Fernanda Torres virou o centro das atenções no Brasil e no mundo após ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz por sua performance no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles.
A atriz deu uma longa entrevista ao Estadão em 2018, para o repórter Morris Kachani, à época do lançamento do livro A Glória e Seu Cortejo de Horrores (Companhia das Letras).
Na ocasião, Fernanda discorreu sobre diversos temas como política, narcisismo, intolerância, atuação e fracasso. Resgatamos alguns dos melhores trechos do papo.
Política
“As eleições [de 2018] já me causam calafrio. Eduardo Campos faz falta, acho que eu votaria nele, um homem com trânsito à direita e à esquerda, do Nordeste, com herança política. Mas o Brasil é um país trágico. Campos morreu num desastre de avião e não vejo ninguém como ele no páreo.”
“O PSDB implodiu, acabou nas mãos do Aécio, elegeu Doria, hoje corre atrás de uma solução midiática. E o PT insiste em se vitimizar, em fingir que não deu as mãos ao Temer, se nega a fazer uma autocrítica, culpando a classe média nojenta, que, segunda a versão do partido, não suportou ter que dividir o aeroporto com os pobres. É inacreditável. A rapina da Petrobrás, da Eletrobrás, o investimento em frigorífico do Banco de Desenvolvimento, tudo culminando no governo desastroso de Dilma. Terra arrasada.”
Narcisismo e atuação
“O narcisismo é um grande inimigo do artista, assim como o cinismo. O narcisismo cria a expectativa do acerto, e não há nada mais cerceador do que a expectativa do acerto. Em vez de se perder no personagem, de se abrir para virar outro, você se torna autoconsciente, você se contrai. Odeio grandes estreias, super produções que nascem para acontecer, normalmente elas fracassam. Os grandes trabalhos nascem pequenos, na surdina, no silêncio e crescem aos poucos. É claro que há uma dose de narcisismo na profissão de ator e de autor, ou de exibicionismo, é preciso ter ego, ter luz, encantar. Mas é preciso se livrar dessa vontade de acontecer quando se pisa na sala de ensaio, é preciso zerar, começar do zero.”
Cinema atual
“Hoje, discutem-se os filmes de Batman, Mulher Maravilha, Thor e Pantera Negra, com o empenho e a seriedade com que, antes, se discutia o Poderoso Chefão, Laranja Mecânica e Morangos Silvestres. Houve um grande empobrecimento, não há dúvida.”
Sucesso e fracasso
“Existe grande ansiedade no êxito, na exposição pública. A profissão de ator se dá no picadeiro, no Coliseu Romano. Não há Glória sem o Cortejo de Horrores, sem os leões, sem risco, ou dor. O grande fracasso tem parentesco com o grande sucesso, são momentos angustiados, grandiosos e angustiados, tanto pela grande alegria, quanto pela vergonha. Não há garantia na vida artística, não há garantia na vida, mas a artística te obriga sempre a recomeçar. Me lembro do Millôr Fernandes dizendo, depois de um jantar com meus pais, estávamos no carro e ele começou a dizer que estava muito feliz, com os amigos, num momento maravilhoso, mas que isso o preocupava, porque as coisas só poderiam piorar. É um pouco isso. O grande êxito é a certeza do grande fracasso, e vice e versa.”
Intolerância
“Há também um engajamento crescente no mundo. A luta de grupos identitários por direitos, pelo fim da homofobia e da violência contra a mulher. Tudo urgente, justo e bem-vindo. Há uma radicalidade crescente, necessária, talvez, para que as transformações aconteçam, para que um crápula como Harvey Weinstein perca o poder de acabar com a carreira de atrizes que se negaram a lhe prestar uma massagem íntima. Mas considero exagero, loucura, a condenação das fantasias de carnaval de índio, árabe, nega fulô e cigano; ou a ideia de que a identidade de gênero é um fenômeno apenas cultural.”
“O mundo mudou muito. Nos anos setenta, quando cresci, o sexo era o símbolo máximo da liberdade [...] Era naquele tempo em que ainda se fumava nos aviões e se comia margarina, achando que fazia bem para o coração. Hoje, estaríamos todos condenados à forca e à execração. Há o espírito do tempo, que é difícil de ser compreendido por gerações diferentes. Sinto uma certa truculência de todos os lados, uns tratando os outros como completos imbecis, sem que ninguém se escute de fato. Há muita intolerância no ar.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.