Ruben Östlund costuma ser chamado de ‘enfant terrible’ do cinema nórdico. Mas ele não gosta do rótulo, e não porque o considere depreciativo. “Enfant terrible eram (Luis) Buñuel, há quase 100 anos, ou (Pedro) Almodóvar. Eu tento só ser um crítico ácido da mistificação do mundo atual.” O novo capítulo dessa ‘acidez crítica’ de Östlund é um filme que, desde maio passado, tem dividido a crítica – e colecionado prêmios. The Square – A Arte da Discórdia, que estreia na quinta, 4, está na shortlist de nove pré-indicados para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Dificilmente deixará de ficar entre os cinco finalistas.
Embora com o risco de parecer blasé, o diretor não supervaloriza a indicação. “OK, é o Oscar, mas não é mais importante que os prêmios que já ganhamos.” Em maio, em Cannes, o júri presidido por Pedro Almodóvar outorgou a The Square a Palma de Ouro. Dias antes da entrevista por telefone, no começo da semana, foi a vez de a Academia Europeia de Cinema atribuir a The Square nada menos de seis prêmios, incluindo melhor filme, diretor e ator (Claes Bang). Ostlund admite – “Claes era realmente o melhor, e eu torcia por ele. Mas foi muito bom vencer como melhor diretor. A concorrência foi difícil, porque grandes realizadores foram indicados”. Só falta agora o Oscar, mas antes disso The Square concorre ao Globo de Ouro da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
The Square quer dizer literalmente ‘o quadrado’. O filme conta a história de Christian. Diretor de um museu de arte contemporânea, ele é um modelo de correção. Divorciado, é pai responsável de duas filhas, dirige um carro elétrico, para evitar a poluição, e apoia todas as boas causas que você imaginar. Tudo isso parece perfeito – parece. A nova instalação de Christian no museu chama-se O Quadrado, daí o título. É um espaço do altruísmo e da igualdade, para estimular a responsabilidade das pessoas. Pena que ocorram duas coisas – 1) o celular de Christian é roubado e ele responde ao fato de forma emocional, irracional, colocando em xeque a própria civilidade; e 2) os responsáveis pela publicidade do museu organizam uma campanha radical para promover O Quadrado, e o resultado é que chocam a opinião pública. O museu, e Christian, entram em crise. É o colapso do mundo organizado. Instala-se a arte da discórdia.
Östlund conta a origem de tudo – “Nenhum filme nasce de uma só coisa. Aqui, a origem foi o roubo do celular de um amigo. Ele não chegou ao extremo de Christian, mas o fato ficou borbulhando na minha cabeça. Somou-se a outra coisa. Em 2008, surgiu na Suécia a primeira comunidade fechada. Um condomínio de alta segurança, ao qual só se tem acesso com autorização dos proprietários. Houve muita discussão, porque o fato expôs o que não deixa de ser um problema social – as classes privilegiadas estão se isolando. E isso ocorre num momento em que, na Europa (e não apenas), as pessoas estão cada vez mais individualistas e centradas, a dívida pública aumenta, o governo reduz os investimentos sociais e o abismo entre pobres e ricos torna-se um verdadeiro escândalo”.
E Östlund destaca – “Estamos falando da Suécia, que é considerada um dois países mais igualitários do mundo, mas onde o desemprego, como em toda parte, aumenta. As pessoas temem ver seu status social declinar, passam a se isolar e competir. E esse sentimento de impotência se reflete não só na desconfiança como na rejeição do papel do Estado. Essa falta de confiança motivou um projeto – The Square – que o produtor Kalle Boman e eu desenvolvemos e iniciamos em Varnämo, onde se tornou uma instalação permanente. O Quadrado é o espaço da igualdade, onde todos os cidadãos têm os mesmos direitos e responsabilidades. Tornou-se parte da vida cotidiana, e hoje as pessoas vão ao quadrado para protestar, para formalizar pedidos de casamento, etc. O filme nasceu disso tudo, e claro, sendo uma sátira, as coisas ficaram cada vez mais complicadas para Christian, suas reações foram se tornando menos cidadãs. Tem gente que diz que começou rindo, mas terminou se engasgando no mal-estar”.
É o que Östlund busca – “Nada me dá mais satisfação do que quando as pessoas me dizem que ficaram horas discutindo o filme”. A culminância é uma performance de Terry Notary, que regride a um estado primitivo, comportando-se como um macaco no meio de uma festa. No fundo, tudo em The Square é sob medida para subverter o mais sacrossanto dos conceitos da sociedade atual, tão hipócrita que finge ser igualitária – o politicamente correto. “Para mim, a equação é muito simples – se você confia nos outros, e a confiança é recíproca, todo mundo vive bem. Onde há desconfiança, o clima é de disputa e os mais poderosos possuem sistemas repressivos para fazer valer seus direitos. Tal é o mundo, e as coisas só pioram. Gostaria que fosse diferente, mas não invento nada. Meus filmes espelham o que sinto, e vejo.”
ENTREVISTA - Claes Bang, Ator
Claes Bang conversou de casa, pelo telefone, com o Estado. Aproveitava a pausa natalina de uma filmagem em Berlim.
Parabéns pelo prêmio de melhor ator na Academia Europeia...
Obrigado, mas o prêmio não foi só para mim. Foi para o filme, muito bem escrito e dirigido por Ruben (Östlund) e ele também venceu nas duas categorias. O melhor de tudo foi o melhor filme. Não é um filme fácil. Nos confronta com nosso mal-estar, e pode ser difícil assimilar.
Como é trabalhar com Ruben?
Tranquilo. Ele avança lentamente, filmando cada cena, e esgotando suas possibilidades. Às vezes, você acha que já deu, e ele propõe outra coisa. Ou então ele está satisfeito, mas você quer tentar mais uma vez. No caso de Christian (o personagem), era fascinante, porque se trata de uma escalada no horror. Tudo o que parece certo começa a dar errado.
E o Oscar?
Não é mais importante que tudo que já ganhamos. O grande desafio é a tal correção política, que o filme subverte. Sem abertura para isso, nada feito.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.