Em 1992, o repórter ainda estava dando seus primeiros passos como enviado especial do Estado ao Festival de Cannes. Um assessor que, na época, trabalhava para as Majors, chamou-o — “Tem um novo diretor que tem chamado a atenção nos EUA.” Fomos ver Cães de Aluguel. Era tão pouca gente na salas, e depois, na coletiva, que formamos um círculo, com o diretor no meio. Quentin já era Tarantino — como estilo —, mas a fama só veio dois anos depois.
Em 1994, a sala lotou e muitas gente ficou de fora da sessão de imprensa de Pulp Fiction. O filme ganhou a Palma de Ouro, o Oscar de roteiro original. Começava a revolução Tarantino. O cara formado em locadoras, que havia consumido o cinema clássico de Hollywood e as vertentes de gênero na Ásia, na Europa, tornou-se um fenômeno.
Às vésperas da estreia de seu novo filme (dia 15), Era Uma Vez... em Hollywood, vamos propor uma brincadeira. Listar todos os filmes que ele realizou, incluindo episódios de séries, do melhor ao pior. Não, vamos inverter – do pior ao melhor. Não precisa concordar. Cada um tem seu Tarantino. Essa é uma lista. A ordem da sua pode ser diferente.
13 — Grande Hotel
Tarantino foi um dos diretores, com Robert Rodriguez e Alexander Rockwell. Quatro episódios sobre a noite de Ano Novo num hotel, com Tim Roth como mensageiro, fazendo a ligação entre as histórias. Ele dirigiu O Homem de Hollywood, que tem certa graça, mas o filme todo é ruim.
12 — Sin City – Cidade do Pecado
Robert Rodriguez e Frank Miller são os diretores oficiais dessa estilizada – e computadorizada – abordagem do universo noir, com base na graphic novel do próprio Miller. Selva da cidade, violência, preto e branco, mulheres nuas. Tarantino dirige uma cena como diretor convidado. Meio inócuo, mas os tietes poderão se divertir.
11 — Os Oito Odiados
Tarantino e o spaghetti western formam uma história de amor antiga, e desta vez Ennio Morricone ganhou o Oscar de trilha (e também o Bafta, o Globo de Ouro, etc). Mas o filme tem tantas reviravoltas, e personagens bizarros, que pode exaurir o público antes do desfecho. Numa estalagem do Oeste, encontram-se caçadores de recompensas, um prisioneiro, um homem que diz ser xerife, mais quatro desconhecidos. As reviravoltas são tantas que atordoam, mas tem gente que gosta — muito! Com Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Tim Roth, Samuel L. Jackson, Michael Madsen. Querem mais? Pois tem — veja.
10 — À Prova de Morte
Tarantino e o amigo Robert Rodriguez, seu parceiro em tantos projetos, se uniram para essa homenagem ao chamado grindhouse, o programa duplo dos cines drive-in. Como o filme em duas partes não fez sucesso nas salas, ambas foram lançadas separadamente em DVD, e Tarantino acrescentou 20 minutos de material. Kurt Russell faz dublê que caça mulheres para matar com seu carro adaptado para aguentar fortes pancadas. Tarantino joga com o erotismo e o humor, e debocha da própria misoginia. Não faltam piadas sobre o tamanho das motos e dos órgãos genitais.
9 — ER - Maternidade (Temporada 1, episódio 25)
Tarantino dirigiu o episódio 25. Chama-se Maternidade e aborda o Dia das Mães no Plantão Médico do dr. George Clooney. O diretor muitas vezes foi acusado de misoginia. Aqui ele expõe o ponto de vista feminino, mas, claro, não é Jackie Brown. Falta... Pam Grier!
8 — CSI - Grave Danger
Tarantino dirigiu dois episódios da quinta temporada. Na verdade, o mesmo, dividido em duas partes, Grave Danger Partes 1 e 2. Tem uma pegada meio Kill Bill, porque o personagem Nick é enterrado vivo, como a Noiva (Uma Thurman) e tem alucinações. Na cena mais surreal, os legistas conversam... fazendo uma autópsia. E tem participação especial de Tony Curtis. Tudo bem tarantinesco.
7 — Django Livre
Tarantino e o spaghetti western — com trilha para Ennio Morricone. Jamie Foxx, como Django (homenagem a Sergio Corbucci e Franco Nero, que faz um pequeno papel), faz escravo liberto que percorre o Oeste em companhia de Christoph Waltz, para tentar libertar a mulher, aprisionada pelo cruel Leonardo DiCaprio. Samuel L. Jackson faz a versão, reescrita pelo diretor, de Pai Tomás (o da cabana). Grande diversão, tiroteios e cavalgadas memoráveis. Tarantino e Spike Lee bateram boca porque o segundo acusou Quentin de desrespeitar seus ancestrais, transformando a escravidão — que Spike define como ‘holocausto negro’ — numa diversão. O filme ganhou o troféu MTV de melhor momento do ano — ‘Que porra é essa?’
