Os melhores filmes dos anos 2000

Crítico de cinema do 'Estadão' seleciona ano a ano os melhores filmes internacionais e nacionais dos últimos 20 anos

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O que será do cinema no pós-pandemia? Foto: Unsplash/@@ewitsoe

É a pergunta que não quer calar - o que será do cinema no pós-pandemia? Hollywood interrompeu a sequência de lançamento de seus blockbusters, e em abril o mundo todo já teria visto o novo Toretto, Velozes e Furiosos, nono da série. O cinema brasileiro está paralisado, mas isso já estava desde o ano passado, tratado à míngua pelo Governo Federal. Ninguém duvida que autores, produtores, roteiristas acharão um jeito de se reinventar, e de reinventar o próprio cinema.

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Os anos 2000 têm visto de transformação e ajustamento, desde o advento das novas tecnologias, que mudaram muita coisa, senão tudo. Em Cannes, no ano 2000, houve um grande seminário para discutir a nova era digital e o júri presidido por Luc Besson outorgou a Palma de Ouro a Dançando no Escuro, de Lars Von Trier, que representava a chegada desse futuro. A grande pergunta era - se mudar o suporte, continuará sendo cinema?

A questão tem estado no ar, e neste ano de 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus, o cinéfilo, confinado em casa, com os cinemas fechados, só tem tido como alternativa o streaming. Os mais renitentes ainda querem saber de DVD e Blu-ray. E todos estamos nos acostumando a ver filmes em outras telas, outros formatos - outras janelas. Qual foi o último filme que você viu no cinema? No IMAX? O que vai ocorrer com a flexibilização? Isso é para depois. Agora, vamos viajar um pouco, lembrando os melhores de cada um desses 20 anos de mudanças.

​2000

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Dançando no Escuro

O musical de Lars Von Trier que virou emblema das novas tecnologias que mudaram o cinema no século. A história de Selma, mãe solteira checa que migrou para os EUA para tentar mudar a sorte do filho, condenado à cegueira por uma doença hereditária. Na sucessão de uma série de desgraças, ela é condenada à morte. Canto, dança, as mais dse 100 câmeras de HD que o diretor disse que usou. A tonalidade mais sombria e uma cena de execução que expressa seu ódio pelas instituições na América. Björk compôs a trilha, incluindo a música final – 'Essa só será a última canção, se quisermos que seja.' Anos depois, ela revelou que sofreu assédio de Von Trier durante as filmagens. Talvez não tenha havido cineasta mais polêmico neste século. Dogville, Anticristo, Melancolia, Ninfomania, A Casa Que Jack Construiu. Von Trier chegou a ser banido de Cannes.

Bicho de Sete Cabeças

Laís Bodanzky e seu visceral ataque ao sistema manicomial, com base no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano. A história de Neto, que o próprio pai envia para o instituto psiquiátrico por causa de um baseado. Tratado à base de choques elétricos, Neto, na extraordinária interpretação de Rodrigo Santoro, conhece o inferrno. E o inferno, já dizia Jean-Paul Sartre, são os outros. A família, a autoridade, as instituições. Felizmente, é uma viagem com volta.

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2001

Moulin Rouge

A história de Satine/Nicole Kidman, mais deslumbrante que nunca, é, na verdade, a história de Christian. 'There was a boy/A very strange enchanted boy'. Christian apaixona-se pela estrela do cabaré Moulin Rouge e Baz Luhrmann usa a história para encerrar sua trilogia da cortina vermelha, que inclui Vem Dançar Comigo e Romeu + Julieta. Canto, dança, a trilha que bebe em várias fontes e tendências musicais e a morte violenta de Satine, inspirada na de Nadia, na obra-prima de Luchino Visconti, Rocco e Seus Irmãos. Christian/Ewan McGregor também é um pouco Rocco/Alain Delon. O máximo de artifício como forma de interpretar, senão retratar, a realidade.

Lavoura Arcaica

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O romance de Raduan Nassar na transcriação de Luiz Fernando Carvalho. Outro rapaz estranho, encantado. André fugiu de casa, onde era sufocado pelo carinho da mãe e pelo autoritarismo do pai. Mas no centro de sua danação está outra coisa, a paixão incestuosa pela irmã. A volta do filho pródigo leva a uma festa que se conclui num conflito de proporções épicas (bíblicas?), sem perder de vista o intimismo. Suntuosas imagens de Walter Carvalho. Dilaceradas interpretações de Juliana Carneiro da Cunha, Raul Cortez, Selton Mello, Simone Spoladore e Leonardo Medeiros.

