Para Hollywood, já não basta o medo do desconhecido no fundo do mar. Tubarões? É fichinha. Agora, chegou o momento de falar sobre o medo de piscinas. Essa é a proposta de Mergulho Noturno, curioso longa-metragem que estreia nos cinemas nesta quinta, 18 de janeiro, e que fala sobre uma piscina amaldiçoada de uma casa no subúrbio americano.
Ainda que a proposta possa causar certo estranhamento em um primeiro contato, a ideia de falar sobre o medo de uma piscina é criativa. Esse ambiente, que pode esconder perigos em vários espaços, ainda não foi explorado como deveria – de bate e pronto, dá para lembrar apenas do conto Tripas, de Chuck Palahniuk, que causa desespero genuíno.
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Piscina infantil
Aqui, a história se concentra em uma família, formada por pai (Wyatt Russell), mãe (Kerry Condon), filha (Amélie Hoeferle) e filho (Gavin Warren), que compra uma nova casa quando o pai é diagnosticado com esclerose múltipla. Ter uma piscina, eles acreditam, é uma forma do pai fazer hidroterapia em casa, enquanto as crianças podem se divertir naquele espaço.
O que não esperam, é claro, é que a piscina seja amaldiçoada. Por um lado, ela serve como um espaço de cura para o pai – as águas conseguem tratar rapidamente uma grave ferida na mão, por exemplo, enquanto a esclerose múltipla começa a regredir. Só que ela cobra um preço por isso e, enquanto o pai é curado, filhos e mãe passam a ver coisas na água.
“Lembrei como era ser criança”, disse o diretor estreante Bryce McGuire, para o site The Wrap, sobre a ideia do filme. “Era um medo irracional da piscina que todos tínhamos. Sabíamos que a piscina tinha apenas três metros de profundidade, mas, de alguma forma, parecia que tinha 30. Havia algo horrível nas profundezas abaixo de nós”.
Na primeira uma hora de filme, McGuire consegue justamente despertar essas memórias assustadoras no público. A câmera inventiva do cineasta passeia por vários lugares e espaços de uma piscina que dão medo: a borda, o ralo, o fundo, a prancha. O cineasta sabe como resgatar esses medos e colocar os personagens em situações bem extremas.
É um terror sobrenatural, sim, mas que flerta com coisas absolutamente reais. E é por isso que Mergulho Noturno é tão interessante em seus primeiros momentos. Wyatt Russell (estrela da série Monarch) também ajuda a colocar o longa-metragem em um outro nível dramático, brincando com essa pessoa que se vê dividida entre dois universos.
Stephen King na água
É uma base que lembra bastante a literatura de Stephen King, que consegue transformar qualquer coisa (cães, carros, hotéis, celulares) em um agente transformador do caos. Aqui, é uma piscina. O problema é quando o diretor e roteirista começa a tentar encontrar algo além da piscina, ao aprofundar a mitologia por trás daquela espécie de entidade no quintal.
“Eu sabia que queria que a piscina fosse a vilã. Mas também sabia que precisava haver mais do que apenas água assustadora. Tinha que ter algo ali que quisesse fazer mal a você. Isso exigiu um pouco de desenvolvimento, claro. Tipo, até onde você vai com isso? O que são essas coisas? E o que é isso?”, questiona ele, que começou tudo com um curta.
Neste ponto, Mergulho Noturno se afasta de Stephen King – que aceita a maldade como finalidade de qualquer coisa assombrada – para chegar mais perto de um terror convencional. Há água preta escorrendo do rosto de pessoas aleatórias, gente possuída, um passado desconcertante sobre a piscina… Tudo que já vimos por aí.
Mergulho Noturno, assim, seria muito mais interessante se McGuire tivesse se abraçado apenas na ideia inicial de uma piscina puramente demoníaca, brincando com nossos medos infantis. Ir além disso deixa tudo apenas estranhamente cômico.
Ainda assim, vale a tentativa. Afinal, em um cinema cada vez mais mergulhado em reboots dos mesmos vilões, assassinos e personagens, são refrescantes ideias como esta e como Feriado Sangrento, que tentam criar monstros para a geração mais nova que está descobrindo agora o cinema.
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