Amigos desde o início da década de 1970, os atores Camilla Amado e Marco Nanini enfrentaram o período de isolamento obrigado pela covid-19 se exercitando em leituras de textos teatrais que faziam pela internet, cada um em sua casa. Como era incerta a volta presencial, a dupla decidiu, ao lado do produtor e diretor Fernando Libonati, filmar um dos espetáculos que prometiam encenar juntos depois de passada a pandemia: As Cadeiras, texto escrito em 1952 pelo romeno Eugène Ionesco. E é justamente o fruto dessa filmagem que estreia nesta quinta, 13, no Cine Petra Belas Artes.
Trata-se não apenas de um belo exemplo de resistência artística diante de uma adversidade, mas também de um tributo a Camilla, que morreu no ano passado, dias depois de encerrada a filmagem. “Nosso encontro era muito esperado e ela se entregou inteiramente ao papel”, conta Nanini. “Eu olhava para ela e a via em cena.” Sem Camilla, o ator não se sente mais disposto a montar uma encenação no palco. “Era um projeto nosso e, mesmo doente (ela lutava contra um câncer de pâncreas), Camilla foi a grande profissional de sempre.”
O filme, portanto, tornou-se um tributo à atriz. “Ela chegou a ver o longa praticamente pronto”, conta Libonati, que estreia na função de diretor depois de vasta experiência como produtor teatral, especialmente à frente da produtora fundada por ele e Nanini há mais de 30 anos, a Pequena Central. Foi sob seu comando que os dois atores filmaram durante dez dias em janeiro de 2021, seguindo as precauções sanitárias: equipe usando máscaras, elenco separado por paredes de plástico, tudo para evitar o contágio.
“Toda a concepção do projeto visou privilegiar o trabalho dos atores”, conta Libonati, que filmou as sequências sem praticamente fazer cortes, com as cenas na íntegra, como no teatro. No estúdio, as duas câmeras captavam as interpretações de Nanini e Camilla em 360 graus, registrando detalhes e também a força cênica do clássico texto.
“O resultado não é teatro filmado, mas uma experiência em que a linguagem cinematográfica se alimenta da atuação em um palco”, conta Nanini, que interpreta um idoso que, ao lado da mulher, vive isolado em farol localizado em uma ilha. Lá, enquanto aguardam a chegada de convidados imaginários, trocam inconfidências sobre as diversas frustrações que marcaram suas trajetórias.
Ionesco escreveu a peça poucos anos depois de encerrada a 2.ª Guerra Mundial, o que torna marcante no texto a constatação de um mundo em ruínas. “Vista agora, a peça se encaixa perfeitamente na nossa vida, em que tentamos reencontrar nossa rotina depois de uma pandemia devastadora”, observa Nanini, que recebeu a sugestão de montar As Cadeiras justamente de Camilla, em 2017.
“Estávamos ensaiando Ubu Rei e a ideia ficou guardada até que o isolamento nos convenceu de que era o momento de colocá-la em prática”, conta Libonati, que já prepara outros projetos no mesmo formato - Gerald Thomas, por exemplo, está escrevendo Traidor, previsto para o início do próximo ano, que terá versão para o teatro e também para o cinema. Haverá ainda a montagem de um texto de Brecht e outro projeto a ser conduzido por Guel Arraes. “Todos com uma visão econômica da cena, sem penduricalhos”, comenta ainda o diretor.
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