No sábado, 10, o Festival do Rio realizou a feijoada, que é, tradicionalmente, seu maior evento ‘social’. Havia gente demais no Pavilhão do evento, que este ano foi na antiga sede da UNE, União Nacional dos Estudantes, no Flamengo. Atores, diretores, técnicos, imprensa. Estava todo o mundo lá. O repórter nem teve tempo de digerir a feijoada e já estava vendo Não É Um Filme Caseiro. Quando o festival anunciou a seleção, ninguém poderia imaginar que a exibição terminaria sendo uma homenagem póstuma à diretora Chantal Akerman, que se matou na segunda-feira, 5. Há um culto a Chantal. Seu cinema minimalista e experimental, alguma coisa entre Robert Bresson e Jean-Luc Godard, fascina os arautos de um cinema autoral e radical. Chantal já pensava na própria morte? O filme é sobre a artista e sua mãe, uma judia que sobreviveu ao Holocausto. Falam sobre arte, vida, gênero, identidade.
Chantal subverte todos os parâmetros de tempo. Na abertura, a câmera fica intermináveis minutos parada numa árvore agitada pelo vento. Filma paisagens áridas. Na maior parte do tempo, conversa, dentro de casa, com a mãe. A câmera coloca-se a uma razoável distância. Nunca próxima. Essa distância – da câmera do objeto filmado – dá a tônica do cinema de Chantal. Lá pelas tantas, some todo mundo. A mãe, ela. A casa é filmada silenciosa, vazia. Impossível não ver aí algo como um testamento. Na sequência, no Lagoon, o festival estendeu o tapete vermelho para duas das obras mais aguardadas da Première Brasil, a mostra competitiva do cinema brasileiro. Vinícius Coimbra está longe de ser uma unanimidade. Há um culto ao Augusto Matraga dos anos 1960, de Roberto Santos.
Comparativamente, a versão de Coimbra, em cartaz nos cinemas – quatro anos depois de vencer o Festival do Rio de 2011 –, tem sido descartada como estética publicitária. Como diria Macunaíma – o filme de Joaquim Pedro de Andrade passa nesta segunda-feira, 12, no Canal Brasil –, “ai, que cansaço”.
Na apresentação de A Floresta Que Se Move, sua adaptação de Macbeth, Vinícius Coimbra disse que fez Matraga por altruísmo, porque ama o conto de Guimarães Rosa e o filme de Roberto Santos, e queria chamar a atenção para ambos. Seu Macbeth, ele o fez por egoísmo, para realizar um sonho, o corpo a corpo com o texto do bardo, que transpõe para o meio financeiro, no Brasil atual. A estética do filme é clean – alguém dirá que é publicitária. Não é. O filme é poderoso. Shakespeare está lá, reformulado e reinventado. Ana Paula Arósio é imperial, mas quando ela não é?
Ruy Guerra mostrou outra adaptação, a de Quase Memória, de Carlos Heitor Cony. Cinema de invenção, muito bonito, muito bem dirigido. O fotógrafo, Pablo Baião, é o mesmo de Floresta. Ruy também se definiu como egoísta. Filma porque ama o cinema, porque não pode nem quer parar. Disse ao público que não se preocupasse em ‘entender’. Que sentisse. Um pouco mais de leveza teria tornado o filme perfeito. Imperfeições à parte, foi uma bela noite de cinema no Lagoon.
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