Os melhores e os piores filmes de Martin Scorsese, que faz 80 anos

O cineasta segue merecendo respeito, mesmo que seus filmes não sejam mais tão bons

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Steven Spielberg tem 75 anos, George Lucas, 78, e Francis Ford Coppola, 83. Martin Scorsese é o segundo diretor da geração que construiu a Nova Hollywood a bater nos 80 anos. Nasceu em Flushing, Nova York, em 17 de novembro de 1942, o que significa que, nesta quinta-feira, está se tornando octogenário, completando 80 anos. 80!

Scorsese é um italo-americano, teve uma rigorosa educação católica, chegou a entrar para o seminário. Quase virou padre. Essas coisas marcam. Iniciou-se no cinema na primeira metade dos anos 1960 fazendo curtas como What’s a Nice Girl Like You Doing in a Place Like This, It’s Not Just Murray, The Big Shave, Who’s Knocking at My Door? e Street Scene. Em 1972, produzido pelo lendário Roger Corman, assinou seu primeiro longa – Boxcar Bertha, que no Brasil se chamou Sexy e Marginal. Claramente inspirado em Bonnie & Clyde/Uma Rajada de Balas, de Arthur Penn, o filme conta a história de três homens e uma mulher que vivem uma vida de crimes durante a depressão econômica dos anos 1930, nos EUA. Logo em seguida, vieram Mean Streets/Caminhos Perigosos e Alice não Mora Mais Aqui, pelo qual Ellen Burstyn ganhou o Oscar de melhor atriz.

Al Pacino, Martin Scorsese e Robert De Niro no tapete vermelho de 'O Irlandês' Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP

A consagração ocorreu no Festival de Cannes, em 1976, quando Taxi Driver/Motorista de Táxi levantou a Palma de Ouro. Robert De Niro fazia o veterano da Guerra do Vietnã, Travis. Insone, varava a madrugada nas ruas de Nova York, na direção do táxi. Tentava salvar uma prostituta mirim, Jodie Foster, de seu gigolô. E ainda se envolvia na teoria conspiratória envolvendo um candidato à eleição. Na cena mais famosa, De Niro, frente ao espelho, ficava se interrogando – “Are you talking to me?/Está falando comigo?”

Na sequência surgiram New York, New York, com Liza Minnelli como a cantora e De Niro como bandleader; o doc The Last Waltz, ou O Último Concerto de Rock; e, em 1982, Raging Bull/Touro Indomável. Sempre haverá gente para contestar, mas é o maior filme de Scorsese. Venceu os Oscars de melhor Ator/De Niro e montagem/Thelma Schoonmaker. A história do pugilista Jake La Motta, que se destrói pelo ciúme da mulher. La Motta tem algo de Shakespeare. É um Otelo que consegue ser o próprio Iago.

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Indicado também para melhor filme e direção, Touro Indomável perdeu os principais Oscars para Gente Como a Gente, de Robert Redford. Scorsese, de qualquer maneira, virou queridinho da crítica com O Rei da Comédia, com De Niro e Jerry Lewis.

E então veio Depois de Horas, pelo qual recebeu o prêmio de direção em Cannes. Griffin Dunne cai na noite do Soho, vivendo as mais estranhas aventuras. Olhando para o filme com as ferramentas da psicanálise, a crítica rotulou After Hours como coito interrompido. O tema seria a masturbação. Scorsese era o cara. Ganhava cada vez mais elogios, admiradores. Tom Cruise e Paul Newman interpretavam A Cor do Dinheiro e o segundo ganhou o Oscar, retomando o personagem do jogador de bilhar que interpretara 20 e tantos anos antes em Desafio à Corrupção/The Hustler, de Robert Rossen. Em 1988, baseado no romance do grego Nikos Kazantzakis, fez A Última Tentação de Cristo.

O escândalo foi imenso. Cristo/Willem Dafoe, naquela cruz, sonha ser um homem, não o filho de Deus. Faz um filho em Maria Madalena. A trilha de world music de Peter Gabriel embala a história que se passa nas esquinas perigosas da Judeia do ano 33, D.C. No Brasil, mais exatamente em São Paulo, o então prefeito Jânio Quadros fez o impossível para garantir que o filme não passasse.

Mais dois anos e, em 1990, Scorsese assinou outro grande filme, seu segundo maior. Os Bons Companheiros. Goodfellas! A história de Ray Liotta, que sonhava ser gângster. O plano-sequência do começo, um assombro. Sempre haverá gente para contestar a afirmação, mas Os Bons Companheiros não foi apenas o maior filme de Scorsese. Foi também o último grande.

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A exemplo de Howard Hawks em Rio Bravo/Onde Começa o Inferno, Scorsese fez variações de seu clássico de gângsteres, mas só os fãs de carteirinha colocaram Cassino e O Irlandês no mesmo patamar de Goodfellas.

Em 1991, Scorsese refilmou O Círculo do Medo, de J. Lee Thompson – só louco para achar que Cabo do Medo era melhor. De Niro, enlouquecido, sai da cadeia para mover implacável perseguição ao advogado, Nick Nolte, que considera responsável por sua prisão, anos atrás.

Em 2002, há exatamente 20 anos, Scorsese iniciou a parceria com Leonardo DiCaprio. Gangues de Nova York foi um filme que ele quis muito fazer. Demorou anos – décadas. Alguém deveria ter-lhe dito para desistir. O filme estava longe de ser bom. Novas parcerias com DiCaprio – O Aviador, Os Infiltrados, A Ilha do Medo, O Lobo de Wall Street. Pelo segundo, um remake quase plano a plano do thriller homônimo do chinês de Hong Kong, Andy Lau, Scorsese recebeu, finalmente, seus Oscars de melhor filme e direção.

Qualquer pessoa que analise a obra de Scorsese com isenção – e serenidade – dificilmente duvidará que seus filmes eram melhores quando escritos por Paul Schrader e produzidos por Barbara De Fina. O Silêncio é quase insuportável. Há cerca de 60 anos, um filme japonês pouco conhecido, O Cristo de Bronze, era muito melhor. O Irlandês é insuportável, a menos que o espectador seja devoto de Joe Pesci.

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Alma de cinéfilo

Por menos que Scorsese seja grande como sustentam seus tietes, sua importância é inegável. Scorsese pertence a uma geração que estudou cinema. Tem a alma do cinéfilo. Scorsese criou a World Foundation para nomear e restaurar clássicos ameaçados do cinema mundial. Fez Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Norte-Americano, outra viagem, pelo neo-realismo italiano, e uma terceira viagem pelo macarthismo, com Uma Carta para Elia (Kazan).

Scorsese venera Michael Powell e a viúva do diretor, Thelma Schoonmaker, virou sua montadora premiada.

Ele devia ter seus 20 e poucos anos quando viu Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe. Apaixonou-se pelo cinema do brasileiro Glauber Rocha. Sempre quis fazer a refilmagem de Céu e Inferno, mas hesita porque duvida que poderá fazer um filme melhor do que o do mestre japonês Akira Kurosawa.

Aos 80 anos, segue merecendo respeito, mesmo que seus filmes não sejam mais tão bons - mas essa, claro, não é uma avaliação consensual. Para muita gente, Marty ainda é o cara. Vamos de parabéns – for he’s a jolly good fellow.

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