Em uma Nova York em choque, os teatros da Broadway reabriram em 13 de setembro de 2001, apenas dois dias após o maior atentado terrorista da história. Como em outras épocas de crise, os musicais ofereceram otimismo, distração, respiro. Vinte anos depois do 11 de Setembro que mudou o mundo, os musicais continuam trazendo horas de alegria, sonho, suspensão de descrença. No momento, não na Broadway, onde uma grande parte dos maiores shows, como Hamilton, Wicked, O Rei Leão, só volta a partir da terça-feira, 14, depois de 18 meses sem apresentações, por causa da covid-19. Mas no streaming e no cinema, a oferta tem sido grande – um alívio em mais um tempo de tanta obscuridade. Desde o início da pandemia, chegaram a versão gravada de Hamilton, a adaptação de In the Heights, com o título Em um Bairro de Nova York, e a animação A Jornada de Vivo, isso só para ficar no departamento Lin-Manuel Miranda. Na televisão, há o musical animado Central Park e a homenagem aos musicais do passado Schmigadoon!. E poucos dias atrás, entrou a Cinderela de Camila Cabello. Hoje chega ao Apple TV+ Come From Away, de Irene Sankoff e David Hein, para lembrar os 20 anos da queda das Torres Gêmeas. É uma versão filmada ao vivo do espetáculo, tendo como plateia sobreviventes do ataque e trabalhadores da linha de frente contra a covid-19. O show se baseia em uma história real daqueles dias de terror e caos. Quando ficou claro que os Estados Unidos estavam sob ataque, o espaço aéreo foi fechado. Todos os voos tiveram de pousar em algum lugar. A pequena Gander, na província canadense de Terra Nova e Labrador, recebeu 38 aeronaves, adicionando de repente quase 7 mil pessoas assustadas à população de cerca de 11 mil habitantes. Os 12 atores se revezam entre papéis de moradores locais e passageiros.
Hein explicou que ele e Sankoff tiveram muito cuidado ao escrever Come From Away, que teve seus primeiros workshops em 2012, porque estavam em Nova York naquele dia dos atentados. “Nós sempre dizemos que não queríamos fazer um musical sobre o 11 de Setembro, mas sobre o 12 de setembro”, disse ele em entrevista com participação do Estadão, por videoconferência. “Não trata da tragédia. É a história do que aconteceu em Terra Nova em resposta àquela tragédia. Fala de como as pessoas se uniram, como sua reação foi de generosidade.” Sankoff acrescentou: “Sempre temos a escolha de ajudar os outros em vez de reagir com medo e raiva”. Além desses musicais já disponíveis, há muitos outros que chegam em breve ao streaming e aos cinemas (veja texto nesta página). Claro que não dá para creditá-los à pandemia. Alguns projetos estavam em andamento havia anos, outros estavam prontos e foram adiados por causa do fechamento das salas. A verdade é que, bem antes da covid-19, os Estados Unidos – e o globo – estavam divididos, tumultuados, cheios de ódio. Como Josh Gad disse ao Estadão na época do lançamento da segunda temporada de Central Park, o mundo teve nos últimos tempos cinismo suficiente para múltiplas gerações. “As pessoas estão famintas de pureza e de algo que provoque sorrisos em vez de caretas”, afirmou. Billy Porter, que faz o Fado Madrinho em Cinderela, vai pela mesma linha. “Musicais trazem alegria”, disse ao Estadão. “E é disso que precisamos agora. Precisamos ser lembrados do que é a alegria.” Gad acha que estamos em uma era de ouro de musicais, que credita a peças como The Book of Mormon (2011), na qual, por acaso, ele atuou, e Hamilton (2015), claro. Ambas trouxeram jovens de volta à Broadway. Mas também não dá para ignorar o sucesso da Disney com Frozen (2013), de Jennifer Lee e Chris Buck, e que, por acaso, também tem Gad como uma das vozes originais. A popularidade fez com que os musicais se tornassem bacanas novamente, por mais que alguns ainda insistam em rejeitar o gênero. “Engraçado que ninguém tem problemas com a suspensão da descrença quando se trata de Star Wars ou do Batman”, disse Portman. “Para mim, os musicais sempre foram espaços do realismo mágico. E eles salvaram a minha vida.” Para a atriz Astrid Van Wieren, de Come From Away, o mundo está com as emoções à flor da pele. “E nada expressa melhor isso do que os musicais: quando você não consegue dizer o que pensa, canta.”