 

2002

Intervenção Divina/ Kedma

As duas faces do mesmo conflito no Oriente Médio. Elia Suleiman colocou a Palestina no mapa do cinema mundial. O israelense Amos Gitai ousa muito com suas pesquisas estéticas. Suleiman, no filme, mora em Jerusalém. A mulher amada, em Ramallah. No caminho de ambos, há uma barreira israelense. Kedma, no Gitai, é o navio em que chegam à região os judeus sobreviventes do Holocausto, em busca da Terra Prometida. Expulsam os palestinos e começa outra diáspora.

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Intervenção Divina

Kedma

Edifício Master

Embora existam críticos que preferem Cabra Marcado para Morrer, que tem o pé no Cinema Novo, essa é a obra-prima de Eduardo Coutinho. Um filme de entrevistas, que celebra a arte do encontro, como só ele sabia fazer. Coutinho morreu, assassinado, em 2014. Não teve tempo de ver o Brasil assaltado pelos milicianos, mas seu filme, sim. Ele pergunta ao síndico como mantém a ordem no prédio e o sujeito, esquisitíssimo, com aquele bigodinho, responde na lata - “Comigo é assim. Se não funciona Piaget, Pinochet!”

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2003

O Melhor da Juventude

Marco Tullio Giordana e sua história de 40 anos da Itália por meio da ligação entre dois irmãos, Nicola e Matteo, interpretados por Luigi Lo Cascio e Alessio Boni. A estrutura romanesca da literatura e do cinema no formato de uma série pioneira de TV, finalmente transformada em filme. Belo e maldito, Matteo coloca na tela o estigma das almas atormentadas. Sua última imagem é das mais belas filmadas.

Lisbela e o Prisioneiro

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Da peça de Osman Lins saiu a história de Lisbela, que vive intensamente as fantasias do cinema. Leleu chega para satisfazer sua necessidade de aventura e romance, mas são vários os empecilhos. Vários também são os estilos narrativos - comédia, drama, farsa, circo. Selton Mello, Débora Falabella, Marco Nanini, Virginia Cavendish, Bruno Garcia e o genial Cabo Citonho de Tadeu Mello. Cereja do bolo, a recriação, por Caetano Veloso, da letra de Fernando Mendes, 'Agora/Que faço eu da vida sem você?”

2004

O Senhor dos Aneis – O Retorno do Rei

O fecho da trilogia que o neozelandês Peter Jackson adaptou da saga monumental de JRR Tolkien. A par de ser uma prodigiosa lição de cinema narrativo, lançando mão de vários estilos para compor uma unidade, o filme se utiliza das novas tecnologias não apenas para produzir efeitos – e fantasia, mas para criar, por meio da motion capture, um personagem pivotal da trama, o Gollum. Oscars de melhor filme e direção, mais nove prêmios da Academia, num total de 11.

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Cidade de Deus

Embora lançado no Brasil em 2002, 2004 foi o ano da consagração internacional de City of God, com quatro indicações para o Oscar – melhor diretor, roteiro, fotografia e montagem. Depois de provocar a polêmica torta da cosmética da fome, o filme de Fernando Meirelles adaptado do livro de Paulo Lins, para o melhor e o pior, virou um espelho do Brasil para o mundo.

2005

O Segredo de Brokeback Mountain

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O primeiro Oscar de direção de Ang Lee. No Oeste dos Estados Unidos, entre 1963 e 1983, a história de dois caubóis modernos que, após um breve contato sexual, seguem a vida marcados pela experiência. Casam-se, mas enquanto para um o que aconteceu naquelas montanhas é uma etapa no seu amadurecimento, para o outro é fonte de danação (e destruição). A homossexualidade tratada de forma adulta, Jake Gyllenhaal e Heath Ledger excepcionais.

Cinema Aspirinas e Urubus

Em 1942, o alemão fugitivo da guerra, Peter Kutnath, percorre o sertão nordestino vendendo aspirina, num caminhão. Encontra o sertanejo (João Miguel). A evolução dessa história, no roteiro do diretor Marcelo Gomes com Karim Aïnouz, e a fotografia de Mauro Pinheiro Jr. lograram a mais bem sucedida tentativa para redifinir, nos anos 2000, a estética da fome do Cinema Novo nos 1960.

