Rodrigo Santoro: ‘Ainda vamos descobrir nossa identidade’, diz ator sobre o cinema brasileiro

Em entrevista ao ‘Estadão’, o ator fala sobre a animação Arca de Noé, na qual dubla a voz do ratinho Vini, de paternidade e sobre como vê o cinema nacional que, segundo ele, caminha para uma pluralidade maior de temas; veja vídeo

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

Antes mesmo de querer ser ator, ainda na infância, Rodrigo Santoro gostava de abaixar o volume da TV e fazer as vozes de quem estava na tela, preferencialmente em desenhos. Às vezes, cismava em dublar algum adulto, exagerando ainda mais na voz de criança. “Era uma brincadeira. Hoje em dia, faço profissionalmente”, diz o ator ao Estadão.

Santoro, 49 anos, agora, de maneira séria, é uma das vozes da animação Arca de Noé. A coprodução Brasil, Estados Unidos e Índia, que chega aos cinemas em 7 de novembro é dirigida pelo Sérgio Machado, o mesmo de filmes como Cidade Baixa (2005) e A Luta do Século (2016), e pelo peruano Alois Di Leo. Baseada na obra do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980), a produção é considerada a maior animação em 3D já produzida no País.

O ator Rodrigo Santoro fez questão de contracenar com Marcelo Adnet no estúdio de dublagem Foto: Taba Benedicto/ Estadão

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É de Santoro a voz do ratinho Vini. Ele faz dupla com Tom, outro roedor, dublado por Marcelo Adnet - a referência clara a Vinicius e Tom Jobim (1927-1994), parceria de ouro da música popular brasileira. “Eu não podia chegar lá e fazer uma vozinha (faz uma voz estridente) para dublar uma ratinho”, diz Santoro. “Não trabalho dessa forma”, prossegue, com a bagagem de já ter dublado, anteriormente, filmes como O Pequeno Stuart Little 1 e 2 e Rio.

O trabalho de ator, nesse tipo de produção, segundo Santoro, é buscar “humanizar” o personagem - mesmo que ele seja um pequeno ratinho. “Ele está sofrendo por quê? Quais são os conflitos? Pensei como se ele fosse um ser humano mesmo. Essa é a única forma do espectador se envolver, o que é o nosso objetivo”, explica o ator. “Existe um mundo por trás dessa voz”.

A batalha de Vini, no filme, é tentar entrar na arca construída por Noé para proteger os animais de uma tempestade de 40 dias. Ocorre que, assim como a narrativa presente na Bíblia [Arca de Noé não é um filme de caráter religioso e nem apenas infantil], a ordem divina é que embarquem um macho e uma fêmea de cada espécie. Sendo assim, a dupla Vini e Tom precisa ser desfeita. Um deles deve ficar para fora.

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Para ter uma liga ainda mais real com Tom, o personagem dublado por Adnet, Santoro propôs ao diretor que ele e o parceiro colocassem a voz juntos, algo que não é tão usual na dublagem. “O Adnet quase não improvisa, né?”, brinca o ator. “Eu inventava, ele inventava em cima. Muitas coisas que vocês vão ver no filme nasceram desses improvisos.”

Um processo arriscado. Um poderia atropelar o outro, e o som poderia não ficar limpo. Santoro, no entanto, gosta desse tipo de desafio. Para ele, era essencial, naquele processo mental que ele se impõe a cada criação de personagem, que os ratinhos Vini e Tom tivessem uma “relação” anterior à ação contada em Arca de Noé. A arte do encontro, como definiria Vinicius de Moraes.

Além de Santoro e Adnet, Arca de Noé ainda tem as vozes de Lázaro Ramos, Alice Braga, Bruno Gagliasso, Julio Andrade, Débora Nascimento, Eduardo Sterblitch, Seu Jorge, Chico César, entre outros.

Uma canção para as filhas Nina e Cora

Santoro teve que subir o tom da voz para poder cantar em 'Arca de Noé' Foto: Taba Benedicto/ Estadão

No filme Arca de Nóe, Santoro não usa sua voz grave apenas para dublar. Ele também canta. Uma das músicas é Menininha, de Toquinho e Vinicius, lançada em 1980 no disco A Arca de Noé, baseado nos poemas infantis do poeta, reunidos em um livro lançado em 1970 (hoje, no catálogo da Companhia das Letrinhas).

