Com a aposentadoria em libras curta para garantir comodidades como as que imaginavam para o fim da vida e acreditando em belas fotografias exibidas na internet, sete ingleses por volta dos 70 anos decidem terceirizar a terceira idade em rupias e embarcam com suas malinhas, passado e dor nos ossos para a Índia. Os sustos, apuros e transformações que enfrentam na ex-colônia britânica produzem a comédia romântica O Exótico Hotel Marigold, que estreia no Brasil na sexta-feira, 11.
Dirigido por John Madden (Oscar de direção por Shakespeare Apaixonado, que levou mais seis prêmios da Academia em 1998), o elenco é uma seleção de ouro liderada por Judi Dench, Tom Wilkinson e Maggie Smith. Dev Patel (de Quem Quer Ser Um Milionário?) faz o gerente do sonhado refúgio para "idosos e formosos". As definições de idade e maturidade se dissipam nas circunstâncias que os hóspedes do Marigold encontram e, ao encarar um possível recomeço, eles reagem como adolescentes.
No livro These Foolish Things da inglesa Deborah Moggach, de 64 anos, o roteirista Ol Parker (43) achou a chance de criar uma comédia sobre a faixa etária que, geralmente, é retratada em confronto com a morte ou memórias do que não volta mais.
"O humor é uma forma mais agradável para ver as coisas de maneira diferente", diz Madden, de 63 anos, que só percebeu um paradoxo no seu grupo demográfico ao dirigir este filme. "Nós todos sentimos que ainda somos quem éramos nos nossos 40 e poucos anos, como Mick Jagger e Keith Richards, que têm a nossa idade", diz o diretor. "Mas pensamos diferente do que pensava a geração dos meus pais e o filme também é sobre isso: a expectativa de vida mudou e é muito importante manter na cabeça a possibilidade de mudança."
No mais que exótico hotel indiano, cada personagem trata essa possibilidade remexendo na bagagem que juntou na vida e se livrando do que mais pesa nela. Evelyn (Judi Dench), que acabou de enviuvar e descobrir que o marido só lhe deixou dívidas, vai trabalhar pela primeira vez e também vira blogueira. A situação financeira da amargurada Muriel (Maggie Smith) só pode cobrir a cirurgia que ela precisa no país que, visto através da sua xenofobia, é o próprio inferno. Norman (Ronald Pickup) ainda pretende exercitar todas as posições do Kama Sutra e Madge (Celia Imrie) procura mais um marido, de preferência muito rico. O casal Douglas e Jean (Bill Nighy e Penelope Wilton) acredita que vai se dar melhor entre as cores de um lugar desconhecido do que no cinza de alguma casa de repouso na terra natal. O juiz Graham (Wilkinson) é o único deles que já esteve na Índia, para onde volta em busca do amor que deixou lá muitos anos atrás.
"Coisa de velho". Dias atrás, reunidos com Madden numa coletiva para a imprensa em NY, Judi, de 78 anos, Wilkinson e Penelope, ambos com 64, compartilharam observações sobre a idade e compararam suas experiências com as de seus personagens
"Não há como se preparar para uma velhice como a que imaginávamos quando crianças porque o seu cérebro continua o mesmo dos 25, 27 anos", comentou Wilkinson. "Claro que quando a gente se olha no espelho percebe: ‘Oh, meu Deus, você não tem mais 27 anos... Mas aqui em cima (apontando a cabeça), eu não tenho restrições.’"
Velhos conhecidos de palco, TV e cinema, os três atores também dividem a intenção de não se aposentar. "Gosto muito de trabalhar e, quando eu tiver 85 anos, se aparecer algum papel para uma velha senhora, vou pedir: "Por favor, posso fazer?’", avisou Penelope.
Apesar da degeneração macular que está lhe tirando o centro do campo visual e a impede de ler (parentes ou amigos a ajudam a decorar os textos), Judi disse que procura "aprender pelo menos uma coisa nova todo dia". Citou como exemplo uma reportagem que ouviu sobre o maior acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider, instalado na fronteira entre França e Suíça.
"Ele tira 40 milhões de fotografias de partículas por segundo. Tive de escrever este número para imaginar o que seja", contou a atriz, que depois revelou: "Grito muito com o rádio e sei que é coisa de velho... Mas há coisas que me irritam! Como quando as pessoas usam mal palavras como ‘bem’ no lugar de ‘bom’. Tento me controlar, mas não sou boa nisso."
A impaciência de quem quer tudo do jeito que acha certo teve de ser controlada durante as nove semanas e meia das filmagens de O Exótico Hotel Marigold entre os três milhões de habitantes de Jaipur, capital do Rajastão, noroeste da Índia. Numa de suas cenas, trepidando num tuk-tuk (os triciclos motorizados e barulhentos que funcionam como táxi em vários países asiáticos), Judi passa por uma multidão real, não de coadjuvantes. "Filmamos uma parte e voltamos no dia seguinte para pegar outro ângulo. Mas aí apareceram três elefantes - o que equivale a três ônibus... E eles andam devagar... Esperamos horas e refizemos a tomada umas dez vezes..."
Penelope comparou a ações de guerrilha o trabalho de driblar a superpopulação e curiosidade dos indianos: "Se você está olhando para uma determinada coisa, num piscar de olhos tem 200 pessoas olhando também. Tínhamos que filmar parte de alguma cena externa bem rápido e desaparecer. Aí a multidão desaparecia, a gente aproveitava para voltar, filmar um pouquinho mais e desaparecer de novo."
Madden quis ser fiel ao ambiente indiano que não aparece nos cartões-postais ou guias turísticos e, para isso, em várias situações os atores tiveram de interpretar sem que os cenários reais fossem desocupados para a filmagem. Uma cena em que os britânicos vão tomar um ônibus foi feita também como guerrilha na rodoviária da cidade. Numa repetição da cena em que Bill Nighy ajuda Penelope e Judi a subir no veículo, o ator acabou amparando um homem que se meteu entre eles. "Era um passageiro muito aflito para viajar", contou o diretor. Dessa vez, a filmagem só recomeçou depois que o elenco parou de rir.
Ataque aos sentidos. Dos sete atores ingleses em O Exótico Hotel Marigold, só Maggie Smith tinha passagem pela Índia antes de trabalhar no filme. "Foi uma das experiências mais extenuantes que já passei, não se sabe o significado de choque cultural até se chegar lá", disse Wilkinson. "Uma das contradições da sociedade indiana que nunca vai se reconciliar dentro de mim foi ver uma mulher lavando um bebê numa poça na estrada e, 15 metros depois, ver sinais tão grandes de riqueza!"
O filme foi a primeira oportunidade para Judi conhecer o país onde parte de sua família morou por alguns anos. "É um ataque aos sentidos", resumiu a atriz para expressar o que a beleza, as cores, o barulho, os cheiros da Índia lhe provocaram. No tempo que ficou no Rajastão, ela vivenciou "contradições como jantar no salão do palácio de um marajá e, na manhã seguinte, encontrar dezenas de crianças desnutridas e apertadas em duas salas que voluntários improvisaram como escola".
Na visão de Madden, que também não havia visitado a Índia antes, a relação de ex-colônia e ex-colonizador que existe entre aquele país e a Inglaterra é complicada e uma fonte de humor e, da mesma forma, de dor. Para ele, o caráter dos indianos se sobrepõe a suas contradições e isso também o teria transformado de alguma forma, como ocorre com os hóspedes do hotel da história que filmou: "Dois dias depois que cheguei, comentei com os produtores que seria impossível fazer uma comédia lá, mas no terceiro dia eu já achava tudo ótimo."
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