2006

Juventude em Marcha

Pedro Costa e seu personagem icônico, Ventura. Natural de Cabo Verde, e trabalhando como operário em Lisboa, vivencia o processo de especulação imobiliária no bairro de Fontainhas. O governo transfere a população, a comunidade articula-se, é todo um mundo que se move – em diferentes direções. Capital vs. Trabalho. Costa filma em seu estilo de planos longos e fixos.

O Baixio das Bestas

A jovem Auxiliadora, explorada sexualmente pelo avô. E Cícero, o riquinho que leva a vida na orgia. Sexo, drogas. O desejo, a obsessão. Cláudio Assis, o maior diretor brasileiro de sua geração, vai fundo nas paixões. A bestialidade vira deslumbramento estétivo – de novo a fotografia de Walter Carvalho.

2007

Ratatouille

A animação de Brad Bird, o ratinho que quer ser chef. E o crítico que, numa cena memorável, encerra a busca proustiana pelo tempo perdido. O tempo reenncontrado. Os novos processos digitais eliminam fronteiras, trasnsformasm a fantasia em realidade e tornam perfeitamente possível a projeção do espectador no rato. Coisa de gênio.

Santiago

O maior e mais viscontiano documentário da história do cinema brasileiro. João Moreira Salles reconstitui, por meio do mordomo, a história de sua família. Santiago é um personagem extraordinário, como seria a mãe do diretor no posterior No Intenso Agora, de 2017. E o importante é a relação do sujeito, o artista, com seu objeto de investigação, o mordomo. Santiago, o filme, é um caso único no cinema. Brasileiro, e mundial.

2008

Batman – O Cavaleiro das Trevas

O episódio intermediário da trilogia de Christopher Nolan sobre o Homem-Morcego é quase sempre considerado o maior filme de super-heróis, e até o maior blockbuster. Foi o primeiro filme de gibis a faturar US$ 1 bi. E é um grande filme autoral, em que o vilão, o Coringa de Heath Ledger, que ganhou postumamente o Oscar, é o lado maníaco e psicótico do herói. Gotham City ou o Brasil em 2020? O Coringa não quer dinheiro nem poder. Como diz Alfred, o mordomo - “Tem gente que só quer ver o circo pegar fogo.” No ano em que Clint Eastwood chegou de mansinho, Gran Torino trombou com o Dark Knight e só por um triz não foi o melhor internacional do ano.

Estômago A história de Nonato, o migrante nordestino que vem tentar a sorte na cidade grande. Vira cozinheiro, e chef renomado. Envolve-se com prostituta e termina cozinhando na cadeia. O diretor estreante Marcos Jorge criou a nova antropofagia. Um filme forte, ousado. E o elenco - João Miguel, Fabiula Nascimento - dá um show.

2009

A Teta Assustada/ O Segredo dos Seus Olhos

Um ano decisivo para o cinema latinoamericano. Urso de Ouro em Berlim, para Claudia Llosa. Oscar de melhor filme estrangeiro (hoje seria internacional) para Juan José Campanella. Peru e Argentina. A ameaça da guerrilha do Sendero Luminoso e a herança da ditadura militar.

A Teta Assustada

O Segredo dos Seus Olhos

Recife Frio

Antes de virar o grande diretor de longas que é, Kleber Mendonça Filho já fazia curtas que colocaram seu nome na história. Os preciosos 24 minutos desse filme que o digam. Meteorito muda a paisagem do Recife, com temperaturas abaixo de zero e pinguins nas praias geladas. O descontrole ambiental não é só uma piada. Leva, quem sabe?, aos problemas criados pela especulação imobiliária em Aquarius, de 2016.

2010

Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas

Palma de Ouro em Cannes para o tailandês Apichatpong Weerasethakul, que já deveria ter vencido em 2004 com Mal dos Trópicos. Mais que um cineasta, ele se tornou um grande artista visual, no sentido que Agnès Varda atribuía ao termo. O tio que está doente e vive cercado de fantasmas, a princesa que tem orgasmo fazendo sexo com o peixe. Quem é o fantasma – ela, ou ele? Religião, encantamento, misticismo. Uma jornada para o maravilhoso.

