Sempre houve controvérsia quanto ao chamado Dia do Cinema Brasileiro. Ele chegou a ser comemorado em 5 de novembro, porque nesta data, em 1907, o português Antônio Leal teria realizado a primeira filmagem no País. Mas a própria Ancine, a Agência Nacional de Cinema, terminou validando o dia de hoje, porque em 19 de junho de 1898, regressando da França, a bordo do navio Brésil – que zarpou de Bordeaux -, o ítalo-brasileiro Afonso Segreto captou as primeiras imagens em movimento da costa brasileira, utilizando-se do equipamento, o cinematógrafo, que trazia da Europa.
Comemoram-se nesta quarta-feira, portanto, 121 anos de cinema do Brasil. Uma boa oportunidade – um pretexto? - para se propor uma lista de 10, ou 11, ou 12 filmes que, ao longo de todo este tempo, ajudaram a firmar a identidade brasileira na tela. Não se trata, necessariamente, dos melhores filmes e, como toda lista, essa é subjetiva e não pretende ser definitiva. E, claro, você pode fazer a 'sua' lista. Vamos lá?
Deus e o Diabo na Terra do Sol
O vaqueiro Manuel mata o coronel que o explora e foge com a mulher, Rosa. Juntam-se a um bando de beatos, depois, a cangaceiros. Manuel não se encontra em nenhum desses grupos e dispara numa louca corrida rumo ao mar. Como Corisco, Othon Bastos rodopia em torno de si mesmo e a cena do amor tem direito às Bachianas de Villa-Lobos. As imagens afirmam a estética da fome, a trilha de Sérgio Ricardo agrega ao drama – Te entrega, Corisco e O sertão vai virá mar.
Vidas Secas
De novo a estética da fome, agora na adaptação do romance de Graciliano Ramos por Nelson Pereira dos Santos. Fabiano, Siá Vitórias, os meninos e a cachorra, Baleia. O som estridente da carrta, a morte de Baleia. Visceral.
Selva Trágica
A luta pela sobrevivência nos campos de mate, na fronteira paraguaia. Outra adaptação, a do romance de Hernani Donato, por Roberto Farias. O trabalho escravo do homem, a prostituição imposta à mulher. A cena em que o homem tenta levantar a carga gigantesca, feito animal, é das mais impressionantes já filmadas.
Ganga Bruta
O historiador francês Georges Sadoul considerava 'tola' a trama da obra-prima de Humberto Mauro, mas era o prtimeiro a reconhecer suja complexidade narrativa, reunindo o melhor do expressionismo alemão e da escola sdoviértica de montagem. Engenheiro descobre, na noite de núpcias, que a noiva não é virgem e a mata. Crime de honra? Feminicídio? Ele foge para o interior, recomeça a vida. E se envolve com mulher prometida a outro.
O Cangaceiro
Supostamente passada no sertão nordestino, a trama foi filmada no interior de São Paulo. O cangaceiro Teodoro, homem de confiança de Galdino, apaixona-se por professorinha sequestrada pelo bando. Oiê, muié rendera... As imagens de Chick Fowle, a direção de Lima Barreto. O primeiro êxito internacional do cinema brasileiro, venceu o prêmio de melhor filme de aventuras em Cannes, 1953.
O Pagador de Promessas
A peça de Dias Gomes filmada por Anselmo Duarte, que chegou a ser, nos anos 1940 e 50, o maior galã do cinema brasileiro. Único filme nacional a vencer a Palma de Ouro em Cannes. Zé do Burro tenta cumprir, carregando pesada cruz, a promessa que fez num terreiro. O padre o impede, cria-se o impasse e Zé, morto na própria cruz, só entra na igreja nos braços do povo.
Chuvas de Verão
Seu Afonso aposenta-se e veste o pijama para nunca mais tirar, mas a vida vem quando ele se envolve com Dona Isaura. Jofre Soares, Miriam Pires, a direção de Cacá Diegues, uma galeria inesquecível de personagens secundários. Um retrato vivo do Brasil.
Central do Brasil
Fernanda Montenegro, como a escrevinhadora Dora, rasga todas as cartas que escreve para analfabetos. Mas, então, por que ela atravessa o Brasil para ajudar o menino Josué/Vinicius Oliveira a tentar encontrar seu pai? Walter Salles e a construção da ética no País dos miseráveis.
Remanescências
E se a primeira filmagem realizada no Brasil fosse a realizada por Cunha Salles em 1897, portanto, anterior à de Afonso Segreto? Sobraram poucos fotogramas – apenas 11, as ondas do mar lambendo o píer na baía de Guanabara -, mas basta isso para que o mais experimental dos autores brasileiros, Carlos Adriano, teça um poema audiovisual de inolvidáveis 18 minutos.
Carnaval no Fogo
Alguém dirá que o autor da lista está louco – uma chanchada carnavalesca da Atlântida? Watson Macedo e a estética da paródia praticada pelo estúdio. O que faz a diferença é a dupla Oscarito/Grande Otelo, recriando a famosa cena do balcão de Romeu e Julieta.
Edifício Master
O Brasil inteiro cabe naquele prédio de Copacabana em que Eduardo Coutinho eleva ao mais alto grau a arte do encontro com os moradores.
Noite Vazia
Durante os anos 1950, Walter Hugo Khouri carregou os rótulos de 'alienado' e 'sueco', por querer fazer, no Brasil, um cinema existencial como o de Ingmar Bergman. E aí ele flertou com o cinema da solidão e da incomunicabilidade do italiano Michelangelo Antonioni. Na mosca. O Brasil, e São Paulo, vistos pelo topo da pirâmide social. Dois caras ricos, duas prostitutas, duas belas mulheres, Odete Lara e Norma Bengell. Uma noite de sexo, e algo mais.
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