Por que filmes de arte estão perdendo público?

Dramas em busca do Oscar não têm plateia grande o suficiente para justificar seus custos

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Por Brooks Barnes

Um ano atrás, Hollywood assistia em desespero a filmes voltados ao Oscar como Licorice Pizza e O Beco do Pesadelo fracassarem nas bilheterias. Parecia finalmente ter chegado o dia em que filmes de prestígio não eram mais viáveis nos cinemas e o streaming havia alterado o cinema para sempre.

Cooper Hoffman e Alana Haim, em 'Licorice Pizza'  Foto: WashingtonPost / WashingtonPost

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Mas os estúdios mantiveram a esperança, decidindo que novembro de 2022 daria uma leitura mais precisa do mercado. A essa altura, o coronavírus não seria um fator tão complicador. Este outono seria uma “última resistência”, como alguns dizem, uma chance de mostrar que mais do que super-heróis e sequências podem ter sucesso. Tem sido uma carnificina.

Um após o outro, os filmes para adultos não conseguiram encontrar um público grande o suficiente para justificar seu custo. Armageddon Time custou cerca de US$ 30 milhões para ser produzido e comercializado e arrecadou US$ 1,9 milhão nas bilheterias norte-americanas. Tár custou pelo menos US$ 35 milhões, incluindo o marketing, e as vendas de ingressos totalizam US$ 5,3 milhões. A Universal gastou cerca de US$ 55 milhões para fazer e comercializar Ela Disse, que também arrecadou US$ 5,3 milhões. Irmãos de Honra custou mais de US$ 100 milhões e gerou US$ 14 milhões em vendas de ingressos.

Banks Repeta e Jaylin Webb, em Armageddon Time  Foto: WashingtonPost / WashingtonPost

Até mesmo um rei das bilheterias como Steven Spielberg teve um começo monótono. Os Fabelmans, baseado na adolescência de Spielberg, arrecadou US$ 5,7 milhões em quatro semanas de exibição limitada. Seu orçamento foi de US$ 40 milhões, sem incluir o marketing. O que está acontecendo?

O problema não é a qualidade, as críticas têm sido excepcionais. No entanto, “as pessoas se sentiram confortáveis assistindo a esses filmes em casa”, disse David A. Gross, consultor cinematográfico que publica uma newsletter sobre os números das bilheterias.

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Desde que os filmes voltados para o Oscar começaram a aparecer nos serviços de streaming no final de 2010, Hollywood teme que eles algum dia desapareçam das salas multiplex. A diminuição da importância das telas grandes foi acentuada em março, quando, pela primeira vez, um filme de streaming, No Ritmo do Coração, da Apple TV+, ganhou o Oscar de melhor filme.

AFRONTA. Não é apenas sobre dinheiro. Hollywood vê a mudança como uma afronta a sua identidade. Os players do poder do cinema há muito se apegam à fantasia de que o mundo cultural gira em torno deles, como se fosse 1940. Mas essa ilusão é difícil de sustentar quando sua única régua de medição – corpos em assentos – revela que as massas não podem ser levadas a assistir aos filmes que eles mais valorizam. Hollywood iguala isso à irrelevância cultural.

Claro, uma multidão central de cinéfilos ainda está aparecendo. Till – A Busca por Justiça, focado em Mamie Till-Mobley, cujo filho, Emmett Till, foi assassinado no Mississippi em 1955, arrecadou US$ 8,9 milhões nos Estados Unidos e no Canadá. Isso é significativo para um filme emocionalmente desafiador. Os Banshees de Inisherin, uma comédia de humor ácido com diálogos carregados de sotaque, também arrecadou US$ 8 milhões, com compradores de ingressos no exterior contribuindo com mais US$ 20 milhões.

DESEMPENHO. “Embora esteja claro que o mercado dos cinemas não se recuperou totalmente, vimos Os Banshees de Inisherin continuar a ter um alto desempenho e gerar conversas entre os espectadores”, informou a Searchlight Pictures em um comunicado. “Acreditamos firmemente que há lugar nos cinemas para filmes que podem oferecer ao público uma ampla gama de experiências cinematográficas.”

Ainda assim, a atenção cruzada é quase sempre o objetivo, conforme destacado pelo quanto as empresas cinematográficas estão gastando em algumas dessas produções. Till – A Busca por Justiça, por exemplo, custou pelo menos US$ 33 milhões para ser produzido e comercializado. E lembre-se: os cinemas ficam com cerca de metade de qualquer receita dos ingressos.

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A esperança é de resultados mais alinhados com A Mulher Rei. Estrelado por Viola Davis como líder de um grupo feminino de guerreiras africanas, filme arrecadou quase US$ 70 milhões nos cinemas locais (US$ 92 milhões em todo o mundo). Custou US$ 50 milhões para ser produzido e dezenas de milhões a mais para ser comercializado.