Estrada para Ythaca

O vencedor da Mostra Aurora, de Tiradentes. O manifesto estético do coletivo Alumbramento, dos irmãos Pretti e primos Parente. Quatro amigos – os diretores - caem na estrada. Bebem, metem-se em confusões, choram a morte de um amigo. Chegam à mesma encruzilhada de Glauber Rocha no western ideológico de Jean-Luc Godard, Vento Leste. Para onde vai o cinema? O futuro chegou na Alumbra(deslumbra)mento. Um filme pequeno (no custo), imenso (na ambição). Esteticamente, um marco.

2011

A Pele Que Habito

O filme de Pedro Almodóvar que os críticos menos amam. Um dos mais extravagantes, com certeza. Um dos mais brilhantes, também. Questões de gênero. O cirurgião plástico que se vinga fazendo uma cirurgia de mudança de sexo no namorado que considera responsável pela morte da filha. O tributo almodovariano ao clássico francês Les Yeux sans Visage, de Georges Franju.

As Canções

A arte da entrevista por quem entendia do assunto, Eduardo Coutinho. O amor dele pela música. As pessoas se revelam por meio de suas canções preferidas. Um homem, uma câmera, duas cadeiras – a outra para os entrevistados. A arte da conversa, que ele dominava como ninguém.

2012

O Artista

O francês Michel Hazanavicius fez história ao ganhar os Oscars de melhor filme, diretor e ator (Jean Dujardin). A diferença, em relação a Parasita (em 2020), e é grande, é que o filme dele era falado em inglês. Aliás, não era bem falado. A história é narrada como um filme mudo, com cartelas. O artista que desce ao fundo do poço, o cachorrinho e a mulher que o resgatam. O preto e branco suntuoso, a direção de arte, tudo nos conformes. Mais dois prêmios da Academia – melhor trilha e melhor figurino.

Febre do Rato

O poeta fora de controle, a Eneida que não quer saber dele. Ninguém como Cláudio Assis para retirar da marginalidade e até da sordidez um retrato altamente estético do Brasil. Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus Nachtergaele e – sempre – a fotografia de Walter Carvalho.

2013

Azul É a Cor Mais Quente

Steven Spielberg, presidente do júri, fez história em Cannes ao atribuir uma tríplice Palma de Ouro ao diretor Abdellatif Kechiche e às atrizes Léa Seydoux e Adèle Axerchopoulos por esse filme que estabeleceu novos padrões na representação do sexo, e não apenas. As duas garotas que iniciam uma relação íntima. Os protestos nas ruas, a intimidade na cama. E, sempre, a questão de gênero, a linguagem, a afirmação da identidade.

Os Dias com Ele

Como João Moreira Salles em Santiago, mas sem a ambição viscontiana do príncipe do cinema brasileiro, Maria Clara Escobar estabelece uma relação parecida, senão igual, com seu objeto de interesse. O caso dela talvez ainda seja mais dilacerante. O pai é o filósofo Carlos Henrique Escobar. Outro vencedor da Mostra Aurora, de Tiradentes, que se destacou na história do cinema brasileiro.

2014

Mommy/Adeus à Linguagem

Meio mundo reclamou quando o júri presidido por Jane Campion (e integrado por Sofia Coppola e Jia Zhangke) dividiu seu prêmio ex-aequo entre o jovem Xavier Dolan e o idoso Jean-Luc Godard. Dolan tinha 25 anos, Godard, 84. Uma família disfuncional, a mãe viúva e seu filho com déficit de atenção. A investigação em 3-D do autor franco-suíço, o casal, o cachorro (de Godard, que venceu a Palme Dog). Em discussão, a linguagem. Como falam, o que dizem, o que querem as pessoas? Como pensam, como se expressam, os cineastas. Bem-vinda, linguagem.

Mommy

Adeus à Linguagem

Praia do Futuro

O mais belo filme de Karim Aïnouz. Wagner Moura, o Capitão Nascimento, como o salva-vidas que sai do armário e vai viver sua love story gay na Alemanha. O irmão que o procura. O inverno dos sentimentos, a trilha musical e o reencontro de Wagner com Jesuíta Barbosa.

2015

As 1001 Noites

No ano da ópera-rock on the road de George Miller, Mad Max - Estrada da Fúria, o melhor filme feito em todo o mundo foi uma fábula portuguesa, com certeza. Após o encantatório Tabu, Miguel Gomes transforma a crise de Portugal numa riquíssima antologia de contos cinematográficos dividida em três partes. O Inquieto, O Desolado e O Encantado. Nenhum é mais criativo do que As Lágrimas da Juíza. Coisa de gênio.

