Os fãs de romances natalinos sabem exatamente o que esperar quando assistem a qualquer um dos inúmeros filmes novos em plataformas a cabo e de streaming todos os anos.
Durante cerca de 90 minutos, uma mulher da cidade grande vai retornará à sua cidadezinha natal imaculadamente decorada para as festas de fim de ano. Um rapaz local a arrebatará. O cenário estará coberto de neve. A música será alegre. E um rápido beijo nos lábios selará o final feliz dos amantes.
Este ano, porém, alguns filmes de férias estão bem mais quentes.
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Um Amor Feito de Neve e The Merry Gentlemen, na Netflix, e A Carpenter Christmas Romance, na Lifetime, trazem muitos dos temas convencionais, mas trocaram os suéteres e os abraços fugazes por visuais mais quentes. Aqui, num movimento que parece ter nascido da percepção de que as mulheres são um dos principais grupos demográficos do gênero, os homens ficam sem camisa para serem vistos pelas mulheres da cidade. Os beijos são apaixonados. E, em pelo menos um caso, os protagonistas fazem s-e-x-o.
A julgar pelos gemidos e olhares sedentos, essas mulheres fictícias foram privadas de satisfação carnal nos últimos feriados. Quem assiste aos filmes de Natal modernos também parece ter ficado na mão.
“Muito antes do Lifetime e da Netflix, a ideia de Feliz Natal era repleta de insinuação, que convidava ao sexo romântico e transgressor”, disse Robert J. Thompson, diretor do Centro Bleier de Televisão e Cultura Popular da Universidade de Syracuse. Ele também observou a presença de conotações sexuais em tudo, desde Um Conto de Natal, de Dickens (uma cena de festa em que os foliões vendados identificam uns aos outros pelo toque) até canções como Santa Baby e I Saw Mommy Kissing Santa Claus [algo como “Vi a mamãe beijando o Papai Noel”, em tradução direta].
“Dada a longa história do Natal com o sexo”, acrescentou Thompson, “estou realmente surpreso que esses filmes tenham sido tão castos assim”.
Vejamos The Merry Gentlemen. Quando Marla Sokoloff foi procurada para escrever o roteiro desse filme da Netflix (previsto para 20 de novembro), ela disse que o diretor, Peter Sullivan, lhe deu uma única diretriz: “É um Magic Mike natalino”.
A partir daí, Sokoloff criou uma história sobre uma dançarina de Nova York, Ashley (Britt Robertson), que é demitida e volta para casa bem a tempo de tentar salvar a aconchegante casa de espetáculos de sua família, coreografando um musical masculino liderado por um faz-tudo local em ótima forma, Luke (Chad Michael Murray).
Centrar Merry Gentlemen num grupo de homens sem camisa faz com que o filme pareça “um pouco mais jovem e um tantinho picante”, disse Sokoloff. “Muitas pessoas associam os filmes de Natal com vovós de Ohio, e acho que é divertido tentar adivinhar se as vovós vão gostar ou se vão ficar ofendidas com esse filme.”
A magia assume uma forma mais literal em Um Amor Feito de Neve (Hot Frosty), quando um boneco de neve muito bem esculpido chamado Jack (Dustin Milligan, de Schitt’s Creek) ganha vida depois que uma viúva (Lacey Chabert) coloca um cachecol encantado nele. Enquanto seus corações começam a se derreter um pelo outro, Jack também está tentando não virar uma poça d’água.
O filme foi gravado durante uma primavera fria em Ontário, e Milligan filmou duas cenas ao ar livre usando apenas “uma cueca fio dental bege e volumosa”, como ele disse, para dar a impressão de quase nudez quando seu personagem ganha vida.
Mas o frio foi menos difícil do que a ênfase geral em seu corpo. Como alguém que tem um “histórico de dismorfia corporal e distúrbio alimentar”, Milligan disse que teve de aprender a lidar com as frequentes imagens dos músculos de Jack e com os comentários apreciativos das mulheres da cidade.
“Eu entrei na brincadeira”, disse Milligan. “Mas também foi algo que, para ser franco, exigiu muita reflexão e muito cuidado na minha cabeça no dia a dia.”
Na TV a cabo, o Lifetime parece ter a intenção de diferenciar sua programação de férias do que se espera dos canais mais conservadores, como o Hallmark.
No ano passado, o Lifetime divulgou A Cowboy Christmas Romance como seu primeiro filme de Natal a apresentar uma cena de sexo, e a rede está trazendo mais transas natalinas em A Carpenter Christmas Romance (21 de dezembro). Dessa vez, uma escritora (Sasha Pieterse) se apaixona pelo carpinteiro (Mitchell Slaggert) que está reconstruindo sua cidade natal depois de um incêndio.
Em ambos os filmes, que foram escritos e produzidos por Sarah Drew, ex-estrela de Grey’s Anatomy, o sexo é quase sempre implícito, e as cenas pulam cuidadosamente dos abraços escaldantes para as manhãs seguintes.
“Acho que escrevi no roteiro ‘e aí eles fazem amor de um jeito que não seja muito agressivo para a televisão depois das nove da noite’”, disse Drew. “Quer dizer, sou uma mulher adulta. Adoro histórias de amor. Adoro essas coisas. Todas as minhas amigas adoram essas coisas e querem mais do que um beijo bem comportado no final.”
O Lifetime está proporcionando mais momentos tórridos em Christmas in the Spotlight (23 de novembro), sobre uma estrela pop fictícia que se apaixona por um jogador de futebol americano profissional – numa história de amor que tem mais do que uma mera semelhança com a de Taylor Swift e Travis Kelce.
Em certo momento, a cantora (Jessica Lord) fica positivamente tonta ao ver o tanquinho do protagonista (Laith Wallschleger). “Posso tocar?”, pergunta ela, depois de admitir que antes só namorava “atores sérios e roqueiros indie” e que, portanto, nunca tinha se deparado com um físico assim. “Você pode fazer o que quiser”, responde ele, enquanto ela pousa a taça de vinho para acariciar seu abdômen.
Essas insinuações e o desejo pelo torso masculino em filmes como este podem parecer totalmente proibidos na arena familiar. Ainda assim, Thompson disse que não acha que seja o começo de uma corrida rumo a uma programação de férias drasticamente mais explícita.
“Não é de jeito nenhum Cinquenta Tons de Natal”, disse Thompson. “O objetivo não é ficar cada vez mais sexy e com mais nudez”. Em vez disso, disse ele, a ideia é dar continuidade à “fantasia romântica” que o gênero vem vendendo há anos para seu público majoritariamente feminino – só que agora com um pouco mais de pele.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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