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Dramas voltados para o Oscar raramente se tornam sucessos de bilheteria. Mesmo assim, costumavam se sair muito bem nelas. O filme sobre a 1.ª Guerra 1917 gerou US$ 159 milhões na América do Norte em 2019 e US$ 385 milhões em todo o mundo. Em 2010, Cisne Negro, estrelado por Natalie Portman como uma bailarina perturbada, arrecadou US$ 107 milhões (US$ 329 milhões em todo o mundo).

A maioria dos estúdios se recusou a fazer comentários para este artigo ou forneceu declarações anódinas sobre estarem orgulhosos dos dramas de prestígio que lançaram recentemente, independentemente da venda de ingressos.

A falta de vontade de se envolver publicamente no assunto pode refletir a corrida anual por prêmios. Ter um candidato rotulado como fraco de bilheteria não é bom para a coleta de votos. (As indicações para o Oscar serão anunciadas em 24 de janeiro.) Ou pode ser porque, nos bastidores, os estúdios ainda parecem estar procurando respostas.

Peça a 10 diferentes executivos de filmes especializados para explicar a bilheteria e você terá 10 respostas diferentes. Há muitos dramas nos cinemas ultimamente, resultando em canibalização; houve muito poucos, levando o público a procurar opções em serviços de streaming. Todo mundo está ocupado assistindo à Copa do Mundo na televisão. Não, são as séries como The Crown que minam esses filmes.

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Alguns ainda estão culpando o coronavírus. Mas isso não convence. Embora inicialmente relutante em voltar aos cinemas, o público mais velho, em sua maioria, passou a ver a ida aos cinemas como uma atividade segura contra o vírus, de acordo com analistas de bilheteria, citando pesquisas. Quase 60% dos compradores de ingressos para A Mulher Rei tinham mais de 35 anos, de acordo com a Sony Pictures Entertainment. Hollywood considera qualquer pessoa com mais de 35 anos como “velha”, e é essa pessoa que normalmente assiste aos dramas.

Talvez seja algo mais sutil? O público mais velho está de volta, sugeriu um executivo de estúdio de longa data, mas o público mais velho e sofisticado não – em parte porque alguns de seus cinemas de arte favoritos fecharam e eles não querem se misturar com as massas do multiplex. (Ele estava falando sério. “Muitas pessoas, muito provavelmente encontrarão um chão pegajoso.”)

Outros veem um problema com o conteúdo. A maioria dos filmes que estão lutando nas bilheterias são pessimistas, chegando em um momento em que o público quer escapar disso. Considere o lançamento bem-sucedido na primavera do divertido Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que arrecadou US$ 70 milhões na América do Norte. O deslumbrado Elvis de Baz Luhrmann rendeu US$ 151 milhões em vendas de ingressos domésticos.

Alguns executivos de estúdio insistem que os totais de bilheteria são uma forma ultrapassada de avaliar se um filme gerará retorno financeiro. A Focus Features, por exemplo, atualizou seu modelo de negócios nos últimos dois anos. Os filmes da empresa, que incluem Tár e Armageddon Time, agora estão disponíveis para aluguel sob demanda – por um preço premium – depois de apenas três semanas nos cinemas. (Antes, os cinemas tinham uma janela exclusiva de cerca de 90 dias.) O dinheiro gerado pelo aluguel premium de residências é substancial, declarou a Focus, embora tenha se recusado a fornecer informações financeiras para apoiar essa afirmação.

LUCRO. A preocupação em Hollywood é que tais esforços ainda sejam insuficientes – que os conglomerados que possuem estúdios cinematográficos especializados decidam que não há retorno suficiente em filmes de prestígio nos cinemas para continuar lançando-os dessa forma. A Disney é proprietária do Searchlight. A Comcast é dona da Focus. A Amazon, da United Artists. Os CEOs dessas empresas gostam de ser convidados para o Oscar. Mas eles gostam ainda mais do lucro.

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“A boa notícia é que agora temos um grande negócio de streaming que podemos seguir e redirecionar esse conteúdo para esses canais”, assegurou Bob Chapek, ex-CEO da Disney, em um evento público em 8 de novembro, referindo-se a filmes de prestígio. (Bob Iger, que desde então voltou a comandar a Disney, pode pensar de forma diferente.)

Outros continuam a defender a paciência. Gross apontou que Os Fabelmans chegará a mais cinemas no próximo mês, na esperança de capitalizar sobre o burburinho das premiações – é um dos favoritos ao Oscar de melhor filme de 2023 – e das férias de fim de ano. Babilônia, de Damien Chazelle, um sonho febril induzido por drogas e sexo sobre o começo de Hollywood, está programado para ser lançado em 19 de janeiro.

“Acho que os filmes vão voltar”, afirmou Spielberg recentemente ao The New York Times. “Eu realmente acho.” TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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