‘O Brutalista’ usou IA para ajustar os diálogos. Isso é grave?

O filme de Brady Corbet, ainda inédito no Brasil, recebeu 10 indicações ao Oscar

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Por Redação

A equipe por trás de O Brutalista pode respirar aliviada. O épico de 215 minutos de Brady Corbet sobre um arquiteto húngaro que deixa a Europa do pós-guerra para reconstruir a vida nos Estados Unidos gerou controvérsias esta semana devido ao uso de inteligência artificial. Mas, na quinta-feira, o filme recebeu 10 indicações ao Oscar (veja a lista completa), afastando as críticas.

O editor de 'O Brutalista', David Jancso, revelou que usou inteligência artificial para aperfeiçoar os diálogos em húngaro, já que, em sua opinião, o idioma 'é um dos mais difíceis de aprender a pronunciar' Foto: Divulgação/A24

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Este mês, o editor de O Brutalista, David Jancso, revelou que a produção recorreu ao Respeecher, uma tecnologia de geração de voz por IA, para aperfeiçoar os diálogos em húngaro falados pelo personagem Laszlo Toth (interpretado pelo americano Adrien Brody) e sua esposa, Erzsebet (Felicity Jones, que é britânica).

“Sou falante nativo de húngaro e sei que é um dos idiomas mais difíceis de aprender a pronunciar”, disse Jancso, explicando que ele e os atores inseriram suas vozes na tecnologia, que usou a pronúncia gravada para corrigir certos sons de letras e vogais.

Os comentários de Jancso foram publicados no site de tecnologia RedShark News cerca de uma semana depois que Brody ganhou um Globo de Ouro por sua atuação em O Brutalista, gerando dúvidas sobre se ele merecia um troféu por um projeto aperfeiçoado por IA. Na quinta-feira, Brody foi indicado ao Oscar de melhor ator, assim como Jones na categoria de atriz coadjuvante. Corbet, que recebeu indicações para melhor diretor e roteiro original, defendeu o uso da IA, enfatizando que o Respeecher foi usado pela equipe de som apenas para garantir que o diálogo em húngaro fosse o mais preciso possível. Os personagens de Brody e Jones falam em inglês com sotaque na maior parte do filme.

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“As atuações de Adrien e Felicity são totalmente deles mesmos”, disse Corbet em comunicado na segunda-feira. “Eles trabalharam durante meses com a treinadora de dialeto Tanera Marshall para aperfeiçoar seu sotaque. O objetivo era preservar a autenticidade das atuações de Adrien e Felicity em outro idioma, não as substituir ou alterar, e isso foi feito com o máximo respeito pelo ofício.”

Corbet também negou a alegação de que a IA havia sido usada para gerar desenhos arquitetônicos e estruturas no estilo de Toth no final do filme. Segundo ele, a designer de produção Judy Becker e sua equipe “não usaram IA para criar ou renderizar nenhum dos edifícios. Todas as imagens foram desenhadas à mão por artistas”. (Becker e Jancso foram indicados nas categorias design de produção e edição, respectivamente. Com 10 indicações ao Oscar, O Brutalista empatou com Wicked no número de indicações, depois de Emilia Pérez, que recebeu 13).

O Respeecher, de uma empresa de software ucraniana, se anuncia como um “confiável parceiro de voz de IA que oferece vozes autênticas e incríveis para vários setores”. Ele já foi usado por grandes empresas de Hollywood, como Lucasfilm e Blumhouse, e foi até mesmo empregado por outro indicado a melhor filme: o musical Emilia Pérez usou o Respeecher para ampliar o alcance vocal de Karla Sofía Gascón, indicada a melhor atriz.

Há outras maneiras de fazer alterações de voz. É comum que os editores de som substituam uma palavra confusa aqui ou um erro de pronúncia ali por sons gravados em outra parte da trilha, disse David Barber, presidente da organização Motion Picture Sound Editors. Os atores também podem ser chamados a um estúdio de gravação para repetir falas que então são integradas ao áudio original – uma prática conhecida como substituição automática de diálogo (ou ADR, na sigla em inglês).

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“Criamos a ilusão de uma trilha de diálogo suave desde o início dos filmes”, disse Barber. “Nossa tarefa em áudio e pós-produção é deixar nosso trabalho invisível.”

Em seus comentários, Jancso observou que a equipe só recorreu ao Respeecher depois que os atores não conseguiram acertar certos sons húngaros no processo de ADR. “Foi basicamente substituir letras aqui e ali”, disse o editor. “Você mesmo pode fazer isso no ProTools, mas tínhamos tantos diálogos em húngaro que realmente precisávamos acelerar o processo, caso contrário ainda estaríamos na pós-produção”.

Adrien Brody como László Toth em 'O Brutalista'. Foto: Divulgação/A24

A IA é um tema delicado em Hollywood, onde os sindicatos entraram em greve, em parte para proteger os membros contra o uso excessivo dessa tecnologia. Em 2023, o Screen Actors Guild e o Writers Guild of America lutaram por proteções abrangentes e conquistaram algumas – como a necessidade de um consentimento declarando que os herdeiros de atores falecidos devem concordar com o uso de sua imagem em novos trabalhos.

No que diz respeito ao áudio, Barber gosta de pensar na IA como uma ferramenta e não como uma substituição. “Muitas questões éticas sobre IA generativa ainda não têm resposta”, disse ele, mas a tecnologia continua sendo “uma ferramenta valiosa (...) nas mãos de artesãos e artistas do som’.

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“A IA tem lógica, mas não tem discernimento”, continuou ele. “É a diferença entre conhecimento e sabedoria. É o discernimento que cria a arte que comove as pessoas. A IA consegue imitar coisas, mas não criar”.

Isso ecoa os argumentos dos sindicatos para negociar proteções contra a IA. Os membros do SAG também mantêm o direito ao “armazenamento seguro e à proteção de réplicas digitais da voz, da aparência e da atuação do artista”, de acordo com o site do sindicato, que especifica que os atores têm o direito de consentir (ou não) com a criação de uma reprodução digital e podem negociar limites para seu uso.

Em sua declaração, Corbet reiterou seu argumento de que O Brutalista é “um filme sobre a complexidade humana, e cada aspecto de sua criação foi impulsionado pelo esforço, pela criatividade e pela colaboração de seres humanos”. As indicações ao Oscar parecem endossar esse sentimento (embora o período de votação para as indicações tenha se encerrado em 17 de janeiro, alguns dias antes do surgimento da polêmica).

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Barber compara o debate sobre IA a um cenário que até mesmo Toth, o arquiteto fictício de O Brutalista, entenderia. Imagine que você está trabalhando no telhado de uma casa, usando martelo e pregos para fixar as telhas, disse Barber. Aí aparece alguém para ajudar com uma pistola de pregos.

“Ninguém vai criticar a pessoa que está usando a pistola de pregos, porque é uma maneira nova e mais eficiente de fazer o trabalho”, disse ele. “A IA usada por profissionais de som é somente o mais novo conjunto de ferramentas que foi colocado nas nossas mãos. Não há como negar sua existência, não há como ignorá-la.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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