Que Horas Ela Volta?

No ano das Últimas Conversas de Eduardo Coutinho, Jessica entrou de mansinho e começou a ocupar espaços na casa em que sua mãe,Val, era domésticas. Regina Casé, Camila Márdila e Karine Teles (como a patroa). Nenhum outro filme brasileiro causou mais rebuliço que o de Anna Muylaert naquele ano.

2016

Elle

O júri de Cannes pode ter escolhido premiar um ótimo – como sempre - Ken Loach (Eu, Daniel Blake), mas o melhor filme (não brasileiro) da competição daquele ano foi o Paul Verhoeven. Isabelle Huppert, estuprada logo no início, inicia sua investigação. Quem? Nas suas delirantes fantasias científicas, nas abissais abordagens de aspectos mais sombrios da natureza humana, Verhoeven foi sempre senhor da sua arte. Nada do que é humano não o surpreende, nem assusta. Cada um de seus filmes é sempre muito especial.

Aquarius

Desde aquele protesto na escadaria de Cannes, o longa de Kleber Mendonça Filho foi o arauto do que estava em curso no País. Virou alvo dos milicianos da crítica. Sonia Braga como Clara, que compra uma guerra para impedir que seu velho prédio seja destruído e um novo espigão seja levantado na orla do Recife.

2017

Moonlight – Sob a Luz do Luar

Hollywood e a Academia escolheram o cinema de gênero de Jordan Peele para celebrar a nova geração de autores afroamericanos. Muitas vezes, ao longo de sua história, a Academia escolheu o homem errado. Mas Barry Jenkins foi um vitorioso naquele ano – melhor filme, roteiro original, ator e atriz coadjuvantes, Mahershala Ali e Naomi Harris. Um grande filme.

Arábia

Affonso Uchoa já havia vencido a Mostra Aurora de 2014 com A Vizinhança do Tigre. Numa livre adaptação de James Joyce – e em parceria com João Dumans -, ele constrói sua história da opressão da classe trabalhadora no Brasil. Resgasta a prosódia mineira. De onde vêm aquelas vozes? Do mais profundo da nossa história.

2018

Roma

Na suíte de uma série de vitórias de diretores mexicanos no Oscar – Alejandro González-Iñárritu, Guilermo Del Toro e ele -, Alfonso Cuarón transformou a parceria do cinema com a TV, a Netflix, no fato consumado do ano. Uma crônica familiar suntuosamente filmada em preto e branco. Um novo conto da aia, com a história da doméstica da família do diretor.

Benzinho

Karine Teles escreve e interpreta, seu ex-marido Gustavo Pizzi dirige. Uma crônica familiar – o casal, o filho que quer tentar a vida no exterior, a irmã da mãe que sofre violência doméstica. Mais de 450 depois de Tudo Bem, de Arnaldo Jabor, de 1977, outro filme em que a reforma da casa vira metáfora do Brasil em crise. Karine, Otávio Müller, Adriana Esteves são excepcionais nos papeis.

2019

Parasita

O sulcoreano Bong Joon-ho virou a sensação do ano passado desde a vitória de seu Parasita em Cannes. Este ano, fez história no Oscar, como primeiro cineasta estrangeiro a vencer nas categorias principais (melhor filme e diretor) com um filme falado em seu idioma nativo. A história da família do subsolo que subverte a ordem na mansão dos ricos. Não é tudo isso, pois carece de dialética e os pobres desejam o que possuem os ricos como consumo, sem que esse desejo seja questionado. Como tema, a revolta dos deserdados dominou o ano. No Bong, em Os Miseráveis, de Ladj Ly, no Coringa e em Bacurau.

Bacurau

O grande filme brasileiro, um dos maiores produzidos em todo o mundo. Kleber Mendonça Filho, de novo, e dessa vez em parceria com Juliano Dornelles. Mais uma vez os milicianos se uniram contra ele. A cidadezinha que some do mapa no sertão nordestino. A população que pega em armas. Sonia Braga. E Thomas Aquino, Barbara Colen, Silvero Pereira. Mais fortes, já cantava Glauber – em Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964 -, são os poderes do povo.

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