‘Os Primeiros Soldados’ despreza punições e culpas ao retratar primeiras vítimas do HIV

Filme de Rodrigo de Oliveira retoma incertezas vividas nos anos 80 ante o inimigo desconhecido e fatal

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

Os Primeiros Soldados, de Rodrigo de Oliveira, em cartaz no cinema, começa com uma filmagem fake. Quer dizer, um filme dentro de um filme. Neste, vê-se um combatente solitário, perdido na selva, morrendo de fome, e que se diz disposto a cortar e comer uma parte do próprio corpo para sobreviver. É uma espécie de metáfora do que virá. Essa menção longínqua a Macunaíma em seu encontro com o Curupira, dá tom enganoso a essa primeira sequência. 

Depois do início em tom de fantástico, entra-se na narrativa mais realista em que o jovem Suzano (Johnny Massaro) está de volta de uma temporada na França e reencontra sua irmã (Clara Choveaux), uma enfermeira. Estamos em 1983 e em Vitória, no Espírito Santo. 

Cena de 'Os Primeiros Soldados': diretor buscou ovalorda vidaevitandojulgamentos ou recurso àautopiedade Foto: Felipe Amarelo

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Suzano sente algo estranho acontecendo em seu corpo. Junta-se a Rose (Renata Carvalho) e Humberto (Vitor Camilo), também doentes, vítimas desse invasor, que sequer tem nome definido, do qual se sabe pouco, a não ser que é fatal. Tentam uma cura (física e espiritual) no ambiente retirado de um sítio. E, se o sofrimento for demasiado, contam com um escape estratégico da rota da dor. 

É possível que o espectador sinta certa estranheza na narrativa – no sentido positivo, do “estranho” (Unheimlich) freudiano, que nos impacta, descentra e serve de estímulo à imaginação. Esse deslocamento da narrativa preserva o filme do que seria apenas a sofrida trajetória de seres condenados e acrescenta outras camadas. Sentimos que há algo mais aí, pulsando sob a superfície. 

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Certo, o filme leva em consideração o peso emocional que ronda os personagens em seu confronto com a expectativa da morte, num ambiente preconceituoso e pouco propenso à solidariedade. No entanto, em meio à dor, há a busca da alegria e da celebração. A vida confronta-se com a morte e, desse embate, vem-nos a sensação de um deslocamento tão desconfortável quanto necessário. Só assim avançamos no conhecimento e na empatia. Para progredir, é preciso abrir os olhos e tentar enxergar as coisas e pessoas de maneira menos convencional. 

Esse me pareceu o sentido maior do filme, ao buscar o valor da vida em seu limite, evitando tanto a culpabilização quanto a autopiedade. Viver não é brincadeira, como expressam Mascaro, Choveaux e Renata Carvalho. Esse filme de sentimentos, muito bem pensado em seus diálogos, nos conquista e nos traz para seu lado – de modo suave porém firme. 

Em Ouro Preto, onde o filme foi apresentado na 17.ª Cine OP, o diretor Rodrigo de Oliveira disse que sua intenção fora fazer um filme que quebrasse a visão punitiva e que culpabiliza os portadores do vírus HIV. Em tempos de ascensão moralista, esse tipo de olhar é mais do que bem-vindo.

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