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Quem é Lily Gladstone, premiada atriz de ‘Assassinos da Lua das Flores’; leia entrevista

Atriz é a primeira nativa americana a receber uma indicação ao Oscar de melhor atriz, pelo papel de Mollie Kyle Burkhart no filme de Scorsese. Aos 37 anos, ela viu sua vida mudar com o sucesso da produção: ‘é muita coisa para lidar’, diz

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Por Karen Heller
Atualização:

NEW YORK (THE WASHINGTON POST) - Lily Gladstone, estrela de Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, estava no carro com uma velha amiga quando recebeu uma mensagem de Emma Stone. A atriz de Pobres Criaturas virou “minha irmã nessa coisa toda”, Gladstone diria mais tarde, sendo “essa coisa toda” a temporada de premiações que está a todo vapor. Muitos as veem como as duas favoritas ao Oscar de melhor atriz, que será apresentado em 10 de março. A amiga de Gladstone disse a ela: “Não entendo mais sua vida”.

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Muitas vezes, Gladstone também não entende.

Em questão de meses, depois de mais de duas décadas de carreira, ela se tornou uma estrela, um modelo, um potencial motor de mudança. É muito para qualquer pessoa.

Aos 37 anos, Gladstone fez história: é a primeira nativa americana a receber uma indicação ao Oscar de melhor atriz e a primeira a ganhar um Globo de Ouro – além disso, fez parte do discurso de agradecimento em língua siksiká. O pai de Gladstone é descendente dos povos Blackfoot e Nez Percé. A mãe é branca.

A atriz Lily Gladstone, de 'Assassinos da Lua das Flores', indicada ao Oscar pelo papel. Foto: Laura Hynd /The Washington Post

“Como mulher indígena, Lily derrubou uma muralha que nunca tinha sido derrubada neste país, com certeza não em Hollywood”, disse Julie O’Keefe, mulher osage que trabalhou como consultora de figurino em Assassinos. Foi o primeiro trabalho de O’Keefe no cinema, e agora ela já vai trabalhar numa série da Netflix. Gladstone está ajudando muita gente.

Os papéis indígenas, muitas vezes assumidos por atores brancos durante o reinado dos filmes de faroeste, se tornaram tão raros – menos de um quarto de 1% de todos os papéis com fala, segundo um estudo com 1,6 mil filmes ao longo de 16 anos – que Stacy L. Smith, da Iniciativa de Inclusão Annenberg da Universidade do Sul da Califórnia caracterizou a conquista da atriz de Assassinos como “Efeito Lily Gladstone”.

Entre as prescrições do estudo: “Indicar Lily Gladstone para todos os prêmios” – que basicamente foi o que aconteceu. “Deveria haver muitas pessoas como Lily Gladstone por aí”, disse Smith. Mas não basta ser indicada. “Quero que ela ganhe”, disse Smith sobre o Oscar.

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“Lily é uma artista maravilhosa e tem presença e rosto feitos para o cinema”, escreveu Scorsese por e-mail. “Tudo o que posso dizer é que adoraria trabalhar com ela de novo. Atrizes com esse tipo de talento são raríssimas”.

Lily Gladstone em cena de 'Assassinos da Lua das Flores'. Foto: Apple TV+/Divulgação

Como é estar no centro do turbilhão das premiações? “É maravilhoso, mas é muita coisa para lidar”, disse Gladstone no final do mês passado, durante um almoço com salmão, salada e suco verde no esplêndido hotel de propriedade de seu colega Robert De Niro. Ela parecia bem calma, até feliz, apesar das viagens constantes, da agenda exigente e das entrevistas intermináveis.

Tinha se despido do glamour das aparições na televisão, vestia calça e blusa pretas e um casaco de lã branco – que sugeria o recém-obtido luxo de ser levada de carro de um lado para outro. Gladstone não ostentava as joias imensas que ela geralmente usa para promover artistas indígenas: “Estou dando um descanso para as minhas orelhas”.

