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Oscar 2023: ‘Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo’ faz jus a seu nome com uma audácia de tirar o fôlego

Filme com 11 indicações para o prêmio faz sucesso principalmente entre os jovens, indicando uma mudança geracional na cultura cinematográfica

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Por Ann Hornaday
Atualização:

The Washington Post - O cinema hoje está um caos.

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Cadeias de salas estão implodindo. Os estúdios enfrentam dificuldades. Os streamers vêm tentando desesperadamente ganhar assinantes e recuperar os que perderam. A resposta, claramente, é mais filmes de quadrinhos. A menos que seja horror. Ou nostalgia boomer.

Como disse o roteirista William Goldman sobre Hollywood: “Ninguém sabe de nada”. A indústria do cinema sempre foi um empreendimento impulsionado mais pelo medo e pelo instinto do que por fórmulas infalíveis. Mas algo mudou em 2022, quando a incerteza e a desestabilização que permearam a indústria migraram para dentro dos filmes em si. Os espectadores que se aventuraram para além da reconfortante familiaridade de um filme de ação da velha-guarda como Top Gun: Maverick provavelmente se sentiriam bombardeados com histórias que pareciam inchadas, digressivas e quase patologicamente confusas.

E estamos falando só dos filmes do Oscar.

Em Elvis, o indicado ao prêmio de melhor ator Austin Butler mal conseguiu abrir caminho em meio à confusão frenética e hipereditada de imagens e agulhadas de Baz Luhrmann para apresentar um retrato surpreendentemente tocante do ídolo pop Elvis Presley. Babilônia, de Damien Chazelle, concorrendo a prêmios de design de produção, figurinos e música, foi menos um presente para a Hollywood dos anos 1920 do que um exemplo disperso e nervoso da própria libertinagem que narrava. Triângulo da Tristeza, a crítica aguçada de Ruben Östlund à desigualdade de riqueza e aos caprichos do poder sexual, saiu erraticamente dos trilhos numa sequência surrealmente estendida na qual a sala de jantar de um iate de luxo se torna um vomitório escorregadio. Mesmo os filmes mais contidos do ano, Os Banshees de Inisherin e Tár, desviaram-se para um território desequilibrado, com seus protagonistas - interpretados por Brendan Gleeson e Cate Blanchett, respectivamente - ficando ferozes quando viram ameaçada sua defesa ferina da pureza da arte.

Mas, se 2022 teve um exemplo máximo foi Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que com 11 indicações e uma série de prêmios de sindicatos influentes é o provável favorito para melhor filme. Escrito e dirigido por Daniel Scheinert e Dan Kwan (conhecidos como “os Daniels”), Tudo em Todo Lugar fez jus a seu nome com uma audácia de tirar o fôlego, mergulhando a personagem principal - uma dona de lavanderia interpretada por Michelle Yeoh - em sucessivas realidades alternativas dentro de uma multiverso bizarro e sempre crescente. Frenético e meticuloso, de coração aberto e impressionado consigo mesmo, cosmicamente sábio e comicamente juvenil, Tudo em Todo Lugar se tornou um grande sucesso no ano passado, graças em grande parte às repetidas exibições entre o público jovem, indicando uma mudança geracional na cultura cinematográfica que finalmente se infiltrou na própria gramática cinematográfica.

Essa gramática ultrapassou os clássicos de 100 minutos do século 20. Já fazia um tempo que os espectadores vinham tolerando filmes longos demais, mas a safra de filmes de 2022 foi de arrepiar: um cálculo aproximado chega a um tempo médio de execução de 2 horas e 40 minutos, o que significa que levaria mais de um dia para se passar por todos os 10 indicados a melhor filme.

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A duração não é tudo, claro: quando olhávamos para nossos relógios de pulso em vez de nossos computadores de bolso, O Poderoso Chefão marcava pouco menos de três horas e parecia passar voando. As 3 horas e 12 minutos do último Avatar, por outro lado, se movem como o lodo primal de Pandora. O problema com os filmes do ano passado - a frustração e a alienação que muitos espectadores sentiam, mas não conseguiam articular - foi uma falta de disciplina que era menos uma questão de expressão artística irrestrita do que de autoindulgência e incoerência. Não apenas os filmes do Oscar, mas longas como Amsterdam e Ruído Branco também se encaixam nessa categoria: investidas descaradamente ambiciosas que, apesar de toda a óbvia paixão pessoal, pareciam esquecer o valor cinematográfico fundamental da compreensão do público - e, não por acaso, do prazer.