Spielberg e outros que vêm por aí
Nos próximos meses, vai ter mais musical do que filme de super-herói nos cinemas e no streaming. A maior prova de que o gênero está em alta novamente é que Steven Spielberg resolveu dirigir a sua versão de Amor, Sublime Amor, que estreou na Broadway em 1957 e nos cinemas em 1961. O filme chega em dezembro, um ano depois do previsto, por causa da pandemia. O francês Leos Carax, conhecido por obras desafiadoras como Holy Motors, lançou seu musical Annette, estrelado por Adam Driver e Marion Cotillard, no Festival de Cannes, em julho. O musical chega à Mubi em breve. Lin-Manuel Miranda continua a toda, assinando as músicas da animação Encanto, da Disney, e a direção da adaptação de tick… tick… BOOM!, da Netflix, ambos com estreia prevista para novembro. Everybody’s Talking About Jamie, peça sobre um adolescente com desejo de ser uma drag queen que estreou no West End em 2017, tem sua adaptação cinematográfica dirigida por Jonathan Butterell chegando dia 17 ao Amazon Prime Video. Ben Platt reprisa seu papel na Broadway em Querido Evan Hansen, de Stephen Chbosky, com Julianne Moore e Amy Adams no elenco. O lançamento nos cinemas está previsto para novembro. A versão filmada de Diana: O Musical, dirigida por Christopher Ashley (de Come From Away), vai poder ser vista na Netflix em outubro, antes mesmo do início de sua carreira na Broadway – o espetáculo tinha previsão de estreia para 31 de março de 2020, mas a covid-19 impediu. No ano que vem, tem mais, com a animação Sing 2, com direção de Garth Jennings, e uma versão de Cyrano, dirigida por Joe Wright e baseada no musical de Erica Schmidt. O filme tem Peter Dinklage no papel-título, além de Kelvin Harrison Jr. e Haley Bennett como Christian e Roxanne, respectivamente.
Documentários lembram os atentados
A leveza de Come From Away é uma exceção no tributo aos 20 anos dos ataques terroristas. A maioria dos canais e plataformas de streaming apostou mesmo nos documentários. Só o History, que já produziu mais de 70 horas de programação sobre o tema nessas duas décadas, vem com cinco novidades. Hoje, às 20h15 e às 22h, respectivamente, o canal exibe 11/9: Teorias da Conspiração e 11/9: Os Quatro Voos Fatais. Amanhã, às 19h45, passa 11/9: Ataque ao Pentágono. Às 20h40, é a vez de World Trade Center: Antes e Depois da Queda. E, às 22h20, o History apresenta Caçada a Bin Laden: A Missão Revelada, que teve acesso aos arquivos do Museu do 11 de Setembro e conta com entrevistas de Barack Obama e Hillary Clinton. “Vivemos em um mundo em que as teorias da conspiração surgem cada vez com mais frequência, seja sobre o 11 de Setembro ou a covid”, disse Clifford Chanin, vice-presidente executivo do Museu do 11 de Setembro e produtor deste último programa, em entrevista por videoconferência. “Então cabe a todos nós contar as histórias de forma correta para realmente mostrar o que aconteceu, especialmente aos jovens.” O Apple TV+ reconstrói praticamente passo a passo as reações do governo ao atentado em 11 de Setembro: No Gabinete de Crise do Presidente, de Adam Wishart, que entrevistou George W. Bush e seus assessores mais próximos. A Netflix apresenta Ponto de Virada: 11/9 e a Guerra contra o Terror, que volta ao início da Al-Qaeda nos anos 1980, fala dos ataques e da consequente guerra ao terror, em cinco capítulos. O serviço de streaming também lançou Quanto Vale?, um drama com Michael Keaton no papel de um advogado que luta pelas vítimas. A série Retratos de uma Guerra Sem Fim, que estará disponível a partir de amanhã no Globoplay, com exibição do primeiro episódio no domingo, 12, às 23h, na GloboNews, traz uma perspectiva brasileira. O repórter Marcos Uchôa, que fez coberturas no Paquistão, Iraque, Irã, na Síria e no Líbano, mostra as consequências do atentado às Torres Gêmeas e ao Pentágono em quatro episódios. Para Richard Eichen, um dos únicos sobreviventes do 90.º andar da Torre Norte, que dá seu depoimento em World Trade Center: Antes e Depois da Queda, falar do assunto é fundamental, por mais que seja dolorido. “É muito difícil compreender um evento ainda tão recente de uma perspectiva completa. Creio que quanto mais dados coletarmos hoje, mais os historiadores do futuro vão poder chegar a melhores conclusões.”