O longa Ainda Estou Aqui alcançou um feito inédito na história do cinema brasileiro, sendo indicado a três categorias do Oscar — Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. A obra de Walter Salles conta a história da família Paiva durante a ditadura militar brasileira.
Quando Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado federal e patriarca da família, é raptado pelo regime militar, cabe a Eunice Paiva (Fernanda Torres), esposa de Rubens e mãe dos seus cinco filhos, desvendar o mistério do seu desaparecimento e manter a memória de seu marido viva, protegendo a sua família no processo.

A trama é baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice. O escritor, inclusive, está presente no longa, sendo interpretado por Guilherme Silveira quando criança e por Antonio Saboia como adulto.
Além de Marcelo, as outras quatro irmãs Paiva também estão no longa — Veroca (Valentina Herszage e Maria Manoella), Nalu (Barbara Luz e Gabriela Carneiro da Cunha), Eliana (Luiza Kosovski e Marjorie Estiano) e Babiu (Cora Mora e Olívia Torres).
O diretor Walter Salles era amigo da família e, quando criança, frequentava a casa dos Paivas. Para ele, representar aquelas pessoas foi uma responsabilidade imensa. “As irmãs de Marcelo, Veroca, Eliana, Nalu, Babiu nos deram entrevistas preciosas, e muito do que elas nos disseram acabaram influenciando cenas do filme”, afirmou o cineasta à revista Veja.
Leia também
Mas afinal, o que pensam os filhos de Rubens e Eunice sobre o filme? O Estadão separou as falas dos cinco filhos e suas opiniões distintas sobre a obra de Walter Salles, a interpretação de Fernanda Torres e a corrida pelo Oscar. Confira:
Marcelo Rubens Paiva

“Eu e minhas irmãs estamos sofrendo, revivendo, falando sobre isso”, afirmou o escritor à Coluna da Alice Ferraz, do Estadão, ao falar sobre a movimentação entorno do filme. “Voltamos a falar sobre o que aconteceu naquele momento”, disse. “O filme é a minha mãe”, revelou.
O escritor é responsável pelo livro que originou o filme e, apesar de já ter se declarado parcial, acredita nas chances do longa no Oscar. “As chances de ganharmos Melhor Filme Internacional são fortes”, escreveu o escritor em seu perfil no X, o antigo Twitter.
“Minha aposta: ela [Fernanda Torres] ou a maravilhosa Mikey Madison ganham o Oscar”, palpitou sobre a categoria de Melhor Atriz. Em Melhor Filme, Marcelo acredita que o prêmio deve ficar entre Conclave e Anora.
Vera Paiva, a Veroca

“É difícil, porque a imagem do Marcelo, claro, sou eu, somos nós, mas na perspectiva dele de um lado, encarnados por atores e atrizes maravilhosos”, afirmou Vera Paiva durante sua participação no Altas Horas. Atualmente, a irmã mais velha é professora titular da Universidade de São Paulo (USP).
“É uma surpresa a gente ter a vida assim pública nesse momento histórico em particular no Brasil”, relatou Vera. Apesar do estranhamento natural de se ver na tela, a irmã mais velha elogiou os responsáveis pelo longa. “Eu sempre falo que tenho vontade de chamar a Fernanda Torres de mamãe, porque ela realmente encarnou total”, disse, elogiando a atuação da atriz brasileira.
Maria Eliana Paiva

“Me aflige um pouco, porque é a minha família, mas ao mesmo tempo não é”, afirmou Eliana Paiva à revista Marie Claire. A filha, que hoje tem 68 anos, é professora e jornalista. Ao lado de Eunice, Eliana foi torturada após o desaparecimento de Rubens. Apesar de ter se emocionado com o filme, Eliana não é capaz de apreciá-lo com o distanciamento emocional necessário.
“O filme é muito bom, mas tem muita ficção. Situações reais que foram condensadas de forma dramática. Depois, conheço a história de cor e salteado. E também não tenho interesse em apreciar aspectos técnicos do filme, porque não consigo ter a distância necessária para fazer isso.”
“Não me vejo representada ali. Vera falou que queria chamar a Fernanda Torres de mamãe, mas não vejo a Eunice ali. Vejo uma Eunice elaborada para um filme, uma belíssima personagem. É um filme que conta uma história da minha família, mas quase ficcional.”
Ana Lúcia Paiva, a Nalu

“Eu me senti vingada por esse filme”, afirmou Ana Lúcia Paiva ao jornal O Globo. “É uma palavra horrível, né? Uma amiga disse para eu usar outra palavra. Quer saber? Torturaram e mataram o meu pai, olha a vida que a minha mãe teve, que a gente teve. E olha como eu estou me vingando: com um filme!”
Atualmente, a empresária mora na França, mas sempre que pode retorna ao Brasil. Ela, inclusive, foi quem apresentou Walter Salles à família Paiva durante a década de 1970. “O mundo todo está vendo a nossa história, a história que a gente precisou esconder da vida toda, que o Brasil escondeu. Agora, eu quero saber em detalhes o que aconteceu com o meu pai, como o mataram e o que fizeram com o corpo. Eu quero saber”, afirmou.
Apesar das palavras fortes, Nalu é só elogios ao longa. Em especial, destacou as atuações de Bárbara Luz, que a interpretou na juventude, e Fernanda Torres. “A Fernanda é maravilhosa!”, afirmou Nalu ao site gshow.
“Eu acho que ela trabalhou muito, realmente fez um trabalho interno para conseguir encarnar a minha mãe. É impressionante. E não é fácil porque ela tinha que manter toda essa retenção, calma e essa coisa contida da minha mãe, algo que a Fernanda não é assim naturalmente.”
Maria Beatriz Paiva, a Babiu

“Assisti ao filme com os meus irmãos no Festival de Veneza. Eu só chorava. Foi uma catarse”, afirmou Mariz Beatriz Paiva ao O Globo. Aos 64 anos, a professora e psicóloga revelou o quanto o longa de Walter Salles mexeu com suas memórias e sua emoção.
“Senti uma tristeza muito forte, um luto, que durou semanas. Até pensei em voltar para a terapia. Nunca tive coragem de perguntar para a minha mãe sobre a prisão. Uma amiga teve pesadelos com as cenas na prisão. É um filme que mexe com muita gente, até com quem não viveu o horror da ditadura. Para mim, foi como encostar o dedo numa ferida aberta, que sempre sangra.”
Caçula da família, Babiu também foi só elogios para a atuação de Fernanda Torres. “Minha mãe era o silêncio em pessoa. Ela não chorava. Levantou a cabeça e seguiu em frente. Ela era muito contida e racional. Quando dava entrevistas sobre o caso do meu pai, se mostrava uma mulher muito calma e inteligente. E era mesmo. Vi muito dela na atuação brilhante da Fernanda Torres. Mas ela também tinha um outro lado, bem-humorado, soltava umas frases engraçadas”, revelou.