6 — Era Uma Vez... em Hollywood
Tarantino sempre gostou das tramas paralelas. Aqui segue o astro decadente de TV (Leonardo DiCaprio) e seu dublê (Brad Pitt), que vão tentar uma sobrevida no spaghetti western — e o diretor e roteirista faz seus comentários sobre a indústria dos dois lados do Atlântico —; a outra trama diz respeito ao casal Roman Polanski/Sharon Tate. O ano é 1969, agosto, e Sharon, grávida, será assassinada com amigos, em casa, por Charles Manson e seus adoradores do Diabo. Isso é história (real), mas Tarantino toma suas liberdades e a reescreve do seu jeito. Brad está espetacular, como a versão solar de DiCaprio (e os dois fazem o mesmo personagem), mas a luz do filme é Margot Robbie, como Sharon. Ela quase não fala, mas seu sorriso ilumina a tela. E depois dizem que Tarantino é misógino.
5 — Kill Bill
Planejado para ser um filme longo, o tributo de Tarantino às artes marciais e ao filme de sabre tem algo de A Noiva Estava de Preto, de François Truffaut, embora Uma Thurman vista-se de amarelo (o macacão que Roman Polanski teria dado a Bruce Lee e aparece em Era Uma Vez... em Hollywood). Como Jeanne Moreau no filme francês, Uma faz a Noiva, obcecado por vingança (contra Bill) depois que o marido é morto na hora do casamento e ela fica viúva sem deixar a igreja. Grandes cenas de ação incrivelmente coreografadas, momentos tensos e até claustrofóbicos — a Noiva é enterrada viva. Um monte de mulheres em participações fortes — Uma, Lucy Liu, Vivica A., Fox, Daryl Hannah. O Volume 1 é melhor que o 2, e o excesso toma conta de tudo. Além de artes marciais e sabre, Tarantino integra anime, spaghetti western, chop-socky de Hong Kong. Não falta nem Roy Rogers cavalgando num velho faroeste de William Witney.
4 — Jackie Brown
Tarantino, tantas vezes acusado de misoginia, e seu tributo a Pam Grier, ícone dos ‘blackxploitation movies’ por volta de 1970. Ela faz aeromoça que trafica droga para Samuel L. Jackson. Quando é pega, tenta manter-se a salvo — de Jackson, da polícia. É o filme mais ‘low profile’ de Tarantino, e por isso o que provoca reações mais viscerais. Mas uma coisa é certa. Pam é arrasadora.
3 — Pulp Fiction
Muita gente vai se indignar que o filme que deu a Palma de Ouro para Tarantino seja apenas seu terceiro melhor. Três tramas paralelas — dois assassinos (John Travolta e Samuel L. Jackson) que filosofam sobre a vida; um lutador que se recusa a perder uma luta, como combinado; e um casal que assalta restaurante em Los Angeles. Ainda tem o outro casal que apostou na derrota, contratou os profissionais e transita entre as histórias. Oscar de roteiro original (para Tarantino e Roger Avery), a dança de Travolta e Uma Thurman no Jack Rabbit Slim’s. Tarantino penou para fazer o filme, porque o roteiro era considerado muito ‘demente’. Pode até ser, mas o ‘excesso’ (de diálogos,. de referências e de violência) está na origem do sucesso.
2 — Bastardos Inglórios
Tarantino pegou o título de um filme do italiano Enzo G. Castellari, que ama, mas o espírito é o de Robert Aldrich, a guerra suja de Os Doze Condenados. Duas tramas paralelas que terminam por fundir-se. Os soldados judeus, os Bastardos, que querem matar nazistas, e o plano de Shoshana para assassinar Hitler no escurinho do cinema. Um grande papel para Brad Pitt, o porrete de Eli Roth e o sadismo hilário do Cel. Landa/Christoph Waltz, que ganhou todos os prêmios de coadjuvante do ano.
1 — Cães de Aluguel
O primeiro Tarantino ainda é o melhor, embora muita gente não vá concordar. Um grupo de homens de terno preto, identificados com nomes de cores, reúne-se para avaliar por que assalto não deu certo. E falam, falam, falam. Ecos de John Huston (O Segredo das Joias) e Stanley Kubrick (O Grande Golpe), a suspeita de que tem um traidor entre eles e uma cena de tortura que não perdeu a capacidade de chocar, malgrado todo o sangue que Tarantino fez jorrar na tela desde então. O elenco ‘all male’ é muito bom. Tim Roth, Harvey Keitel, Michael Madsen, Chris Penn, Steve Buscemi, Laurence Tierney, Randy Brooks, a voz de Steven Wright (decisiva) e... O próprio diretor, que tem seu momento como ator.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.