François Ozon não se acha - ele sabe que é um dos mais originais, talentosos e prolíficos autores do cinemas francês contemporâneo. Como Woody Allen, ele acostumou seu público a uma impressionante regularidade, lançando um filme por ano, todos os anos, há bastante tempo. Só que, ao contrário de Woody Allen, que faz sempre o mesmo filme - com variações -, Ozon gosta de mudar. Subverte gêneros e, para seu prazer e o dos cinéfilos, gosta de fazer cada filme contra o anterior. A entrevista era para falar de Frantz, que integrou o Festival Varilux e estreou na quinta, 22, mas terminou sendo também sobre L’Amant Double, que integrou a competição do Festival de Cannes, em maio. L’Amant Double é um thriller psicanalítico que desconcertou a plateia de Cannes por suas cenas de sexo. Uma mulher se envolve com seu psicanalista, descobre que ele tem um irmão gêmeo - e libera com o outro suas fantasias sexuais. No limite, essa mulher é consumida por um mal-estar interior que irrompe brutalmente, transformando o suspense em gran guignol. O diretor quis fazer o seu (Alfred) Hitchcock? “Não, mon ami, só sei fazer François Ozon.” Frantz, pelo contrário, é um filme casto. Nem um beijinho. Mas é engano pensar que Ozon desistiu da ambivalência. A própria presença de Pierre Niney, que fez Saint Laurent - e ganhou o César, o Oscar francês, pelo papel - potencializa essa ambivalência. “Queria muito fazer um filme sobre segredos e mentiras. Um amigo me sugeriu a peça de Maurice Rostand. Achei-a muito interessante. Esse homem, um francês, que vai depositar flores no túmulo de um soldado alemão. Comecei a pensar no filme que poderia fazer quando descobri que a peça já havia sido filmada por Ernst Lubitsch nos anos 1930. Pensei em desistir - imagine, refilmar Lubitsch! Tive de mover céus e fundos, mas consegui ver o filme e é muito diferente do que queria fazer. Após a Grande Guerra, havia uma onda pacifista. Ninguém acreditava que outra guerra fosse possível e o filme de Lubitsch reflete esse otimismo. Minha perspectiva é de hoje, e por isso inverto o foco. Lubitsch via o filme dele do ângulo do francês. Eu vejo pelo olhar dos derrotados.” A namorada do soldado alemão, os pais do cara, que tentam entender quem é esse estrangeiro. Sua presença provoca animosidade. “Não quis fazer o filme político, mas ele virou. Houve esse fluxo à direita, (Donald) Trump, o Brexit. Desde Veneza (o filme concorreu no ano passado), todo mundo usa Frantz para debater os nacionalismos.” O fato de o filme ser casto não tem inibido a discussão sexual. Pierre Niney, que nunca esteve melhor, é um ator afetado, quase feminino. “Sei bem aonde você vai chegar. Flores no túmulo do outro, segredos, mentiras. Sei bem que, num filme meu, todo mundo espera por homossexualidade, ou pelo menos ambivalência. O personagem mora com a mãe, prefere a amiga. Rostand (o autor) também morou a vida toda com a mãe. A suspeita justifica-se, não?” Ozon diz que, à sua maneira, fez um filme otimista - sobre o despertar de uma mulher. “Minha personagem (interpretada por Paula Beer, premiada em Veneza) evolui nessa história toda e, no final, talvez esteja recomeçando. Pelo menos assim acredito.” Mas o tom é sombrio. O quadro do suicídio contribui para isso. No original, é obra de um impressionista, um homem dormindo. “Mudei porque ficava muito romântico. Estava de acordo com o filme antigo, não com a minha perspectiva contemporânea.” Diretor explica que não quis fazer um filme político, mas a própria realidade lhe deu essa atualidade
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