‘Oeste Outra Vez’: conheça o faroeste à brasileira de homens amargurados em mundo sem mulheres

Em entrevista ao ‘Estadão’, os atores Babu Santana e Ângelo Antônio, bem como o diretor Erico Rassi, falaram sobre o filme que discute a ‘masculinidade embrutecida’ e chegou aos cinemas na última quinta-feira, 27, após ser premiado na última edição do Festival de Cinema de Gramado; veja vídeo

PUBLICIDADE

Atualização:

A poderosa voz de Nelson Ned arrebata o telespectador no começo e no desfecho de Oeste Outra Vez. Primeiro, para questionar ‘quem é que não teve na vida um problema de amor?‘, com Eu Também Sou Sentimental, e mais tarde, para evocar a lamúria e o consolo de Tudo Passará.

As canções são ponto chave para destacar a essência do novo filme de Erico Rassi, que estreou nos cinemas em 27 de março. O longa-metragem foi premiado na última edição do Festival de Cinema de Gramado nas categorias Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Ator Coadjuvante para Rodger Rogério.

Neste faroeste à brasileira, a trama se desenrola no sertão de Goiás e acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens brutos e amargurados que brigam pela mesma mulher e se mostram incapazes de lidar com suas próprias fragilidades. O vazio e a tristeza desse universo sem figuras femininas é explorado nas sutilezas e nos excessos.

Publicidade

Rodger Rogério, ator de 81 anos premiado em Gramado, em cena do filme 'Oeste Outra Vez' Foto: Divulgação/O2 Play

PUBLICIDADE

A concepção do projeto se deu por meio de uma vasta pesquisa de campo conduzida por Rassi. Ele ficou imerso em cidades do interior goiano, aonde conduziu entrevistas com moradores da região – isso influenciou a criação de personagens excêntricos aos moldes daqueles vistos em películas de David Lynch ou dos Irmãos Coen.

“Conversei com pessoas aleatórias e junto eu também fiz uma pesquisa literária. Comecei lendo muito Guimarães Rosa, especificamente o Sagarana (1946). O conto Duelo deu esse primeiro fiapo narrativo para a construção do roteiro”, diz o cineasta em entrevista ao Estadão, na sede da produtora O2 Play, em São Paulo.

O diretor é um entusiasta do gênero western. Seu trabalho anterior, Comeback (2016), também investigava o formato com Nelson Xavier (1941-2017), em papel de despedida, como um pistoleiro aposentado. “O faroeste é o único gênero que se define pela ambientação, não de forma geográfica, mas com essa sensação de ausência de lei e ordem”, analisa Rassi.

Da esquerda para a direita: o diretor Erico Rassi e os atores Babu Santana e Ângelo Ântônio, antes de entrevista sobre o filme 'Oeste Outra Vez' Foto: Alex Silva/Estadão

Ao contrário das sagas clássicas dos cowboys de John Wayne ou Clint Eastwood, por exemplo, Oeste Outra Vez subverte o estilo cinematográfico. “O faroeste glorificou a violência até certo ponto, e nosso filme vai contra isso. Ele mostra como essa violência chega a ser patética. Não existe vencedor ali, são duelos em que ninguém sai ganhando, pelo contrário, todos terminam sozinhos”, pontua o realizador.

Publicidade

No filme, a cachaça é um artefato quase onipresente e que parece ter um aspecto medicinal para as feridas internas daqueles homens, moldados por uma “masculinidade embrutecida”, segundo define o cineasta. “Durante a minha pesquisa, vi que eles tinham uma relação muito forte com a bebida, funcionava meio que como mediadora das relações entre eles”, explica.

Ângelo Antônio, conhecido por filmes como 2 Filhos de Francisco (2005) e As Vidas de Chico Xavier (2010), além de papéis marcantes em telenovelas como Pantanal e Alma Gêmea, conta que se surpreendeu bastante ao ver o filme finalizado. “Eu não tinha a noção dessa ausência de mulheres ao ler o roteiro. Depois de pronto que eu fui entender a dimensão toda, como ele transcendia os valores masculinos, com esses sujeitos frágeis e violentos – acho que eles são violentos porque são frágeis”, afirma o intérprete de 60 anos.

A trama de 'Oeste Outra Vez' se desenrola no sertão de Goiás e acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens brutos e amargurados que brigam pela mesma mulher  Foto: Divulgação/O2 Play

Já Babu Santana, de 45 anos, ficou famoso pela atuação como Tim Maia na cinebiografia do cantor, de 2014. Depois, sua popularidade escalou após participação no reality Big Brother Brasil. “O que mais me surpreendi foi como o filme é bem humorado, apesar de uma temática tão séria, em tempos de debater o lugar do homem no mundo onde as mulheres estão se empoderando. Foi muito enriquecedor ver o filme pronto. Tivemos um curto orçamento, então precisamos nos unir pra que aquilo ali acontecesse, e essa união gerou uma amizade. Estou muito orgulhoso”, afirma.

Além das presenças essenciais de Antonio Pitanga, Adanilo Reis e Daniel Porpino no elenco, quem orbita em torno da dupla central é Rodger Rogério. O ator (e também cantor) cearense, de 81 anos, volta a brilhar nas telas após participar de Bacurau (2019), dessa vez na pele de um solitário capanga. “Ele traz uma serenidade no falar que é quase sinistra. O cara tá coroa, mas é perigoso. O tom dele é muito bom”, elogia Babu, antes de ser corroborado por Rassi. “Ele representa alguém que quer ser violento e não tem aptidão para aquilo”.

Publicidade

Por fim, Rassi salientou a importância da vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar 2025 e confirmou que pretende lançar seu longa internacionalmente. “Não me lembro de um momento tão favorável no cinema nacional como esse, muito graças ao efeito do filme de Walter Salles”, diz. “Vemos o público interessado novamente em consumir audiovisual brasileiro. Espero que não seja uma onda, mas sim um movimento de consolidação que beneficie todos os modos de produção”, finaliza.

Trailer de ‘Oeste Outra Vez’

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.