É no mínimo estranha a estreia de Não Fale o Mal, suspense que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 12. Afinal, o longa-metragem é mais um caso de remake americano de um “filme estrangeiro”, mas com um ingrediente a mais: a pressa. O novo filme chega às telas apenas dois anos após o original, Speak no Evil, uma produção dinamarquesa que fez um sucesso considerável no circuito de festivais e, depois, não conseguiu boa distribuição.
A boa surpresa, porém, é que Não Fale o Mal não apenas é bom, como também é melhor do que o original. Caso raro dessas refilmagens americanas, que geralmente chovem no molhado – dá para lembrar apenas de Os Homens que Não Amavam as Mulheres em uma lista.
O fato é que o diretor James Watkins (Sem Saída, Atentado em Paris) faz o que o diretor do original, Christian Tafdrup, não fez: abraça o suspense sem qualquer vergonha.
A trama, claro, continua bem parecida com a original: uma família americana (Scoot McNairy, Mackenzie Davis e Alix West Lefler) é convidada a passar uma temporada na casa de uma família britânica (James McAvoy, Aisling Franciosi e Dan Hough) que conheceram em uma viagem na Itália. Só que, obviamente, as coisas começam a ficar bem estranhas.
Diferenças
Enquanto Speak no Evil fala de diferenças culturais entre famílias de dois países distintos, mais especificamente holandeses e dinamarqueses, este novo longa deixa isso de lado. Em vez de apostas nas diferenças entre americanos e britânicos, Watkins faz um roteiro mais preocupado em criar terror com diferenças comportamentais.
O personagem de McAvoy, por exemplo, é um brutamontes que não liga pra nada: é grosseiro, não trata bem o filho, é engraçadão. Ao contrário de McNairy, mais amedrontado e seguindo os passos da mulher.
É nessa dinâmica que Watkins tece seus comentários e faz com que o suspense chegue aos poucos. Speak no Evil, o original, aposta num estranhamento típico do cinema (e do comportamento) nórdico. Aqui, na explosão de McAvoy, há muito mais faíscas surgindo a partir dessas arestas comportamentais. Aliás, algumas mudanças no filme dizem muito sobre isso: no lugar de sexo, brigas; no lugar de crianças quietas, outras mais comunicativas.
Essa construção acaba criando um cenário mais intenso, mais propositivo. Você, como espectador, fica engajado no que está sendo contado e, quando o clímax chega, impossível não se preocupar com esses personagens que aprendemos a gostar, ao contrário dos protagonistas do filme original, menos “gostáveis”, muito por conta dessa frieza nórdica.
Final mais esquemático, mas ainda inteligente
Enquanto boa parte do filme se assemelha muito com o dinamarquês, o final é como água e vinho. O original aposta na violência desenfreada, em um mundo sem esperança, e não se importa com coisas como classificação indicativa – algo importante em Hollywood, na busca por fazer mais bilheteria. Já o remake tem a cara dos Estados Unidos, sendo mais pudico e muito mais comportado. Mesmo assim, não dá para dizer que o final original é melhor.
Em seus últimos 20 ou 30 minutos, Não Fale o Mal dá umas cutucadas no longa-metragem original. Watkins muda bruscamente o que quer contar e passa a mostrar, com ações e decisões simples, como os protagonistas dinamarqueses foram burros em suas escolhas – há uma falta de senso de sobrevivência. Aqui, os americanos são mais ariscos, com mais vontade de sobreviver, caindo em menos decisões estúpidas típicas de filmes de suspense. É como um filme-resposta.
Esse final mais espirituoso, além de atuações muito boas do quarteto principal, com destaque para McAvoy e Mackenzie Davis, faz com que Não Fale o Mal seja uma boa surpresa em um mundo dominado por refilmagens desnecessárias, bobas, fracas. Aqui, o diretor James Watkins tem algo a dizer a partir da proposta original, ampliando o escopo.
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