A primeira boa notícia para o Brasil é a inclusão de Democracia em Vertigem, de Petra Costa, na disputa pelo Oscar de documentário. Tem chance? Imagino que sim, pois é um filme que trata, em termos pessoais e de modo criativo, de um tema mais do que urgente: a fragilização das democracias no mundo atual. Petra acompanha o processo histórico das manifestações de 2013 à destituição de Dilma Rousseff, até seus desdobramentos mais dramáticos, a prisão de Lula e a ascensão da extrema-direita com a eleição de Bolsonaro.
No entanto, a concorrência é forte.
Dois filmes sobre a guerra da Síria, For Zama e The Cave, o interessantíssimo American Factory (sobre a presença chinesa na economia norte-americana) e, para mim o favorito, Honeyland, da Macedônia do Norte. Este filme vimos por aqui na Mostra de São Paulo, retrato pungente da mulher apicultora que vive nas montanhas em companhia da mãe doente.
A segunda notícia de interesse para o Brasil é a presença em três categorias de Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles (de Cidade de Deus). Concorre em roteiro adaptado, ator (Jonathan Pryce) e Anthony Hopkins (coadjuvante). O filme fala do diálogo entre dois temperamentos opostos da igreja católica: o então papa Bento 16 (Hopkins) e o futuro papa Francisco (Pryce). Num mundo conturbado é a aposta na possibilidade do diálogo e da pacificação em torno de um objetivo comum. Muito bem dirigido por Meirelles.
No contexto geral da premiação, destaca-se Coringa, como o maior número de indicações, 11 no total. Seguido por três concorrentes, Era uma Vez em Hollywood, O Irlandês e 1917, com 10 indicações cada.
Esses quatro mais indicados disputam a estatueta principal - a de melhor filme - competindo com outros cinco longas: Ford vs. Ferrari, Jojo Rabbit, Adoráveis Mulheres, História de um Casamento e Parasita.
A nota importante, aqui, é a presença do coreano Parasita entre os concorrentes a melhor filme. É das produções mais originais e de impacto do ano e favorito em outra categoria na qual está indicado, a de filme internacional. Nesta concorre com Corpus Christi (Polônia), Honeyland (Macedônia do Norte), Les Misérables (França) e Dor e Glória (Espanha). Parasita pode ser favorito, mas a disputa aqui é renhida. Honeyland é uma maravilha. Les Misérables é um filme fortíssimo sobre a questão social na França - foi matéria de capa nos Cahiers du Cinéma de novembro de 2019. E Dor e Glória é uma magnífico balanço de vida e trajetória artística de ninguém menos que Pedro Almodóvar.
A disputa por melhor filme parece também a mais equilibrada dos últimos anos. Coringa, de Todd Philips, tem o mérito de tomar o personagem de um vilão clássico e transformá-lo em ícone do profundo mal-estar social que ronda o mundo, no qual as injustiças promovem o ressentimento e a violência. Faz o retrato de um planeta autofágico, que se recusa a se ver desta maneira. Também Parasita se debruça sobre a questão das disparidades econômicas, abrindo uma outra visão para o problema da coabitação problemática das classes sociais. O Irlandês, volta de Martin Scorsese ao mundo da máfia, é magnificamente bem dirigido e traz três veteranos em estado de graça: Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci. O drama de guerra de Sam Mendes, 1917, vem correndo por fora com velocidade, a ponto de despontar como possível vencedor por sua proeza técnica de um falso plano-sequência que abarca a história inteira. E também Quentin Tarantino chega bem cotado com sua criativa revisão histórica de Era uma Vez em Hollywood, no qual coloca o mundo do cinema como personagem principal.
Com concorrentes tão fortes, bons filmes como Adoráveis Mulheres e História de um Casamento, além de Ford vs Ferrari, ficam em segundo plano. Seriam zebras totais caso vencessem.
Martin Scorsese, Todd Philips, Sam Mendes, Quentin Tarantino e Bong Joon Ho disputam a estatueta de melhor diretor. Disputa muito equilibrada. Pode ser Sam Mendes pela proeza técnica, Scorsese pela consistência, Tarantino pela fluidez narrativa, Todd Philips pela força, Bong Joon Ho pela originalidade. Em tese, o vencedor deve fazer par com a produção que for considerada melhor filme. Afinal, o melhor filme é o mais bem dirigido, não? No entanto, nem sempre é assim.
O prêmio de melhor ator deve ir para Joaquin Phoenix, por Coringa, pois é atuação mais impressionante. E o de atriz não deve escapar de Renée Zellweger com sua caracterização precisa e comovente de Judy Garland em Judy.
No geral, um Oscar de ótimo nível, com alguns filmes fora de série disputando os troféus principais e chamando a atenção para os graves problemas sociais contemporâneos.
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