sandler fez shows de comédia orgulhosamente sujos e adorados, cheios de esquetes irreverentes que falavam sobre temas tão diversos quanto urinadas extremamente longas. Esse novo especial às vezes parece um retorno àquela época. A idade, aliás, abre novos caminhos para o humor escatológico: você já pensou nas inúmeras implicações cômicas de como aplicar botox para remover as rugas de um pênis pode fazer com que um membro flácido seja confundido com um ereto? Adam Sandler já.
Love You começa com Sandler indo para seu show de stand-up – e tudo dá errado. O para-brisa do carro se quebra e ele precisa trocar de roupa no último segundo. Também acontecem problemas técnicos. Do carro até o corredor dos bastidores, nós o vemos, por meio de um trabalho de câmera frenético, ser bombardeado por pessoas fazendo exigências – algumas irritantes, outras perturbadoras, todas gerando cada vez mais ansiedade.
Se parece uma sequência de Joias Brutas, talvez seja porque o especial é dirigido por Josh Safdie, que, junto com seu irmão, Benny, criou esse drama agitado e chapado de cafeína, um marco da carreira de Sandler. Benny Safdie foi colaborar com Nathan Fielder na série The Curse para levar seu estilo de confusão de gêneros a direções mais complexas em termos de narrativa. Josh se dedicou a deixar sua marca na estética de outro astro da comédia.
O último especial de Sandler, 100% Fresh (2018), foi uma etapa fundamental na sua transformação de superstar de comédias infantiloides e rejeitadas pela crítica em éminence grise amada por toda parte. Não é que ele tenha amadurecido – isso destruiria sua comédia. Ele só permitiu que o sentimentalismo superasse o humor. Para isso, contou com a ajuda da família. Sua esposa (que aparece no final do novo especial) e suas filhas agora são tão frequentes no seu trabalho quanto Chris Rock, David Spade e seus velhos amigos do Saturday Night Live.
Love You mantém um pouco do mesmo sentimentalismo, especialmente na música final, uma ode triste à comédia que tem o leve brilho nostálgico de uma montagem do Oscar. Mas esse especial é mais grosseiro e menos cativante do que o anterior. Nem tudo bate muito forte, em parte porque se trata de um esforço que encantará os fãs mais hardcore de Sandler, aqueles que o acompanham desde antes dos aplausos da crítica. Safdie reduz a produção dos shows de arena – o uso de vídeo é moderado, mas eficaz – e se inclina para o Sandler mais esquisitão e complacente.
Sandler dá a seu amigo Rob Schneider uma participação especial desnecessária, fazendo uma imitação de Elvis (a versão suada de Las Vegas), cena que parece ter sido criada mais para desagradar do que para impressionar. As melhores partes do especial são suas longas e sinuosas histórias sujas, contadas com aquele murmúrio que lhe é peculiar. Tem uma ótima piada nojenta sobre um gênio no banheiro de um aeroporto que pertence ao gênero The Aristocrats de humor grosseiro.
As histórias de Sandler se arrastam e acabam tomando rumos malucos, muitas vezes parecendo se desviar só para chegar abruptamente ao ponto e sugerir ideias enganosamente inteligentes. Ele faz umas piadas rápidas – entre elas uma sobre pais que batem nos filhos com cinto: “Eu não bato nos meus filhos com cinto”, diz ele. “É porque uso calça de moletom”. Mas, na maior parte do tempo, seu especial é repleto de histórias e músicas, com uma variedade estonteante de estilos, inclusive uma música maravilhosa de faroeste espaguete com uma letra sobre suas arengas. É o mais próximo que chegamos (além da bronca num cara da equipe técnica) daquela explosão de raiva que é sua marca registrada e que, na maioria das vezes, permanece sob controle.
Em ângulos tortos e close-ups, Safdie filma Sandler assistindo ao desmoronamento de seu show. Um cachorro corre pelo palco. O vídeo não funciona. Sandler faz uma piada sobre sua própria fama e estatura, mas os efeitos visuais acabam com qualquer chance de aclamação do herói botando sombras das cabeças da plateia em primeiro plano. Ele está num palco acanhado, falando baixinho sobre coisas juvenis. Para um certo tipo de comédia, é tudo de que você precisa.
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Outros shows de stand-up para assistir
- Langston Kerman, Bad Poetry - Netflix (não disponível no Brasil)
Em seu excelente especial de estreia (ele lançou um stand-up mais curto no Comedy Central), Langston Kerman mostra o tipo de charme descontraído que talvez faça com que você o subestime. Ele transita com toda tranquilidade de falar da vida romântica de sua mãe a relembrar a crueldade com os alunos que ele vivenciou quando era professor – e isso pode fazer com que seu stand-up pareça meio desgovernado. Você também pode pensar que ele se beneficia de grandes histórias, como uma incrível sobre um homem com quem sua mãe se casou e que foi demitido do emprego de mascote da NBA. Mas suas histórias simples têm uma precisão e uma atenção aos detalhes que fazem com que elas funcionem como piadas. Suas preparações e arremates são sólidos, mas até mesmo suas transições trazem joias como: “Todos os nossos heróis são monstros e todos os nossos monstros têm podcasts”.
Ele se esforça bastante para evitar os clichês, o que não é tarefa fácil quando se trata de piadas de sogras. E tem muito material sobre a vida amorosa das mães, mas, de algum jeito, faz com que isso pareça saudável, confiando na sua personalidade de bom moço. Algumas pessoas vão se lembrar de John Mulaney, que dirigiu esse especial. O cenário aconchegante de Chicago faz com que o stand-up pareça um bate-papo numa sala de estar. Ambos os comediantes têm uma atuação confiante, um traço sorrateiro e uma afeição pela locução antiquada. Quando Kerman assume o controle do aplicativo de namoro de sua sogra e reproduz gravações de homens que deixam mensagens para ele, ele se detém. “Não, não”, diz, e depois faz uma correção: esses flertes bizarros são poéticos demais para serem chamados apenas de mensagens telefônicas. São verdadeiras “obras”.
- Hannah Berner, We Ride at Dawn - Netflix (não disponível no Brasil)
Numa parte sobre como os atiradores de escolas são quase sempre homens, Hannah Berner diz: “Quando um homem dá uma surtada, ele atira nos outros. Quando uma mulher dá uma surtada, ela faz uma franja”. Aí ela para um instante. “E isso é uma violência contra si mesma”. Berner transformou seu divertido especial de estreia num item fixo no Top 10 da Netflix por um motivo, e não é a originalidade do material. Ela faz piadas sobre príncipes da Disney como tipos de namorados e traz construções eternas como: “Eu fiz 30 anos... 29 meses atrás”. Ainda assim, Berner faz o que ela chama de “conversa de vestiário feminino” com charme e um carisma tipo topa-tudo. Depois de entrar no palco, ela se joga no chão e faz a dancinha da minhoca, depois tira sarro de si mesma por isso. Entre uma piada e outra, ela faz uma imitação da plateia que é ao mesmo tempo blasé e meio glamourosa. Seu trabalho com o público não parece seguir a moda, mas sim demonstrar uma extensão natural de seu prazer em divertir as pessoas. Embora seu material seja de moça solteira e atrevida, ela é casada. Mas resolve tudo isso dando uma piscadela e dizendo: “fora da personagem”.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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