MovieTok: nova geração ganha dinheiro e público falando de filmes no TikTok sem ‘esnobismo’

Com resenhas que atingem públicos de milhões de pessoas e rendem dezenas de milhares de dólares, eles se dizem em ‘missão para combater o esnobismo cinematográfico’

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Por Reggie Ugwu

THE NEW YORK TIMES | Maddi Koch adora falar sobre filmes bons. Seus favoritos são thrillers pouco conhecidos, com poucas estrelas, mas com conceitos interessantes ou reviravoltas de enfiar as unhas no sofá.

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No TikTok, onde Koch tem 3 milhões de seguidores (e atende por Maddi Moo), sua resenha de Onde Está Segunda?, longa sobre um mundo distópico onde sete irmãs idênticas compartilham uma única identidade, atraiu mais de 24 milhões de visualizações. “Se eu morresse amanhã, assistiria hoje à noite”, disse ela.

Koch, que está no último ano da Virginia Tech e às vezes é paga por empresas cinematográficas para promover seus filmes, disse que faz vídeos para conectar as pessoas e poupá-las “daquela dor na hora de escolher um filme ou de não saber o que realmente querem”. (A maioria de seus vídeos, incluindo a crítica de Onde Está Segunda?, não são patrocinados). Quando indagada, ela se descreve como uma “garota aleatória” que adora filmes, uma “criadora de conteúdo” ou, claro, “influenciadora”.

Mas ela jamais usaria o título que parece o mais óbvio: “Crítica”.

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“Eu simplesmente não me vejo desse jeito”, disse ela.

Maddi Koch tem 3 milhões de seguidores no TikTok falando de filmes Foto: Madeline Gray/The New York Times

Koch, 22 anos, está entre dezenas de personalidades no TikTok, junto com colegas como Straw Hat Goofy e Cinema.Joe, que alcançam milhões de pessoas resenhando, analisando ou promovendo filmes. Vários ganham na plataforma bem o bastante – com postagens patrocinadas por estúdios de Hollywood (muitos interromperam o trabalho com os estúdios desde a greve dos atores), por meio de um dos programas de participação nos lucros do TikTok ou ambos – para fazer de sua paixão pelo cinema um trabalho de tempo integral, algo que parece cada vez mais raro em meio aos cortes em cargos de crítico de arte nas redações.

Mas a nova escola de crítica de cinema não se vê muito na antiga. E alguns princípios da profissão – como fazer julgamentos ou afirmações que vão além do gosto pessoal – agora são considerados antiquados e questionáveis.

“Quando você lê a crítica de um crítico, quase parece que foi um computador que a escreveu”, diz Cameron Kozak

Kozak tem 21 anos e se autodenomina um “comentarista de cinema” e tem 1,5 milhão de seguidores. “Mas, quando você tem alguém no TikTok que você assiste todos os dias e sabe do que aquela pessoa gosta, tem algo pessoal com que as pessoas podem se conectar”.

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No MovieTok – como a comunidade é conhecida – os usuários mais bem-sucedidos geralmente postam pelo menos uma vez por dia, com vídeos variando entre 30 e 90 segundos. Muitos tentam capturar a atenção do espectador nos primeiros três segundos (“Este filme é perfeito se você nunca mais quiser dormir”, começa a crítica de Koch do filme de terror Noites Brutais) e falam diretamente para a câmera, com capturas de tela do filme ao fundo.

Muitos criadores, a maioria na faixa dos 20 ou 30 anos, especializam-se em um nicho específico. Joe Aragon (Cinema.Joe, 931 mil seguidores) é conhecido por suas análises das próximas estreias; Monse Gutierrez (cvnela, 1,4 milhão de seguidores) e Bryan Lucious (stoney_tha_great, 387 mil seguidores) desmistificam e classificam os filmes de terror; Seth Mullan-Feroze (sethsfilmreviews, 256 mil seguidores) inclina-se para o cinema de arte e estrangeiro.

Ao contrário dos departamentos de cinema dos principais jornais metropolitanos ou das revistas nacionais, os criadores do MovieTok não querem resenhar todos os filmes dignos de nota. E embora a maioria expresse admiração pela compreensão da história do cinema dos críticos tradicionais, eles tendem a associar a profissão a uma autoridade falsa ou imerecida.

“Muitos de nós não confiamos nos críticos”, disse Lucious, 31 anos. Ele foi um dos muitos que mencionou o caso do site de agregação de resenhas Rotten Tomatoes, onde as pontuações dos “Principais Críticos” geralmente diferem bastante daquelas dos usuários casuais, como evidência de que o establishment crítico está fora da realidade. “Eles assistem aos filmes e só ficam procurando algo para criticar”, disse ele. “Os fãs assistem aos filmes em busca de entretenimento”.

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Como Truffaut e Godard

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Os criadores do MovieTok não são os primeiros na história da crítica cinematográfica a se rebelar contra os mais velhos. Na década de 1950, François Truffaut, Jean-Luc Godard e outros escritores da revista Cahiers du Cinéma repudiaram o nacionalismo da crítica francesa dominante.

Nas décadas de 1960 e 1970, a crítica nova-iorquina Pauline Kael atacou o moralismo associado a Bosley Crowther, crítico de cinema de longa data do New York Times, e outros. E os blogueiros de cinema da década de 2000 acusaram os críticos dos veículos impressos de indiferença ou hostilidade aos filmes de super-heróis e fantasia.

