Oscar justifica silêncio em caso de prisão de cineasta palestino: ‘Respeitar opiniões divergentes’

Hamdan Ballal, codiretor de ‘Sem Chão’, foi preso por soldados israelenses nesta segunda-feira, 24; Academia evitou se manifestar sobre o caso

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Por Daniel Vila Nova

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, entidade responsável pelo Oscar, enviou um comunicado para os seus membros nesta quinta-feira, 27, respondendo às críticas que recebeu após não se manifestar sobre a prisão do cineasta palestino Hamdan Ballal pelo governo de Israel.

O diretor, que venceu o Oscar de Melhor Documentário com seu filme Sem Chão, foi atacado por colonos judeus na Cisjordânia e, posteriormente, levado sob custódia militar e detido e agredido ao longo de madrugada em uma delegacia em Israel. Segundo relato do cineasta, a prisão ocorreu como retaliação pelo longa, que aborda o conflito na região.

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“Vivemos um momento de profundas mudanças, marcado por conflitos e incertezas – ao redor do mundo, nos Estados Unidos e dentro de nossa própria indústria", afirmou a nota assinada por Bill Kramer e Janet Yang, diretor-executivo e presidente da Academia, respectivamente.

“Somos frequentemente solicitados a nos pronunciar em nome da Academia em resposta a eventos sociais, políticos e econômicos”, continuou o comunicado. “Nessas circunstâncias, é importante lembrar que a Academia representa quase 11.000 membros globais, com muitas perspectivas divergentes.”

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“No entanto, estamos unidos na crença compartilhada sobre a importância da narrativa, no valor da empatia e no papel do cinema como um catalisador. Como organização, nosso foco continua sendo a celebração das vozes criativas que compõem a comunidade cinematográfica global – e o apoio à sua liberdade de criar, desafiar e imaginar", finalizou o texto, divulgado pelo cineasta israelense Yuval Abraham, codiretor de Sem Chão, em suas redes sociais.

Os codiretores Hamdan Ballal e Rachel Szor posam com seus Oscars; os dois fazem parte do coletivo de diretores de 'Sem Chão', que ganhou o prêmio da Academia por melhor documentário Foto: Adam Rose/The Academy

O comunicado até afirma que a Academia “condena qualquer forma de dano ou supressão de artistas por seu trabalho, ou por suas opiniões”, mas não cita nominalmente Hamdan Ballal ou faz menção de sua prisão.

Em seu perfil no X, o antigo Twitter, Abraham lamentou a nota e criticou a falta de apoio, relembrando outras instâncias em que a Academia se posicionou de forma muito mais enfática após cineastas serem atacados por outros governos.

“A Academia dos Estados Unidos, que nos concedeu um Oscar há três semanas, se recusou a apoiar publicamente Hamdan Ballal enquanto ele era espancado e torturado por soldados e colonos israelenses”, escreveu o cineasta nesta quarta-feira, 26, antes da nota divulgada para os membros da entidade.

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O cineasta palestino Hamdan Ballal é atendido em um hospital de Hebrom após ser liberado da prisão por Israel. Foto: @IhabHassane via X

Na postagem, Abraham destacou que a Academia Europeia expressou solidariedade, assim como várias outras premiações e festivais. Contudo, a pressão de membros da Academia dos EUA, especialmente da categoria de documentários, não foi suficiente para que a entidade tomasse uma posição pública.

“Nos disseram que, como outros palestinos também foram agredidos durante o ataque dos colonos, isso poderia ser considerado não relacionado ao filme, e por isso não viram necessidade de responder”, afirmou o diretor.

Leia a nota da Academia na íntegra:

Caros membros da Academia,

No coração da Academia está o compromisso de honrar a excelência nas artes e ciências do cinema e conectar o mundo por meio do poder dos filmes. Fazemos isso através do nosso trabalho no Oscar, de nossas exposições e programas, de nossos esforços de preservação e educação, e muito mais. Acreditamos profundamente na capacidade do cinema de iluminar, provocar reflexão e construir pontes, oferecendo uma janela para diversas experiências humanas.

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Acreditamos fundamentalmente que o cinema tem o poder de iluminar audiências globais e destacar diferentes perspectivas – e incentivamos nossos membros a usarem sua arte para isso. A Academia condena qualquer forma de dano ou supressão de artistas por seu trabalho ou por suas opiniões.

Estamos vivendo um momento de profundas mudanças, marcado por conflitos e incertezas – ao redor do mundo, nos Estados Unidos e dentro de nossa própria indústria. Compreensivelmente, somos frequentemente solicitados a nos pronunciar em nome da Academia em resposta a eventos sociais, políticos e econômicos. Nessas circunstâncias, é importante lembrar que a Academia representa quase 11.000 membros globais, com muitas perspectivas divergentes.

No entanto, estamos unidos na crença compartilhada sobre a importância da narrativa, no valor da empatia e no papel do cinema como um catalisador. Como organização, nosso foco continua sendo a celebração das vozes criativas que compõem a comunidade cinematográfica global – e o apoio à sua liberdade de criar, desafiar e imaginar.

Permanecemos firmes nesse trabalho e somos gratos por caminhar ao lado de cada um de vocês nessa jornada.

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Bill Kramer e Janet Yang.