The Washington Post - Quando pessoas famosas como Gwyneth Paltrow precisam ir a julgamento, uma das muitas escolhas cruciais que elas enfrentam é como se vestir. Será que devem trazer consigo a aura de sua fama descomunal? Ou será que devem se recolher para dentro de personalidades comuns?
Surgir com o estilo da entidade conhecida do público pode reafirmar poder – mas traz o risco de parecer absurdo quando visto sob luzes fluorescentes nada lisonjeiras, ao lado de advogados, juízes e funcionários do tribunal em seus uniformes de trabalho diários. Assumir uma aparência mais prosaica, reduzida e apropriada para o cenário, por outro lado, pode comunicar seriedade – mas também pode lembrar aos jurados e outros observadores, talvez inconvenientemente, que as megacelebridades são, no fim das contas, humanos frágeis e falíveis como todos os outros.
Esta semana, Gwyneth Paltrow, atriz e fundadora do Goop, compareceu a um tribunal de Utah, onde é acusada de colidir com um outro esquiador, o optometrista aposentado Terry Sanderson, de 76 anos, enquanto estava de férias em Park City no ano de 2016. Sanderson alega que Paltrow fugiu depois e que a colisão o deixou com costelas quebradas e danos cerebrais permanentes. Depois de pedir US$ 3 milhões, Sanderson agora está processando Paltrow por 300 mil. Paltrow, por sua vez, está processando Sanderson por US$ 1 e o custo de seus honorários advocatícios, alegando que na verdade foi Sanderson quem colidiu com ela.
Em defesa de Paltrow está a crença de que o processo de Sanderson visa explorar a riqueza e a celebridade de Paltrow, e esta semana, as escolhas de estilo de Paltrow parecem ter apontado silenciosamente para esse sentimento. Com joias de ouro luxuosas em looks tradicionais de negócios, como ternos, cardigãs e suéteres de gola alta, o cabelo solto e a maquiagem modesta, Paltrow efetivamente conciliou recato e glamour. Ela mandou ao mesmo tempo duas mensagens que poderiam muito bem estar em desacordo: “Olha, sou apenas uma mãe que tentou levar os filhos adolescentes para esquiar nas férias” e “Sim, sou rica e famosa e não deveria estar perdendo meu tempo com isto”.
Você não precisa ter Billy Flynn como advogado para saber que, quando está no banco dos réus, tem de passar a impressão de que não poderia ter cometido o ato em questão. Muitos réus famosos buscaram respeitabilidade, maturidade, inocência de olhos arregalados ou até mesmo decrepitude em seus dias no tribunal.
Outros casos
Em 2005, Lil’ Kim deixou de lado os conjuntos coloridos e chamativos pelos quais era famosa e preferiu uma blusa branca engomada, maquiagem convencional e um terno bege com listras sutis – executiva chique – para comparecer a um tribunal federal sob a acusação de perjúrio relacionado a um tiroteio perto de uma estação de rádio de Nova York.
Quando Winona Ryder estava sendo julgada por acusações de furto em 2002, Robin Givhan, do Washington Post, notou suas tiaras femininas e suas elegantes saias e vestidos na altura do joelho – mas se perguntou depois que Ryder foi condenada: “Será que sentiram nela uma tentativa de manipular as opiniões usando o guarda-roupa tão habilidosa que acabou saindo pela culatra?”
Mais recentemente, Harvey Weinstein chegou para o julgamento de 2020 em Nova York com a barba por fazer e apoiado em um andador ortopédico com bolas de tênis afixadas nos pés. “O decrépito Weinstein, com o corpo curvado se arrastando lentamente”, observou Jasmine E. Harris, do New York Times, “contrasta com sua imagem de poderoso executivo de Hollywood agora acusado de estupro e agressão sexual”.
Johnny Depp e Amber Heard, no tribunal no ano passado processando um ao outro por difamação, usaram ternos discretos e elegantes, penteados cuidadosos, enquanto trocavam alegações de abusos de drogas e embriaguez.
As roupas de Gwyneth Paltrow
Até agora, as seleções de guarda-roupa de Paltrow enfatizaram que ela é, de fato, alguém que esquia e pode se envolver em um acidente ocasional; em particular, o aconchegante suéter branco de gola alta e os óculos de aviador que ela usou na terça-feira invocavam a moda ski dos anos 80 em toda a sua glória, como retratado no filme Casa Gucci, de 2021.
Mas outras decisões de estilo de Paltrow pareciam mais deliberadamente calibradas para o momento. Na terça-feira, dia da abertura do julgamento, e novamente na quarta-feira (quando ela usou um cardigã com cinto), Paltrow recorreu à longa tradição de senhoras famosas vestindo branco para aparecer como rés – a cor dos cordeiros, dos lírios, da neve, das pombas e de outros símbolos notáveis de paz, pureza e inocência – como Ryder, Cardi B e Naomi Campbell antes dela.
As silhuetas suaves e gentis de Paltrow também apresentaram um contraste sutil com a alegação de que ela havia colidido com outro esquiador e depois fugido.
Na quinta-feira, Paltrow vestiu um terno cinza de aparência relaxada sobre uma camisa fina de gola redonda da mesma cor.
Sexta-feira, quando Paltrow se sentou para ouvir o depoimento de uma testemunha em uma blusa de colarinho escuro de mangas compridas, lábios franzidos e maçãs do rosto salientes, ela parecia amigável e nada ameaçadora – e também levemente irritada por perder uma reunião da equipe Goop, ou uma reserva de almoço vegano, ou um banho de som cristalino.
Ela também estaria bem vestida para tudo isso, pode-se notar. Como se esse comparecimento ao tribunal estivesse sendo espremido, gentilmente, entre outros compromissos.
Quando Paltrow assumiu a palavra na tarde de sexta-feira, sua disposição serena foi pontuada por sorrisos ocasionais e benevolentes e goles de uma garrafa de vidro verde Mountain Valley Spring Water. Escutando com atenção e falando com cuidado, mas às vezes olhando para seu interlocutor com a mesma expressão de uma mãe ouvindo uma mentira descarada do filho de 8 anos, Paltrow transmitiu com seu rosto e voz o que já havia transmitido com suas roupas: respeito e conformidade, mas apenas na medida do necessário. Como se estivesse ansiosa para resolver logo todo esse aborrecimento e voltar para as tarefas do dia. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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