“Sempre existe esse rebaixamento dos chamados ‘outros’ críticos como meio elitistas e antiquados, ao mesmo tempo em que se apresentam como a nova vanguarda”, disse Mattias Frey, chefe do departamento de mídia, cultura e indústrias criativas da City University de Londres e autor de The Permanent Crisis of Film Criticism. Ele definiu a crítica, seja qual for seu nome, como “avaliação baseada na razão”, citando o filósofo Noël Carroll.

Juju Green, ex-redator publicitário de 31 anos, se vê numa “missão para combater o esnobismo cinematográfico”. Mais conhecido como Straw Hat Goofy, Green é o membro mais proeminente do MovieTok, com 3,4 milhões de seguidores e uma carreira paralela como correspondente e apresentador. Seu vídeo mais popular, no qual identifica easter eggs em filmes da Pixar, tem quase 29 milhões de visualizações.

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Há sete anos, Green iniciou um canal com temática de filmes no YouTube – que privilegia vídeos mais longos e mais produzidos – mas o abandonou após o nascimento do primeiro filho. No TikTok, ele descobriu que poderia atingir um público enorme com relativamente pouco esforço. Ele disse que um de seus primeiros vídeos na plataforma, uma postagem de janeiro de 2020 sobre a atuação de Tom Holland em Vingadores: Ultimato, recebeu mais de 200 mil visualizações em cerca de uma hora.

“Tive a sensação de que era isso que deveria fazer”, disse ele. Green largou o emprego como publicitário no ano passado.

Sem o salário de uma organização de notícias, os criadores do MovieTok ganham dinheiro fazendo parcerias com empresas de entretenimento. Uma postagem patrocinada promovendo um filme ou serviço de streaming pode valer entre US$ 1 mil e US$ 30 mil (entre R$ 4,8 mil e R$ 146 mil).

Entre os clientes de Green estão Disney, Paramount e Warner Bros. Em janeiro, a Universal pagou para que ele criasse uma postagem promovendo o filme M3GAN, que recebeu quase 7 milhões de visualizações – parte de uma campanha de marketing que ajudou o filme a arrecadar US$ 30,2 milhões nos Estados Unidos e Canadá no fim de semana de estreia, cerca de 30% a mais do que os analistas de bilheteria previam.

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Juju Green, conhecido como Straw Hat Goofy no TikTok Foto: Alex Welsh/The New York Times

É impossível, claro, estabelecer uma ligação direta entre os influenciadores do TikTok e a venda de ingressos. Mas há sinais de que o impacto pode ser considerável. Os executivos da Sony citaram as campanhas do MovieTok como uma das razões para o forte desempenho de Sobrenatural: A Porta Vermelha, que custou US$ 16 milhões para ser feito e arrecadou surpreendentes US$ 183 milhões em todo o mundo.

Conflito de interesses cinematográfico?

Receber dinheiro dos estúdios apresenta um óbvio conflito de interesses. Os criadores talvez relutem em falar mal dos produtos de uma empresa que os paga (ou poderia pagar). Embora as organizações de notícias tradicionais, incluindo o Times, vendam anúncios a estúdios de cinema, elas não permitem que críticos, repórteres ou editores aceitem compensações destes e geralmente separam as operações editoriais e comerciais.

Carrie Rickey, que foi crítica de cinema do Philadelphia Inquirer de 1986 a 2011, disse que se absteve de trabalhar muito próximo dos estúdios para evitar até mesmo a “aparência de algo impróprio”. “Isso prejudicaria minha reputação como escritora independente”, disse ela.

Muitos no MovieTok desenvolveram um código de ética ad hoc – aceitando pagamento apenas por anúncios de trailers ou recomendações gerais, por exemplo, em vez de críticas verdadeiras – mas reconhecem o problema do conflito de interesses.

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Megan Cruz, known as jstoobs on TikTok, at her home in Los Angeles, Aug. 1, 2023. On MovieTok, reviewers can reach an audience of millions and earn tens of thousands of dollars per post. “Critics,” they say, are old news. (Alex Welsh/The New York Times) 

“Sempre tento ser super transparente com meus espectadores”, disse Megan Cruz (jstoobs, 535 mil seguidores), ressaltando que tem o cuidado de identificar presentes e patrocínios em seus vídeos. “Existimos neste espaço intermediário e acho importante esclarecer sempre que ganhamos algum tipo de vantagem”. (Por lei, as recomendações pagas no TikTok devem ser rotuladas, mas os presentes, como caixas de brindes e viagens para eventos no tapete vermelho, nem sempre são divulgados).

Outra fonte de renda é o próprio TikTok. Desde 2020, a plataforma compartilha receitas com contas que atendem aos requisitos de elegibilidade. Gutierrez disse que, entre postagens patrocinadas e pagamentos do TikTok, ganhou até quatro vezes o salário de seu emprego anterior como professora substituta.

Depois que os atores de Hollywood entraram em greve em julho, muitos criadores pararam de trabalhar para os estúdios em solidariedade. O sindicato SAG-AFTRA emitiu diretrizes para influenciadores no mês passado, desencorajando-os de aceitar “qualquer novo trabalho para promoção de empresas atingidas ou de seu conteúdo”.

Green, que de início havia insinuado que continuaria trabalhando normalmente, depois recuou. Ele disse numa entrevista recente que recusou oito propostas para trabalhar com empresas e que continuaria a fazê-lo durante a greve.

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“Foi um erro que cometi e assumo totalmente”, disse ele.

A falta de trabalho em Hollywood fez com que muitos criadores se voltassem para outros assuntos, como filmes independentes e animes. Mas, com ou sem os estúdios, os entrevistados para esta reportagem disseram que sua obsessão pelos filmes iria prosseguir. “Gosto de chamar isso de paixão profissional”, disse Green.

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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