Quase todos os dias acontece algo marcante. Ela conheceu sua ídola, Cate Blanchett, em Cannes, onde Gladstone foi aplaudida de pé. E se sentou entre Daniel Day-Lewis (que conhecia seu trabalho em The Unknown Country, de 2022) e Patti Smith na cerimônia do National Board of Review. Gladstone ganhou o prêmio daquela noite. E mais o do New York Film Critics Circle.

Gladstone e Stone – duas Stones na mesma categoria – estão “torcendo muito uma pela outra”, disse ela. “Fico recebendo um monte de mensagens fofas dela. Às vezes desabafamos umas coisas. É uma amizade muito doce”.

Emma Stone, do filme 'Pobres Criaturas', é a maior concorrente de Lily Gladstone no Oscar.  Foto: Atsushi Nishijima/Element Pictures/Divulgação

A vida de Gladstone não anda nada normal. Ela não mora mais em lugar nenhum – a menos que você diga que dá para morar no circuito de premiações e publicidade. “Meu endereço para correspondência fica no subúrbio de Seattle”, disse ela.

Ela é das raras atrizes que nunca se mudou permanentemente para nenhuma das costas. Passou boa parte da carreira em Montana, onde nasceu e viveu até os 11 anos numa reserva Blackfeet e para onde voltou para fazer faculdade. Tinha muitas dúvidas quanto à vida de audições sucessivas.

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“Se eu simplesmente não ouvisse nada além de ‘não’, isso poderia matar meu amor pelo trabalho”, disse ela. “Muitos dos meus professores ficavam pasmos porque eu nunca era chamada, mas, eu sempre soube, sou difícil de escalar”.

Mesmo assim, Gladstone conseguiu trabalhos fixos no teatro da região, fez vários filmes independentes aclamados e esteve numa série de televisão elogiada (Reservation Dogs).

Lily Gladstone e Leonardo DiCaprio em 'Assassinos da Lua das Flores'. Foto: Apple TV+/Divulgação

Parte disso se deve ao seu comprometimento com os papéis e os projetos. Kelly Reichardt dirigiu Gladstone em First Cow e Certas Mulheres, este último fundamental para sua entrada em Assassinos. Quando Gladstone fez o teste para Certas Mulheres, “ela não se limitou a ler a cena. Ela se vestiu para o papel e engessou o braço”, disse a diretora. Durante as filmagens, Gladstone foi morar na fazenda onde eles estavam filmando as cenas ao ar livre e começou a fazer as tarefas que sua personagem fazia. “Ela é uma potência. Tem uma presença incrível. Ela se destaca”, disse Reichardt.

“Fiquei absolutamente fascinado por Lily no filme [Certas Mulheres] – por sua presença, por sua confiança no silêncio e na simplicidade”, observou Scorsese, “e por seu domínio do ‘instrumento’, como dizem alguns atores. Foi como assistir a um dos grandes atores do cinema mudo”.

Assassinos da Lua das Flores

Assassinos da Lua das Flores conta a história real dos osages assassinados por causa de seus direitos sobre o petróleo do território no início da década de 1920 e se baseia no aclamado livro de David Grann. Gladstone é o centro e a bússola moral do filme, contracenando com De Niro e Leonardo DiCaprio no papel de seu interesse amoroso, Ernest. Ela ilumina o filme. Os elogios por sua atuação como Mollie Kyle Burkhart foram universais. “Atuação com conhecimento sereno”, escreveu Ann Hornaday no Post. A vida de Gladstone explodiu da melhor maneira possível.

“Lily sempre acreditou que merecia estar onde está agora”, disse Reichardt. “E agora os deuses estão sorrindo para ela”. Este momento foi imaginado desde cedo. “Meu pai sempre deixou a palavra ‘Oscar’ no ar desde que eu era criança”, disse Gladstone. “É o que um bom pai faz para encorajar sua filha na busca de um sonho”. Seu álbum escolar, como já se disse por toda parte, previa que ela “tinha grande chance de ganhar o Oscar”.

Quando Scorsese disse à sua diretora de elenco, Ellen Lewis, “obviamente precisamos pensar em Mollie”, ela respondeu: “Acho que não vamos ter problemas”.