As razões para a desconexão são tanto estruturais quanto psicológicas: já se foram os dias dos magnatas tirânicos dos estúdios que sempre mandavam os diretores cortar 40 minutos dos filmes - hoje os estúdios exercem esse tipo de controle mais com franquias de quadrinhos e outros veículos dependentes de propriedade intelectual, em que o fan service precisa ser fornecido com regularidade metronômica por meio de uma série de batidas predeterminadas na trama. Enquanto isso, os streamers cortejaram diretores como Martin Scorsese e Adam McKay, dando a eles rédea solta para expressar suas visões - com resultados tediosos e completamente malucos, respectivamente. A Netflix anunciou no ano passado que não se dedicaria mais ao modelo de negócios de jogar dinheiro em grandes nomes e esperar que tudo ficasse bem, concentrando-se, ao contrário, em filmes “maiores, melhores [e] em menor número”.

O efeito do streaming foi duplo: os cineastas foram tão seduzidos por séries e podcasts compulsivos quanto o resto de nós, e eles claramente invejam as tocas do coelho e os intermináveis segundos atos que deixam esses meios tão viciantes. Mas, com poucas proteções tradicionais para manter os diretores no caminho certo, os resultados de seus experimentos formais muitas vezes parecem menos mergulhos profundos e desafiadores (mas acessíveis) do que assistir alguém ficar chapado com sua própria droga.

Ampliando o quadro, porém, vemos que o atual estado de desarranjo dos filmes não é apenas compreensível. Talvez seja inevitável.

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Embora já tivéssemos visto filmes feitos durante o lockdown da covid, 2022 pode ter sido o primeiro ano dominado por filmes concebidos e criados em meio aos tumultos dos últimos cinco anos - choques que incluíram não apenas uma pandemia global, mas o assassinato de George Floyd, a polarização que explodiu em insurreição no 6 de janeiro de 2021 e um número vertiginoso de tiroteios em massa, desastres naturais e colapsos cívicos, no micro e no macro. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo foi só um dos vários filmes recentes que se centraram na ideia do multiverso, numa época em que escapar para um mundo paralelo ficou bem atraente. Na era em que a “grande mentira” e as teorias da conspiração QAnon ganharam força em meio à rápida desintegração da confiança social, não é de surpreender que uma sensação vacilante de incerteza e indeterminação tenha se infiltrado no cinema do país: o que está saindo do controle na tela mal arranha a superfície do caos incompreensível que é a vida real agora.

Assim como os filmes do final dos anos 1960 e início dos 70 refletiam as ansiedades dos baby boomers - provocadas pela Guerra do Vietnã, pelos assassinatos dos Kennedys e do reverendo Martin Luther King Jr. e por conflagrações da época - os longas de hoje estão mergulhados em transformações e conflitos geracionais. Com a hegemonia dos boomers sobre a cultura pop e a política finalmente começando a recuar, os millenials e a geração Z estão trazendo seus sistemas simbólicos para um meio que provou ser elástico nos últimos 100 anos.

Considerando que referências como Bonnie e Clyde, A Primeira Noite de um Homem e Easy Rider seguiram as senhas gramaticais da Nouvelle Vague francesa e do documentário cinéma vérité, filmes como Tudo em Todo Lugar e Não! Não Olhe! - outro grande sucesso de 2022 - estão bebendo de fontes como filmes e videogames da Pixar, filmes de artes marciais, sucessos de bilheteria de super-heróis, Jurassic Park e M. Night Shyamalan. O que aos espectadores mais velhos podem parecer narrativas tão desconexas que são praticamente impossíveis de assistir faz todo o sentido para os espectadores cuja atenção foi moldada pelas rolagens de tela infinitas do YouTube e do TikTok.

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Vale lembrar que a maioria dos indicados a melhor filme deste ano não são da Geração do Milênio nem da Geração Z: são da geração que está começando a entender, ainda que vagamente, que seu controle sobre a cultura já não é mais absoluto. Curiosamente, quase todos os filmes da lista são sobre traumas, seja a destruição ambiental de Avatar, a devastação da guerra de Nada de Novo no Front ou a violência sexual de Entre Mulheres. (Em Os Fabelmans, até o sempre otimista Steven Spielberg revisitou sua juventude em meio à dor do divórcio dos pais e ao antissemitismo que ele enfrentou quando adolescente). Dos filmes mais comentados em 2022, apenas Top Gun saiu ileso, com seu triunfalismo perfeitamente vago, intocado por um vilão de verdade (o país que o piloto de Tom Cruise ataca continua nitidamente anônimo) ou uma postura política legível além do “América, é isso aí”.

Esse asseio sem dúvida é responsável por grande parte do encanto de Top Gun, mesmo que pareça cada vez menos provável que o apelo convencional coloque o filme no topo do Oscar. Se o zeitgeist exercer sua atração inexorável, é mais provável que um filme bagunçado e desrespeitoso que oscila entre ousadia e excesso superficial, sinceridade genuína e perversão conflituosa, receba as maiores honras da noite. Em tempos tão enervantes e superdeterminados como estes, o puro caos talvez seja a única resposta racional. TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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