O filme A Grande Fuga, em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira, 27, parece uma estreia pequena, com tons de passar despercebida por muitos. Mas o longa-metragem guarda algo realmente importante: é o último filme da dupla de protagonistas, Michael Caine e Glenda Jackson. Ela morreu ano passado, após completar as filmagens. Ele, que hoje tem 91 anos, decidiu encerrar de vez a carreira. Está feliz em, enfim, poder se aposentar.
“Foi a oportunidade de uma vida”, disse o cineasta ao Estadão.
Foi o diretor Oliver Parker, de O Retrato de Dorian Gray, que teve o privilégio de dirigir os dois atores em cena. A história do filme é simples: Bernard Jordan (Michael Caine) ficou famoso em 2014, aos 89 anos, ao fugir da casa de repouso para se encontrar com outros veteranos da Segunda Guerra na Normandia para comemorar os 70 anos do Dia D. A esposa, Irene (Glenda Jackson), ficou apreensiva esperando o retorno do marido. Enquanto isso, sem querer, o ex-soldado ficou famoso no mundo. Estampou capas de jornal, era assunto principal na TV. Todos queriam entender o porquê daquele nonagenário empreender uma viagem assim.
“Eu me lembro do evento real de alguns anos atrás e isso sempre me chamou a atenção como algo curioso e incomum. Mas, quando o roteiro estava sendo escrito, fiquei preocupado que pudesse ser um pouco óbvio, um pouco sentimental demais”, diz Parker.
Um pouco de cada
A solução foi colocar uma dose de drama na receita. William Ivory (Revolução em Dagenham) assumiu o roteiro colocando a própria história: o pai de Ivory foi piloto da Força Aérea Britânica e, infelizmente, teve um transtorno pós-traumático muito grave. O que ele fez aqui, então, foi imaginar situações inversas da de seu pai – como uma cena em que Bernard conversa com alemães em um bar, enquanto o pai de Ivory entrou em uma briga.
O próprio Parker tentou colocar um pouco da sua experiência. “Meu pai foi soldado e perdeu ambos os irmãos na guerra. Eles eram pilotos e morreram. Ele nunca falou sobre isso; eu nunca consegui fazê-lo falar sobre isso”, conta Oliver. “Eu estava interessado em explorar essa energia e olhar para a noção de um homem no fim da vida buscando a verdade, lutando com seus próprios demônios internos e, claro, tendo um relacionamento com essa mulher maravilhosa. O amor é a resposta para quem a redenção é uma possibilidade e que via a culpa do sobrevivente como algo que ele não deveria carregar”.
Nessa mistura de memórias e histórias – de Ivory, Parker e, claro, da história real de Bernard – surge A Grande Fuga. Um filme que, no fim das contas, vai além da guerra.
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Parker acredita que é o momento ideal para a estreia de um filme assim. “Como sabemos, há muitas guerras acontecendo agora e elas parecem terrivelmente regressivas. Parece quase uma extensão da Segunda Guerra Mundial. É incrível como parece que não lembramos do que aconteceu. Por isso, este é um filme sobre memória”, diz o diretor. “É a história de um homem oprimido por memórias fragmentadas que o assombram”.
Michael Caine e Glenda Jackson
Memória, também, que atravessa o elenco de A Grande Fuga. O filme tem dois atores em idade avançada em seus respectivos papéis: Michael Caine estava com 90 anos na época das filmagens, enquanto Glenda Jackson tinha 87 anos – morreu logo após a filmagem.
“Foi um trabalho árduo, claro. Não é nenhuma grande produção com trailers luxuosos [para os atores descansarem]. Foi uma filmagem de 30 dias, bem rápida, sem nenhum luxo”, conta o cineasta. “Eles vieram para fazer o trabalho e realmente se dedicaram a isso. Ambos são como soldados. Eles vieram, fizeram o trabalho deles, não causaram alarde”.
Quando rodaram o filme, Caine ainda não tinha divulgado a aposentadoria. Agora, aos 91 anos, diz que já fez tudo que podia fazer – agora surgem apenas papéis de personagens de 85 ou 90 anos, limitando bastante as possibilidades imaginativas de um ator que já foi Alfred de O Cavaleiro das Trevas; Fred do brilhante Juventude, de Sorrentino, e até o personagem boa-praça e importantíssimo de Filhos da Esperança, grande filme de Alfonso Cuarón.
Agora, fecha as cortinas justamente com o longa de Parker. “Eu já trabalhei com alguns atores incríveis, tive sorte na minha carreira. Mas havia algo sobre a união desses dois atores mais velhos que é difícil de falar. Nenhum deles sequer precisava fazer um filme”, diz Oliver Parker. “Quando Glenda Jackson e Michael Caine se reuniram em cena, foi maravilhoso. Uma espécie de duelo, mas incrivelmente respeitoso. Nunca vou esquecer”.
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