Foi constrangedor. Presidente da comissão que escolheu ontem o candidato brasileiro à indicação para uma vaga no Oscar, o cineasta Bruno Barreto alegou um compromisso - um almoço - e abandonou rapidamente o prédio da Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino, onde foi feita a escolha. Substituiu-o o produtor gaúcho Beto Souza, que foi curto e grosso. Depois de uma deliberação que, na verdade, foi rápida - segundo a assessoria da Cinemateca -, a comissão estabeleceu dois critérios de avaliação. Um, naturalmente, artístico, e outro nascido de uma certa elucubração. Qual seria o filme com mais chances de agradar aos ‘velhinhos’ da Academia.
Com base nesses dois critérios, o escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2017 foi... Pequeno Segredo, de David Schürmann, um filme que ninguém viu ainda - só os integrantes da comissão. A surpresa do pequeno grupo de jornalistas presente à coletiva apenas antecipou a repercussão que, em seguida, chegou às redes sociais. Pequeno Segredo estreia nacionalmente em 10 de novembro, mas, para cumprir o protocolo do prêmio, terá algum lançamento localizado no País até o fim do mês. Anna Muylaert, indicada no ano passado por Que Horas Ela Volta? - e que retirou Mãe Só Há Uma da disputa -, imediatamente postou que a decisão enterra muito mais que um filme, referindo-se a Aquarius, de Kleber Mendonça Filho.
Havia a expectativa de que Aquarius fosse escolhido, justamente por conta da repercussão nacional e internacional que o filme está tendo. Desde a ‘atitude’ da equipe do filme, protestando contra o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na escadaria do Festival de Cannes, o filme virou emblema de um estado de insatisfação com muita coisa que ocorre no Brasil atualmente. Em bom português, numa época em que até o presidente da Câmara enche o peito para dizer que é de ‘direita’, Aquarius virou o emblema do que seria, ou é, a ‘esquerda’. Em Gramado, onde assistiram à apresentação do filme - fora de concurso - como parte da homenagem a Sonia Braga, o ministro Marcelo Calero, da Cultura, e o secretário do Audiovisual, Alfredo Bertini, foram vaiados aos gritos de ‘golpistas’.
Surgiram suspeitas quanto à idoneidade da comissão do Oscar. Dois de seus integrantes demitiram-se e foram substituídos (por Carla Camurati e Bruno Barreto). Não ajudou muito o presidente da comissão ter desaparecido e se tornar incomunicável. De repente, todos os telefones que a assessoria do Ministério da Cultura forneceu ao repórter, no fim da coletiva na Cinemateca, pararam de funcionar. Só caixa postal, de alguns, e nenhuma resposta.
De Toronto, onde participava de uma rodada de entrevistas - Aquarius integra a seleção do festival, considerado vitrine do Oscar -, Kleber Mendonça Filho teve uma reação muito ponderada. Disse que o filme dele propõe a visão mais honesta possível do País atual e por conta disso está tendo uma repercussão interna muito grande - aplausos em cena aberta, quase 200 mil espectadores nos cinemas brasileiros e convites intermináveis para eventos no exterior. Apenas cinco dos nove integrantes da comissão cumpriram a formalidade da coletiva. Quase todos estavam constrangidos, e manifestavam indignação face a qualquer suspeita. O único que comemorava era o crítico Marcos Petrucelli, que desde logo se posicionou nas redes sociais contra Aquarius, tão logo foi integrado à comissão. Petrucelli foi irônico com o repórter - “É que nem futebol. A gente vai ao estádio querendo ver o time ganhar e ele perde.”
O próprio David Schürmann, diretor de Pequeno Segredo, admitiu para o repórter que pulou meia hora de alegria ao saber que ganhou a indicação. Começa agora uma longa batalha para ele. Legitimar-se como candidato brasileiro ao prêmio da Academia. Distribuído pela Diamond, o longa vem ameaçando estrear desde junho. É até possível imaginar que venha a ser beneficiado - 200 mil espectadores, e muitos gritaram ‘Fora, Temer’ no fim das sessões, poderão se sentir logrados e querer conferir o filme que atropelou Aquarius no Oscar.
Leia aqui uma entrevista com o diretor David Schurmann, feita neste domingo, 11. O cineasta afirma, antes de saber da indicação, que Pequeno Segredo é "a cara do Oscar".Veja o trailer de Pequeno Segredo:
Concorrentes. Veja os indicados por outros países para o Oscar 2017:
Alemanha – Toni Erdmann
Arábia Saudita – Barakah Meets Barakah
Armênia – Earthquake
Austrália – Tanna
Áustria – Stefan Zweig: Farewell to Europe
Bélgica – D'Ardennen
Bósnia e Herzegovina – Death in Sarajevo
Coreia do Sul – The Age of Shadows
Croácia – On The Other Side
Cuba – El Acompañante
Egito – Clash
Espanha – Julieta
Finlândia – Hymyilevä Mies
Geórgia – House Of Others
Holanda – Tonio
Hungria – Kills On Wheels
Iraque – El Clásico
Japão – Nagasaki: Memories of My Son
Luxemburgo – La Supplication
Marrocos – A Mile in My Shoes
Nepal – Kalo Pothi
Noruega – The King's Choice
República Dominicana – Flor de Azúcar
Romênia – Sieranevada
Sérvia – Diary of a Train Driver
Suécia – A Man Called Ove
Suíça – Ma Vie de Courgette
Tunísia – The Flower of Aleppo
Ucrânia – Ukrainian Sheriffs
Venezuela – De Longe te Observo
Os brasileiros inscritos. Veja a lista dos 16 filmes brasileiros que estavam inscritos na disputa:
A Bruta Flor do Querer, de Dida Andrade e Andradina Azevedo
A Despedida, de Marcelo Galvão
Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
Até Que a Casa Caía, de Mauro Giuntini
Campo Grande, de Sandra Kogut
Chatô - O Rei do Brasil, de Guilherme Fontes
Mais Forte Que o Mundo - A História de José Aldo, de Afonso Poyart
Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, de José Belisário Franca
Nise - O Coração da Loucura, de Roberto Berliner
O Começo da Vida, de Estela Renner
O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum
O Roubo da Taça, de Caíto Ortiz
Pequeno Segredo, de David Schurmann
Tudo Que Aprendemos Juntos, de Sérgio Machado
Uma Loucura de Mulher, de Marcus Ligocki Júnior
Vidas Partidas, de Marcos Schetchman
Edições passadas. Os filmes brasileiros selecionados para concorrer à indicação nas últimas seis edições do Oscar foram: Que Horas ela Volta?, de Anna Muylaert (2016); Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro (2015); O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho (2014); O Palhaço, de Selton Mello (2013); Tropa de Elite 2: o Inimigo agora é Outro, de José Padilha (2012); Lula, o filho do Brasil, de Fábio Barreto (2011); e Salve Geral, de Sérgio Rezende (2010).