Realismo de ‘Oppenheimer’ ou escapismo de ‘Barbie’? O que as bilheterias podem dizer sobre nossa era

Nenhum confronto recente no cinema foi tão aguardado quanto o dos dois filmes. A história sugere que mais espectadores vão optar pelo escapismo; entenda

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Por Redação

THE ECONOMIST - São rivais intrigantes: ele de chapéu e terno marrom, ela de vestido e laço de cabelo. O domínio dele é uma vasta instalação de pesquisa científica no Novo México; o dela é uma casa de festas cor de rosa fluorescente, com escorregador. J. Robert Oppenheimer (interpretado por um ator irlandês, Cillian Murphy) passa os dias cercado das melhores mentes científicas dos Estados Unidos para criar uma bomba nuclear - trabalho que um colega chama de “a coisa mais importante que já aconteceu na história do mundo”. Barbie (interpretada por uma atriz australiana, Margot Robbie) parece ter a vida perfeita, mas também sente preocupações existenciais. Será que suas amigas bonecas, ela se pergunta, “já pensaram na morte?”

Barbie e Oppenheimer geram fim de semana histórico nas bilheterias. Histórias tão diferentes estrearam no mesmo dia e testam a preferência do público. Foto: Warner Bros Pictures/Universal Pictures/AP

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Nenhum confronto recente foi tão aguardado quanto Barbie e Oppenheimer. Lançados em 21 de julho, os dois filmes serão um teste para saber se os espectadores podem ser convencidos a sair do sofá e voltar aos cinemas. A incongruência no tema e no tom dos filmes encantou a internet. As pessoas criaram memes, remixaram os trailers em híbridos bizarros “Barbenheimer” e discutiram o que deveriam ver primeiro: o drama biográfico ou a comédia de fantasia.

Parte do alvoroço começa nos cineastas. Christopher Nolan, roteirista e diretor de Oppenheimer, é a coisa mais próxima que Hollywood tem de um cientista louco. Ele faz tudo com efeitos de câmera e evita imagens geradas por computador - chegou a explodir um Boeing 747 de verdade para um de seus filmes. As reações nucleares em Oppenheimer também foram criadas pela produção de explosões reais (embora não nucleares), iluminadas por pó de alumínio e magnésio. Seus filmes brincam com convenções narrativas e assuntos complicados, como o inconsciente e a astrofísica teórica. E renderam um total de cerca de US$ 5 bilhões em vendas de ingressos. Dunkirk (2017) é um dos filmes de maior bilheteria já feitos sobre a Segunda Guerra Mundial.

Greta Gerwig, diretora e corroterista de Barbie, tem seu próprio fã-clube. Começou no gênero de filmes independentes “mumblecore” (assim chamado por seu foco no diálogo), mas desde então teve sucessos com Lady Bird (2017) e uma adaptação de Adoráveis Mulheres (2019). Seu trabalho tem vendas mais humildes: US$ 300 milhões. Para Barbie, ela disse ter se inspirado em antigos musicais e filmes de Hollywood sobre a vida após a morte, como O Céu Pode Esperar (1943).

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Caprichos hollywoodianos

Os dois filmes resumem alguns dos caprichos da indústria cinematográfica moderna. Barbie é uma das muitas produções que exploram uma propriedade intelectual de décadas. A fabricante de brinquedos Mattel vendeu cerca de 1 bilhão de bonecas desde que apresentou Barbara Millicent Roberts (a chamada “Barbie”) aos consumidores em 1959. Robbie, que também é produtora do filme, disse que se sentiu atraída pelo projeto porque o nome Barbie é “mais reconhecido no mundo todo do que praticamente qualquer outra coisa, menos a Coca-Cola”. É fácil imaginar que uma sequência já esteja em andamento.

Oppenheimer, por outro lado, não tem esse potencial de franquia. O cientista pode ser “uma das figuras mais essenciais e paradoxais da história”, como disse Nolan, mas provavelmente não retornará para Oppenheimer 2: Aprendendo a amar a bomba. É um drama sério e singular - o tipo de filme feito com menos frequência, pois os estúdios se concentram em remakes, sequências e spin-offs. Prevê-se que seu fim de semana de estreia alcance de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões em vendas de ingressos, em comparação com cerca de US$ 80 milhões para Barbie.

Embora Oppenheimer apresente estrelas como Emily Blunt e Matt Damon, a história obviamente não se presta a alegrar o público. O fato de também ter sido feito com um grande orçamento de US$ 100 milhões reflete a fé que os estúdios depositam em certos cineastas e os riscos que permitem que eles corram. “Os filmes sobre o desenvolvimento da bomba atômica das décadas de 1940 e 1950 não foram sucesso de bilheteria”, diz Sheldon Hall, historiador de cinema e coautor do livro Epics, Spectacles and Blockbusters: A Hollywood History [em tradução livre: Épicos, espetáculos e sucessos de bilheteria: uma história de Hollywood]. “Este filme depende da reputação de Nolan”, acrescenta ele.

A rivalidade “Barbenheimer” traz uma questão mais séria para o público: privilegiar o realismo ou o escapismo? À medida que a guerra avança na Europa e países como a China e a Coreia do Norte continuam desenvolvendo seus arsenais nucleares, a história da origem dessas armas de destruição em massa pode parecer crua demais. Explorando as preocupações do físico sobre o terrível poder de sua arma e as tentativas do governo americano de silenciá-lo, Oppenheimer não vai aliviar a ansiedade dos espectadores. O diretor o comparou a um filme de terror. “Algumas pessoas saem da sessão absolutamente arrasadas. Não conseguem falar”, disse Nolan.

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A produção de Gerwig é mais divertida. Ela descreveu o set de filmagens - que contribuiu para a escassez global de tinta rosa - como “um gerador de dopamina”. O tom do filme é engraçado e astutamente autorreferencial. Brinca com o conforto sedutor dos mundos de sonhos. A certa altura, a Barbie Esquisita, uma boneca que foi maltratada, oferece à Barbie uma escolha, simbolizada por um salto alto ou uma sandália de couro Birkenstock: “Você pode voltar à sua vida normal ou pode saber a verdade sobre o universo”. Barbie escolhe o salto e é repreendida. “Você tem que querer saber, ok? Escolha de novo”.

A julgar pela história... Barbie ganha!

Barbie e Oppenheimer oferecem outra versão do dilema salto alto ou sandália de couro. A história sugere que mais espectadores vão optar pelo escapismo. Durante a Grande Depressão, muitos dos filmes de maior bilheteria foram musicais e épicos históricos. O mesmo aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Filmes que abordavam conflitos, como E o Vento Levou e Sargento York, geralmente se passavam no passado. Os filmes com cenários contemporâneos, como Casablanca, tendiam a contar histórias de amor em vez de histórias de combates horríveis. Em 1968, no auge da guerra do Vietnã, o maior filme americano foi Funny Girl: Uma Garota Genial. Em 2007, durante a crise financeira, foi um filme da franquia Piratas do Caribe.

David Thomson, outro historiador de cinema, avalia que, em tempos de tensão econômica, guerra e populismo, os espectadores vão preferir um filme frívolo a um filme sério. “As comédias sempre se saíram bem no cinema”, diz ele, porque fazem “algo para o qual os filmes foram feitos, que é tranquilizar as pessoas e dar a elas algumas horas de fuga dos problemas”. Quem quer realidade quando a vida de plástico é tão fantástica? / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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