O piloto Murilo (Danilo Grangheia) se prepara para mais um voo comercial de sua carreira. Tudo parece tranquilo: os passageiros estão em seus lugares, os cintos afivelados, o tempo agradável. Até que tudo muda. Do nada, um passageiro armado (Jorge Paz) invade a cabine dos pilotos para um objetivo: jogar o avião no Palácio do Planalto, em Brasília.
História da ficção? Nada disso. O Sequestro do Voo 375, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 7, é a recriação de um sequestro que realmente aconteceu em 1988, há 35 anos, e que quase se tornou uma tragédia completa. Dirigido por Marcus Baldini (de Bruna Surfistinha), o filme é uma produção de ação impressionante do cinema brasileiro.
De um lado, a arte
Isso acontece por alguns motivos. Pra começar, algo que nasce da situação, da força dos acontecimentos. Ainda que Murilo não tenha a complexidade de um Sully (outra história real contada em Sully: O Herói do Rio Hudson) ou o carisma de um Whip Whitaker (personagem fictício de Denzel Washington em O Voo), ele prende o espectador pela verdade.
Afinal, ele não está ali para ser um herói típico (ainda que sua jornada seja assim), mas apenas para cumprir seu papel. Não quer sair vitorioso, mas sair fazendo o certo. O correto.
Outro ponto dentro da trama é o próprio homem que sequestra o avião. Nonato, vivido brilhantemente por Jorge Paz (Cangaço Novo), é um homem complexo. Quer jogar o avião no Palácio do Planalto como um plano de vingança contra a inflação galopante no final dos anos 1980 e contra o então presidente, José Sarney. Era a única saída que ele enxergava.
Nesta situação inusitada e no embate entre um vilão denso e um herói que quer cumprir sua função corretamente está a força de O Sequestro do Voo 375. O espectador se sente impelido a comprar um lado, mas, de qualquer forma, consegue compreender a psique de Nonato e os motivos que o impeliram a essa ação extrema – torcendo para que tudo acabe bem, claro.
É uma dinâmica rara em filmes desse tipo. Quando falamos de sequestro de aviões no cinema já enxergamos os “terroristas bárbaros” querendo apenas a desgraça, como no excelente Voo United 93. O roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque não apela para essa mesmice e cria uma dinâmica complicada na cabine. Há vilões e mocinhos, mas nem tudo é óbvio.
Do outro, a técnica
Um outro ponto central para a construção de um filme de ação maduro, de primeira linha, está na técnica. Há um investimento maciço aqui. Baldini contou, em entrevista ao Estadão, que tinha quatro aviões no set: dois externos e outros dois para a filmagem interna da aeronave. Ele ficava desmontado para facilitar a filmagem e a movimentação.
Além disso, há efeitos práticos impressionantes: para simular as manobras que o piloto Murilo fez no ar, o avião realmente se mexia. Isso, junto com a autenticidade das atuações, confere um sentimento de tensão. Em momento algum há aquela dúvida se o que está acontecendo na tela é real ou não, a grande dúvida que quebra a magia do cinema.
O filme ainda questiona a moralidade de Nonato em um intrincado contexto histórico, social, político e econômico. Mesmo com um terceiro ato canhestro, sem saber muito como continuar o espetáculo que é visto até a primeira hora de projeção, o saldo é um acerto.
A produtora Joana Henning defendeu, também em conversa com o Estadão, que é preciso fazer investimentos cada vez maiores no cinema nacional para que o Brasil atinja um outro patamar – falando dessas produções blockbusters e de gênero, é claro, já que temos uma expertise impressionante quando falamos de dramas. E está certa.
O Sequestro do Voo 375 deixa a sensação que estamos alçando novos voos, usando o que temos de bom no nosso cinema para ir além e, ainda assim, contar nossas histórias.
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