Peter Jackson mostra os Beatles de 1969 sob novo prisma

Diretor usou os vídeos e áudios das gravações do filme ‘Let it Be’ para construir a série ‘Get Back’, que foca no humor, a criatividade e a amizade dos integrantes e não na dissolução da banda

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Por Mariane Morisawa

Peter Jackson tinha um sonho: que, como nas histórias de ficção científica, alguém inventasse uma máquina do tempo. Se ela existisse, o diretor sabe exatamente para onde gostaria de ir: os anos 1960, mais precisamente para um estúdio em que os Beatles estivessem ensaiando ou compondo. 

Série 'The Beatles: Get Back' foca no humor, a criatividade e a amizade dos integrantes e não na dissolução da banda. Foto: Disney+

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Pois seu sonho foi realizado. Durante quatro anos, foi como se ele tivesse se sentado no cantinho, só vendo John, Paul, George e Ringo fazerem sua mágica. O resultado é a série The Beatles: Get Back, que é exibida em três partes, nesta quinta, 25, na sexta, 26, e no sábado, 27, no Disney+. O desejo do diretor vencedor do Oscar por O Senhor dos Aneis: O Retorno do Rei é colocar cada espectador no cantinho daquele estúdio. “Queria que viajássemos 50 anos e que os Beatles nos guiassem”, disse ele em entrevista coletiva à imprensa da América Latina, por videoconferência. “Não queria imagem granulada, nem entrevistas no presente. Queria que estivéssemos lá com eles.”

Lá, no caso, é janeiro de 1969, quando eles preparavam 14 novas canções para seu primeiro show em dois anos, que resultaria em um novo disco e em um documentário. A filmagem foi feita por Michael Lindsay-Hogg para o longa Let it Be, que foi lançado apenas em maio de 1970, junto com o álbum de mesmo nome e um mês depois do anúncio do final da banda. Por causa disso, ficou conhecido como um longa-metragem que documentou a relação desgastada entre os membros da banda e seu fim.

Jackson sempre teve curiosidade de saber se havia material não utilizado no filme de Lindsay-Hogg. A oportunidade se apresentou quando Jeff Jones e Jonathan Clyde, respectivamente CEO e diretor de produção da Apple Corps, a companhia fundada pelos Beatles, convidaram o diretor para conversar sobre realidade virtual e realidade aumentada. O cineasta estava em Londres fazendo pesquisa de imagem no Imperial War Museum para They Shall Not Grow Old, seu documentário sobre a Primeira Guerra Mundial que recuperou vídeos antigos do começo do século passado. 

“Não queria agir como fã, mas acabei perguntando se havia mais material, se tinha sobrevivido”, contou Peter Jackson. E eles confirmaram que havia 60 horas de vídeo e 130 horas de áudio. O cineasta, fã ardoroso da banda, ficou empolgado. Jones e Clyde confessaram que andavam pensando em dar uma olhada no que tinham. “Perguntei: vocês têm um diretor? Porque vão precisar de um. E disse que tinha um tempo disponível. Se eles tivessem interesse, que pensassem em mim”, afirmou Jackson.

Claro que ninguém ia deixar passar a oportunidade de contar com um diretor do calibre de Peter Jackson em um projeto como esse. O cineasta sabia, porém, que, se encontrasse um material tão triste quanto eram os relatos das gravações, deixaria de lado. “Eu pensava: bem, se aquilo que está em Let it Be é o que eles deixaram ser visto, imagine o que eles não querem que o mundo veja?”, contou Jackson. 

Ao começar a analisar as 60 horas, sua preocupação se dissipou. “Eu comecei a rir. Era inacreditável estar vendo Paul compor Get Back”, disse. Há, sim, o momento em que George Harrison abandona a gravação. “Mas isso é da vida, não são os Beatles rompendo.” Porque, na verdade, não era mesmo: era janeiro de 1969, 15 meses antes do anúncio do fim. “Na verdade, o timing para Michael Lindsay-Hogg foi terrível.”

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Essas horas todas ficaram escondidas do mundo porque os próprios Beatles tinham a impressão de que as sessões haviam sido desastrosas. “Foi só quando comecei a mostrar a Paul e Ringo parte das imagens no meu iPad que eles viram que não era nada disso.” 

Para Jackson, são horas e horas das imagens e sons mais íntimos já registrados da banda. O diretor usou as técnicas inventadas por sua equipe para separar os sons de cada instrumento das vozes, recuperando assim as conversas, além de melhorar a qualidade de imagem para parecer o máximo com um filme captado hoje. 

Há humor, há a mágica que eles conseguiam criar juntos e, claro, algumas rusgas. Mas nenhum xingamento. Só muita amizade e companheirismo. Mesmo a presença de Yoko Ono, sempre controversa, pode ser analisada com outros olhos. “Ela está lá porque John está apaixonado”, disse. “Os outros talvez preferissem que ela não estivesse lá, lógico. Mas eles aceitam porque amam John. E Yoko em momento nenhum interfere no que eles estão fazendo.”

No fim, a experiência foi das mais positivas da carreira de Peter Jackson. Não apenas porque ele é fã incondicional, mas porque as observações que achou que viriam simplesmente não vieram. Nem de Paul, nem de Ringo, nem das viúvas Yoko Ono e Olivia Harrison. “Eu recebia páginas e páginas de observações durante O Senhor dos Aneis. E eles simplesmente disseram: É estressante de ver, mas é a história definitiva da época, então não mude nada. Tenho de lhes dar crédito, porque isso é extremamente corajoso.” 

Ele tem a impressão de que Paul McCartney - que, aliás, é fã da trilogia baseada em J.R.R. Tolkien que Jackson dirigiu - está feliz com o resultado, porque desfez a impressão ruim que tinha da gravação. E isso faz o diretor, que em toda sua vida só comprou álbuns dos Beatles, feliz. 

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