O que faz Eli Roth, o homem por trás de filmes de terror sangrentos como Cabana do Inferno, O Albergue e Canibais, dirigindo o filme para crianças O Mistério do Relógio na Parede? “Sempre quis fazer uma produção como esta, terror para crianças”, disse o diretor em entrevista exclusiva ao Estado, em Los Angeles. “Quando eu era pequeno, amava tudo o que dava medo. Não tinha nada melhor do que gritar no cinema com meus amigos”, recorda.
Roth se lembra de assistir a filmes aterrorizantes como “Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio”, de Sam Raimi, em VHS. No cinema, como toda criança que cresceu nos anos 1980, reinavam os filmes da Amblin, produtora que tem Steven Spielberg entre seus fundadores e que misturava aventura, drama, comédia e terror – clássicos como E.T. – O Extraterrestre, Gremlins, Os Goonies e De Volta para o Futuro.
“Sinto falta daqueles filmes da Amblin, queria muito fazer um filme do selo”, afirmou. Quando a oportunidade surgiu, não tinha como dizer não. “Trabalhar com Steven Spielberg é uma experiência única”, garantiu Roth, descrevendo-a como “melhor do que ele esperava”. “Ele estava ocupado com Jogador n.º 1, mas conversamos antes da filmagem, e depois ele viu o primeiro corte. Recebi um telefonema, imagine, em que ele me disse que tinha amado, que dava medo, que tinha emoção, e que era um filme da Amblin de verdade.”
O Mistério do Relógio na Parede é baseado no romance de John Bellairs (1938-1991) e conta a história do órfão Lewis Barnavelt (Owen Vaccaro), que vai morar na casa gótica e assustadora de seu excêntrico tio Jonathan (Jack Black). Lá, ele conhece Florence Zimmerman (Cate Blanchett), amiga e vizinha de Jonathan e igualmente excêntrica. Logo, Lewis vai descobrir que não só Jonathan e Florence têm poderes mágicos, como a casa em si também.
Em suas paredes, um relógio escondido pelo dono anterior, o poderoso feiticeiro Isaac Izard (Kyle MacLachlan), é uma ameaça. O diretor compara a dupla Jack Black-Cate Blanchett com Spencer Tracy-Katharine Hepburn. “Ele é o Robin Williams desta geração, pode fazer drama ou comédia. Jack ainda vai ganhar um Oscar. Cate tem o Oscar, mas as pessoas não têm ideia de como ela é engraçada. Ela queria mostrar suas habilidades cômicas, e Jack queria mostrar sua força dramática. Então os dois juntos eram perfeitos.”
Roth contou ter se identificado com o menino e os adultos do filme, todos considerados diferentes. “Aquele menino sou eu. A vida inteira ouvi que eu era estranho. Eu era o único que gostava de terror. Não me encontrei até aceitar isso. Suas qualidades únicas são o que tornam você especial, é isso que o filme diz também”, revelou o diretor nascido em Massachusetts, em 1972. Apesar de ser um filme para crianças, O Mistério do Relógio na Parede também usa a aventura e o terror para tratar de temas adultos.
“O filme se passa em 1955, então precisamos falar de Segunda Guerra Mundial. Foi algo com que eu lidei, mesmo crescendo nos anos 1970 e 1980, num bairro judaico. Para os adultos, o filme é sobre como a tragédia afeta você, e que a única maneira de superar é seguir em frente.”
Sua esperança é que o filme tenha o mesmo papel que Gremlins, Os Goonies e A Morte do Demônio tiveram em sua vida. “Quero que seja um filme que faça com que as crianças gostem de terror. Um filme que os fãs de terror que hoje são pais possam levar seus filhos e apresentá-los ao terror”, acrescentou Roth. “As crianças gostam de sentir medo. E não tem nenhum filme assim nos dias de hoje.”
Crítica: Bruxaria no estilo Amblin para a geração pós-‘Harry Potter’
Talvez seja birra de adulto, mas é um problema que também ocorre com o novo Predador, que é tudo, menos um filme para crianças. Embora escrito por um roteirista de sucesso – o também diretor Shane Black –, Predador chega a ser constrangedor, em certos momentos, por conta de piadinhas que conseguem ser tão incorretas quanto sem graça. É um pouco o que também ocorre com a adaptação de O Mistério do Relógio na Parede, por Eli Roth.
Cria de Quentin Tarantino, que produziu O Albergue 2, Eli fazia o sargento Donny ‘O Urso Judeu’ Donowitz, que eliminava nazistas com seu taco de beisebol em Bastardos Inglórios. A pedido de Tarantino, Eli dirigiu, em preto e branco, o filme dentro do filme sobre como o soldado Frederick Zoller/Daniel Bruhl teria eliminado todos aqueles aliados com seu rifle solitário. Eli dirige agora a adaptação do livro de John Bellairs. Autor infantil conceituado nos EUA, ele morreu em 1991 e só agora, 27 anos depois, chega ao cinema a aventura que inicia a trilogia do jovem Lewis Barnavelt. No Brasil, o livro foi publicado pela Galera Record. Dependendo da resposta do público, podem haver sequências – no plural.
Na trama, o menino órfão vai morar com o tio numa mansão meio ‘creepy’, assustadora. O tio tem essa amiga. Obviamente, guardam um segredo, que não querem revelar para o menino. Diz respeito ao tal relógio. No passado, titio foi parceiro de um famoso mágico, que voltou transtornado da guerra. O mágico desapareceu. Teria vendido a alma ao demônio, e há suspeita de que deixou no ar um plano para destruir a vida na Terra. Roth não curte apenas a violência. É também expert em terror. Sua adaptação de Bellairs carrega no terror. Infantil, juvenil? Como fantasia para esses segmentos de público, O Mistério do Relógio corre o risco de deixar pequenos (e pequenas) insones. É o que ocorre com o protagonista da história quando se aloja com titio.
Lewis tem visões da mãe que morreu num acidente de carro, conversa com ela. Esquisito, não? Mamãe quer saber coisas – olha o spoiler! Fique de olho nela. Black e Cate são feiticeiros, tentando quebrar o feitiço do mago maior – interpretado pelo ‘lynchiano’ Kyle MacLachlan. (Só para sua informação, ao se mudar para NY – nasceu em Boston –, Eli Roth foi assistente de David Lynch. Chegaram a desenvolver projetos para teatro, que não vingaram. Mas ficou a amizade com McLachlan, ator-fetiche de Lynch.) Efeitos gráficos, embates físicos, tudo é violento, para adultos, ou quase. Só o diálogo é menos que infantil – tatibitate.
Pode ser birra, vale destacar de novo, mas Cate é uma atriz grande demais para ficar trocando farpas com Jack Black do tipo ‘Seu cabeça de pomba’. O leão de vegetação no jardim sofre de flatulência, quando não despeja coisa pior em Lewis. O próprio conceito de bruxaria é formatado para a geração pós-Harry Potter, mas a produção é da Amblin e Roth paga tributo ao cinema de fantasia dos anos 1980, com cenas que parecem ‘roubadas’ de outra série, De Volta para o Futuro. O resultado é só um pouco menos ruim que o remake, por Roth, de Desejo de Matar, com Bruce Willis no papel de Charles Bronson.
Luiz Carlos Merten
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