O ambiente escolar pode funcionar como um microcosmo social, e essa é a proposta da produção alemã A Sala dos Professores, de Ilker Çatak, concorrente ao Oscar de melhor filme internacional e em cartaz desde 29 de fevereiro. Diz o diretor, alemão de ascendência turca, que se remete a memórias dos seus tempos de estudante.
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A trama pode ser evocativa - e com certeza é. Porém, traz uma temática contemporânea e explosiva e diversificada, como a relação dos alemães com os imigrantes (turcos em especial, e seus descendentes), fake news, invasão (e evasão) de privacidade, punitivismo e julgamentos sumários. Mostra, de forma simples, como transformar um ambiente saudável em atmosfera tóxica.
No caso, quando numa escola modelo, funcionando sob os preceitos do politicamente correto e do respeito ao outro, começam a aparecer casos de furtos. Um deles envolve um aluno, Oskar (vivido pelo ótimo Leonard Stettnisch). Outro, quando uma das professoras, Carla Nowak (Leonie Beneschi), talvez a mais dedicada na equipe escolar em ser justa, acolhedora e correta, julga-se também vítima de um furto.
O caso toma contornos diversos, dramáticos e incontroláveis quando Carla decide deixar seu computador com a câmera ligada na sala dos professores. Flagra alguém furtando a carteira em sua bolsa. A imagem não é de todo nítida, mas registra com clareza os desenhos de uma blusa. Carla tem a certeza de que se trata de uma funcionária do colégio que é, também, mãe de um dos alunos. O que fazer? Ignorar? E o senso de justiça? Delatar? E o lado humano da questão? Conversar com a pessoa?
Todas as alternativas parecem razoáveis e ruins ao mesmo tempo. Não existe, talvez, a solução perfeita ou justa porque, como já se disse, o inferno do mundo é que todos têm suas razões. Carla, a mãe, o aluno, o resto da classe, os professores, a direção - todos estão certos e errados ao mesmo tempo, dependendo do ângulo que se olha.
Sem ser de modo nenhum complicado, o filme debate uma intrincada questão da ética: deve-se fazer justiça não importam as consequências ou deve-se medir as consequências antes de se fazer justiça? Em termos filosóficos, é preferível ser essencialista (faça-se justiça e pereça o mundo) ou consequencialista (medem-se as consequências antes de fazer justiça). Que atitude tomar, já que não se pode morar eternamente em cima do muro?
A Sala dos Professores fala do ambiente escolar, mas aponta para um estado geral da sociedade. Esta mesma em que vivemos, em nosso tempo de frágeis certezas, mas de opiniões fortes, muito rígidas, em que uma acusação já implica em culpabilidade alheia.
Sociedades, todas as nossas, com prontidão para julgar, punir, excluir e cancelar. As mesmas sociedades que facilitam o livre trânsito de fake news e a relativização radical da verdade. Vivemos nessa contradição: admitimos a fragilidade da verdade, porém condenamos e cancelamos ao menor indício.
Por seu caráter de microcosmo, o filme aborda também as diferentes reações ao caso entre os professores, um mosaico político de atitudes que vão da tolerância à intolerância, da compreensão ao punitivismo, passando pela indiferença e por uma difícil posição de equilíbrio buscada pela diretoria da escola. Podemos, segundo nossas inclinações ou mesmo convicções políticas, optar por esta ou aquela atitude. É um problema nosso, não da obra, que não nos fornece certezas fáceis.
Essas questões aparecem todas vestidas pelo hábito da ficção e confrontadas umas às outras, sem didatismo, apesar da trama ambientada em uma escola. Não é um filme de ideias; é um filme de atitudes. O registro cinematográfico tem viés realista e repousa numa objetividade que, se não é radical, tenta se aproximar da neutralidade. Cabe a quem assiste tirar suas próprias conclusões.
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