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Lewis e Rene Haynes, especialistas em encontrar atores para papéis de nativos americanos, montaram o elenco do filme, que tem 63 papéis indígenas nos créditos. Para Mollie, elas sugeriram quatro ou cinco atrizes, “mas sabíamos muito bem que Lily ficaria com o papel”, disse Lewis em entrevista por telefone. “Ela tem uma gravidade, uma quietude e uma inteligência que eram essenciais para o papel de Mollie”.

O roteiro inicial de Scorsese, coescrito com Eric Roth, “tinha só três cenas com Ernest e Mollie. Seu foco principal era o FBI”, disse Gladstone. Em outras palavras, uma história de salvadores brancos. “Fiquei com a sensação de que Mollie era uma personagem de terceira categoria. Foi decepcionante”.

Mas era Scorsese. E atores não dizem não para Scorsese.

Lily Gladstone e Martin Scorcese em 'Assassinos da Lua das Flores' Foto: Apple TV+/Divulgação

DiCaprio, originalmente escalado como chefe do FBI antes de assumir o papel de Ernest, também tinha problemas com o roteiro original, segundo o diretor. “Leo perguntou: ‘Qual é o coração da história?’ Percebi que o cerne da história era Ernest e Mollie”, lembrou Scorsese.

Aí veio a pandemia. A vida parou. Ao que parece, o mesmo aconteceu com Assassinos. Gladstone achou que Scorsese tinha desistido. Estava prestes a se inscrever em um curso de análise de dados, com o cartão de débito em mãos, para tentar um trabalho sazonal de rastreamento de vespas para o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos quando recebeu outro telefonema. Além disso, o roteiro tinha sido completamente reformulado.

“Tudo o que me preocupava no ano anterior simplesmente desapareceu”, disse ela. “Agora era uma personagem que tinha espaço para pensar um pouco. Fiquei chocada”. (O FBI é que tinha virado um personagem de terceira, entrando só na marca de duas horas no filme de 3 horas e 26 minutos). Gladstone fez exatamente uma leitura do roteiro por Zoom com Scorsese, outra com o diretor e DiCaprio, e o papel era dela.

“Fiquei impressionado com sua inteligência, sua compreensão do papel”, observou Scorsese, “e quase imediatamente soube que era ela quem iria interpretar Mollie”. O papel, que exige que Gladstone fique muito doente e chore por muitas, muitas mortes, parecia “uma maratona em vários níveis”, disse a atriz.

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Lily Gladstone com seu Globo de Ouro por 'Assassinos da Lua das Flores'.  Foto: Mario Anzuoni/REUTERS

Gladstone optou por passar a manhã das indicações ao Oscar em Osage County, Oklahoma, onde Assassinos foi filmado. Lá, ela se aproximou das pessoas da comunidade, aprendeu a língua osage e se inspirou nas memórias da neta de Mollie, Margie Burkhart. “Eu não estaria vivendo este momento se não tivesse contado a história das irmãs Kyle e Mollie. Eu queria estar lá nessa hora”, disse ela.

Depois de Nova York, ela viajaria para Washington, apresentaria um painel com Scorsese no Museu Smithsonian do Indígena Americano e se encontraria com a secretária do Interior, Deb Haaland, descendente do Pueblo de Laguna, que já havia ligado para Gladstone após seu triunfo no Globo de Ouro. Depois partiria para Londres, Madrid e Roma.

Embora Gladstone seja conhecida pela quietude e graça de suas atuações – Mollie usa seus cobertores como se fossem vestes da realeza – “minha propensão para atuar surgiu de ser excessivamente expressiva e exagerada”, disse ela. Bernadette Sweeney, que dirigiu Gladstone durante a faculdade, disse que “Lily tem um alcance fantástico e é muito engraçada. Definitivamente tem repertório para esse trabalho também”.

Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone em 'Assassinos da Lua das Flores'. o filme está disponível no AppleTV+ Foto: Apple TV+/Divulgação

O primeiro amor de Gladstone foi o balé. “Eu era muito performática, muito grande e muito barulhenta quando criança. Mesmo quando dançava, eu era considerada uma atriz”. Grace Perez, uma querida amiga do ensino médio, disse: “Lily na verdade é super brincalhona, super nerd” – com um amor descarado pelos ewoks de Star Wars – “mas também é uma pessoa adorável que nunca hesitou em ajudar os outros ou usar sua plataforma para o bem”.

Na vida, “meus movimentos são grandiosos e exagerados, mas para a câmera você reduz a escala, porque ela capta tudo”, disse Gladstone. “Para ser interessante, você precisa se interessar. Quando assisto a filmes, sempre fico olhando para a pessoa que está ouvindo, para quem está juntando as peças, porque é isso que a gente faz quando está na plateia”.

Existe esse “arquétipo do índio estoico, e Mollie é uma personagem muito estoica. Tem muita comunicação não-verbal”, disse Gladstone. “Aquela geração osage era muito assim em público. Era uma espécie de mecanismo de sobrevivência. Mas, quando você reúne um monte delas, quando as irmãs se encontram, não é preciso ter esse tipo de decoro”.

Talvez Gladstone possa resolver um dos mistérios não resolvidos de Assassinos. Não os assassinatos, mas o romance. Mollie é sábia, observadora e muito rica por causa de sua parte no dinheiro do petróleo das terras dos Osage. O Ernest de DiCaprio é tonto e preguiçoso, um péssimo partido, um falastrão que logo de cara confessa adorar mulheres, uísque e dinheiro. Por que Mollie aceitaria um idiota desses?

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“Há algo especial no casamento simples, especialmente para as mulheres osages. É uma sociedade matrilocal, e elas vivem numa época em que sempre lhes dizem que são ‘incompetentes’ para gerir as próprias finanças”, disse Gladstone. “Mollie encontrou um cara bonito e maleável que sabia preencher os cheques que ela precisava que ele assinasse”. Mesmo com cabelos oleosos e prótese no nariz e nos dentes”, observou Gladstone, “Leo nunca fica feio”.

O futuro

Gladstone se estabeleceu como uma atriz que exala força no silêncio. “Tem muita coisa acontecendo nas entrelinhas. Ela não precisa se expressar verbalmente”, disse Sterlin Harjo, cineasta do povo Seminole e cocriador de Reservation Dogs, que dirigiu Gladstone em dois episódios. “O monólogo está nos olhos dela. Quando ela fala, é a cereja do bolo. A maneira como ela se comporta nesses silêncios e na vida é muito poderosa”.

Para Gladstone, “as oportunidades são ilimitadas. Acho que ela é uma grande, grande atriz”, disse Lewis. Em décadas de escalação para filmes, ela só se sentiu assim uma vez, quando encontrou a então pouco conhecida Margot Robbie para O Lobo de Wall Street, de Scorsese. “O resto é história”, disse Lewis.

JaNae Collins, Lily Gladstone, Cara Jade Myers e Jillian Dion em 'Assassinos da Lua das Flores'. Foto: Apple TV+/Divulgação

De fato, os roteiros já começaram a chegar. Gladstone chegou àquele lugar mágico onde ela escolhe os projetos, e não o contrário. Assinou contrato para estrelar The Memory Police, com roteiro de seu roteirista favorito, Charlie Kaufman (Adaptação, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças), dirigido por Reed Morano (The Handmaid’s Tale) e com Scorsese na produção executiva.

O papel não é especificamente indígena, mas “qualquer personagem que eu assuma, seja explicitamente nativa ou não, será nativa porque é quem eu sou”, disse Gladstone.

“Ela pode fazer qualquer papel. Lily não será definida por ser uma pessoa indígena fazendo um papel indígena”, disse Haynes, especializada em escalar atores nativos. “Mas eu estaria mentindo se não dissesse que todo mundo que me liga agora está atrás de Lily. Todo mundo quer Lily”.

Às vezes, uma indicação, uma vitória, vira algo mais. “Todos os nativos estão torcendo por ela”, disse Harjo. “Lily agora é do mundo. Isso é uma grande vitória. Muda tudo para todos nós”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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