Santoro diz ao Estadão que já tinha uma relação de afeto com a canção desde criança, quando a ouvia no álbum que na época reuniu nomes importantes da MPB, como Tom Jobim, Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Ney Matogrosso, Clara Nunes, Elba Ramalho, entre outros. Menininha, na gravação original, está na voz de Toquinho.

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Cantar não era uma novidade para o ator. Ele já havia soltado a voz na minissérie Hoje É Dia de Maria (TV Globo, 2005), época em que fez aulas de canto, e no filme Os Desafinados (2007),de Walter Lima jr. Em Arca de Noé, porém, teve que cantar dois tons acima de uma região confortável para sua voz, para atender a proposta de um arranjo mais contemporâneo.

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Menininha me tocava como criança e, hoje, me toca como pai. Eu vejo a letra e entendo o sentimento de ‘não cresce, não’, mas, ao mesmo tempo, claro, você quer que seus filhos cresçam e voem. Foi desafiador e lindo”, diz Santoro. “É a minha parte favorita do filme. É quando fico em suspensão”, diz. Casado com a atriz Mel Fronckowiak, Santoro é pai de duas meninas, Nina, de sete anos, e Cora, que nasceu em agosto.

A performance de Santoro em Menininha foi elogiada por Ivete Sangalo. A cantora comentou em um vídeo postado no perfil oficial do ator no Instagram. “Que lindo você cantando, Rodrigo”, escreveu Ivete.

“A Ivete (me elogiou)?”, questiona Santoro à reportagem quando perguntado sobre o que achou do aplauso da cantora. “Que legal, então”, responde, sem esconder que não havia visto o comentário. Minutos antes, o ator disse ao Estadão que não é ligado em redes sociais e não se envolve com afinco em seu perfil, deixando-o nas mãos de sua equipe. “Prefiro isto”, diz, segurando na cadeira em que estava sentado. Ou seja, o aqui e agora, a vida analógica.

Astro de produções internacionais como os filmes 300: A Ascensão do Império e Os 33 e de séries como Lost, Santoro, no dia em que conversou com o Estadão, 29 de outubro, ainda não havia assistido Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles candidato a uma vaga no Oscar 2025 pela disputa de melhor filme estrangeiro - assim como Arca de Noé, o longa chega aos cinemas em 7 de novembro.

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Salles, inclusive, assina a supervisão artística de Arca de Noé. O diretor e o ator trabalharam juntos em Abril Despedaçado, em 2001. “Já há um bom tempo que nosso cinema não deve nada a ninguém em nenhum lugar do mundo, em todos os sentidos”, avalia. Mas, apesar da equiparação, inclusive técnica, o Brasil, para Santoro, ainda tem um caminho a ser percorrido no que diz respeito à cara que as produções feitas por aqui devem ter. Segundo o ator, há muitas histórias e temas a serem explorados, sobretudo fora do eixo Rio-São Paulo.

“Vamos descobrir a nossa identidade. Cinema é uma arte difícil. Não temos, no Brasil, um indústria tão sólida quanta a americana, indiana, francesa, espanhola...Essas são mais concretas. Há [formação] de público também [nesse países]”, diz.

Santoro cita os cineastas Gabriel Martins, de Minas Gerais, e Karim Aïnouz, de Fortaleza, como dois expoentes responsáveis por trazer mais pluralidade de temas ao cinema nacional. Ele traz também os 7 Prisioneiros, filme dirigido por Alexandre Moratto que ele fez para a Netflix em 2021, como exemplo. O longo aborda temas como migração e trabalho escravo. “Foi super bem no mundo todo. Fizemos (filmamos) em um ferro velho, em São Paulo. Uma história potente”, diz.

Há pouco mais de uma semana, Santoro terminou de filmar na Bahia sua participação no longa da Netflix O Filho de Mil Homens, uma adaptação de Daniel Rezende para o livro homônimo do escritor português Valter Hugo Mãe. O ator será Crisóstomo, um pescador solitário que sonha em ser pai. A produção ainda não tem data para estrear.

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