‘O Auto da Compadecida 2′: Virgínia Cavendish fala sobre Rosinha, sua ‘Simone de Beauvoir do sertão’

Atriz, que prepara ainda documentário sobre artistas veteranas, discute sua personagem no cinema, sua carreira e ainda afirma que se sente como uma ‘boneca guardada dentro de um baú’ quando termina de encenar um filme ou peça; veja vídeo

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Foto do author Paula Bonelli

A atriz Virgínia Cavendish, de 54 anos, encara a sua personagem Rosinha, de O Auto da Compadecida 2, em cartaz no cinema, como uma evolução mais alegre e moderna em relação ao primeiro filme. Não que a Rosinha original, que interpretou há 20 anos, fosse uma mocinha passiva, mas agora ela é uma caminhoneira, dona de seu trabalho e que corre atrás dos seus desejos mesmo apaixonada por Chicó (Selton Mello) e em meio às confusões com João Grilo (Matheus Nachtergaele) no sertão brasileiro.

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“O caminho que a Rosinha do filme dois tomou é muito condizente com o primeiro, mas mais radical de uma certa forma. O Guel Arraes (diretor do filme) fala que a Rosinha é a Simone de Beauvoir do sertão. Então, a sua estrutura emocional não depende de um par romântico”, conta.

“Ela estava com o Chicó, mas teve outras relações amorosas, provavelmente; ela insinua isso no filme. Na década de 50, as mulheres ficavam em casa esperando o marido chegar, mal iam para a universidade, não podiam fazer muita coisa. Éramos bem prisioneiras, e é muito triste porque é tão recente”, acrescenta ela, lembrando que Rosinha não é uma personagem original do popular texto de Ariano Suassuna.

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Virgínia Cavendish na pele da personagem Rosinha.  Foto: Laura Campanella/Divulgação

Virgínia pontua que, nas comédias românticas, o único interesse das mocinhas é casar com alguém e ser feliz para sempre, enquanto sua Rosinha é diferente: “Ela precisa de muitas outras coisas para se realizar como sujeito, além do amor romântico. Então, é uma boa mensagem para as mulheres contemporâneas de hoje em dia e para quem ainda não acordou.”

Sobre a relação artística com o diretor do filme, seu ex-marido Guel Arraes, com quem compartilha uma filha, a também atriz Luisa Arraes, ela diz: “A gente trabalha muito bem junto. É um respeito, entendimento e uma confiança mútua muito boa, grande e bonita.”

A continuação de O Auto da Compadecida já levou 2 milhões de pessoas ao cinema desde sua estreia em 25 de dezembro, o que a atriz atribui ao boca a boca e ao fato de o primeiro filme ser amplamente conhecido, mesmo 20 anos após seu lançamento.

O feito é celebrado por ela diante dos desafios de levar temas regionais e clássicos da literatura brasileira para a tela do cinema: “É muito difícil o público ir assistir ao cinema brasileiro. Infelizmente, de 100% da bilheteria paga no Brasil, quando o ano é muito bom, apenas 13% dos pagantes vão ver filme brasileiro. O resto assiste a filmes estrangeiros, americanos.”

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Virgínia começou sua extensa carreira no teatro no Recife e fez peças de Hamilton Vaz Pereira e João Falcão, além de novelas como A Cor do Pecado e Caminhos da Índia, e filmes como Lisbela e o Prisioneiro. Recentemente, esteve nos palcos com Mary Stuart e atuou na série Da Ponte Pra Lá, da plataforma de streaming Max.

Ao comentar sobre a importância de o público ver as produções nacionais, ela insiste: “O Auto da Compadecida e Ainda Estou Aqui estão abrindo portas para que mais filmes brasileiros sejam vistos. É um longo caminho que temos pela frente. Aconteceu isso com a Fernanda Torres agora, com o Globo de Ouro. Parecia que era uma final de Copa do Mundo. Está todo mundo muito feliz. É a vitória de todo brasileiro, porque a cultura representa um país”.

Sempre me dá um pouco de depressão, porque minha vida não tem tanta graça quanto as vidas dos meus personagens

Seu mantra, na carreira e para os jovens, diz: “Tem que ter vocação, subir degrau por degrau. Um dia você está no alto, outro dia você está embaixo; um dia você é bem-sucedido, outro dia você não é. O sucesso não vem sempre, mas o mais importante de tudo é estar sempre atento ao seu instrumento, que é ser ator, e trabalhar sempre, todos os dias, a atuação.”

Em 'O Auto da Compadecida 2', Rosinha, personagem de Virgínia Cavendish é caminhoneira e dona de seu trabalho Foto: Laura Campanella/Divulgação

Ela se sente muito feliz quando está em cena e vive uma espécie de descompasso quando acaba uma peça ou um filme: “Sempre me dá um pouco de depressão, porque minha vida não tem tanta graça quanto as vidas dos meus personagens. Eu me sinto um pouco como uma boneca guardada dentro do baú.”

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Diferentemente de muitas atrizes, Virgínia não sente impacto da idade na carreira: “Estou trabalhando tanto quanto sempre trabalhei, mas depende do que você quer; quais são os seus desejos.”

Ela trabalha também em outras frentes, como produção de cinema e teatro, e lança em breve um documentário intitulado O Segredo Delas. “Eu entrevisto atrizes veteranas de 70 e mais sobre seu processo criativo, como Zezé Mota, Joana Fomm, Walderez de Barros, Ana Lúcia Torres, entre outras. Vai estrear no dia 27 de março no Itaú Cultural”, adianta.

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